Francisco no Egito reforça o eixo Vaticano-Cairo-Teerã para isolar o terrorismo do Califado

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02 Mai 2017

Com os refletores já desligados, surge a pergunta: o que resta da viagem de Francisco ao Cairo? E a resposta é: a afirmação de uma forte convergência entre o Vaticano e o centro mais importante do Islã sunita – a Universidade de Al-Azhar – na oposição ao desvio do terrorismo jihadista.

A reportagem é de Marco Politi, publicada no jornal Il Fatto Quotidiano, 01-04-2017. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

Francisco não foi ao Egito para fazer uma pregação (às vezes, na mídia, parece que só ele fala como portador de verdade), mas para cimentar um entendimento com o Islã pensante sobre dois pontos-chave: a recusa clara da violência homicida envolta em motivos religiosos e a afirmação dos direitos de cidadania dos crentes de todas as religiões.

Al-Tayeb, sobre essas questões, não apenas hoje, é explícito, e, não por acaso, o Isis o retrata como um traidor. “Atacar cristãos e os crentes de outras religiões como falsa religiosidade é uma traição dos autênticos ensinamentos do Islã”, defendia ele há dois anos. “Existe um direito original de que Alá dotou o homem: um direito que diz respeito à liberdade e à libertação das constrições e, especialmente, o direito à liberdade religiosa, de credo e de confissão”, declarou ele em fevereiro deste ano. Acrescentando que as “religiões celestes” (os monoteísmos abraâmicos) necessariamente devem praticar uma relação de recíproco conhecimento, “cooperação e integração”, pois isso “representa uma exigência religiosa de primordial importância”.

Nessa linha, a viagem de Francisco reforça uma estratégia de isolamento da propaganda jihadista: um fato importante no plano geopolítico. É verdade, o mundo islâmico não está estruturado como o católico. Não existe uma estrutura unitária capaz de ditar regras para todos. Não existe um papa. Cada comunidade tendencialmente segue por conta própria. Com mais razão, é importante amarrar relações e convergências com esses centros, que podem exercer alguma influência.

O Cairo tem um destaque particular para o mundo islâmico sunita. O Teerã tem um papel particular no campo islâmico xiita. O Vaticano tem ótimas relações com ambos. Também se pode dizer, à luz dessa viagem, que a Santa Sé, com o Papa Francisco, criou um eixo Vaticano-Cairo-Teerã, que serve de barragem ao maremoto do terrorismo de marca islamista. E, ao mesmo tempo, de baluarte à histeria anti-islâmica, que contamina crescentes grupos sociais e políticos no Ocidente.

“Desmascarar, como responsáveis religiosos, a violência que se disfarça de suposta sacralidade... (Proferir) um ‘não’ forte e claro a todas as formas de violência, vingança e ódio cometidos em nome da religião ou em nome de Deus”, é a mensagem central levada por Francisco na sua viagem. O fato de os seus interlocutores estarem na mesma sintonia é um bom sinal no plano político mundial, embora a luta contra o Isis e o jihadismo (fenômenos muito modernos e, de fato, nada medievais) requer de todos um fôlego longo e esforços em muitas direções.

O Pe. Samir Khalil Samir, jesuíta, renomado teólogo e islamólogo de origem cairota e professor há mais de uma década no Pontifício Instituto Oriental de Roma, comentava às vésperas da viagem que Bergoglio “vem da Argentina, não conhece o Islã. Ele conheceu em Buenos Aires um imã muito gentil (…) mas a sua ignorância do Islã não favorece o diálogo. Bergoglio disse muitas vezes que o Islã é uma religião de paz, e isso é simplesmente um erro”.

A frase é sintomática do estilo de desprezo com que o papa é tratado por aqueles que não concordam com ele. Na realidade, no Cairo e em outras ocasiões, Francisco está levando em frente uma linha geopolítica iniciada vigorosamente por João Paulo II, que conhecia bem os trechos agressivos e violentos contidos no Alcorão (como, aliás, igualmente na Torá), mas considerava um erro fundamental fazer do Islã o “diabo do século XX” e trabalhou sistematicamente pelo diálogo entre cristãos e muçulmanos.

O próprio Bento XVI, depois do dramático deslize do discurso de Regensburg (com erros reconhecidos mais tarde pelo próprio pontífice), defendia a necessidade de “consolidar os laços de amizade e de solidariedade entre a Santa Sé e as comunidades muçulmanas do mundo”. Sem deixar de reiterar, em ocasiões oficiais, “toda a estima e o profundo respeito pelos crentes muçulmanos”.

Bento foi o primeiro papa a rezar em um templo muçulmano, a Mesquita Azul, de Istambul. Assim como João Paulo II, beijou o Alcorão, um gesto que, na época, horrorizou o Pe. Samir, segundo o qual isso tinha provocado um “choque para muitos cristãos no Oriente Próximo”, quase como se isso significasse que “o Alcorão é divino”, o que, segundo o jesuíta, não estava nas intenções de Wojtyla.

Em outras palavras, Francisco está continuando uma estratégia internacional de longo prazo da Santa Sé, estratégia particularmente valiosa em uma fase em que se trata de tirar água cultural dos “peixes” do terrorismo islamista.

Ao mesmo tempo, Francisco reiterou que, na Terceira Guerra Mundial em pedaços, que está em curso, “toda ação unilateral que não inicie processos construtivos e compartilhados é, na realidade, um presente para os defensores dos radicalismos e da violência”. Uma advertência a Washington e a Moscou.

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