Dos 7 bilhões de habitantes humanos no planeta, mais de 68,5 milhões são pessoas em trânsito, fugindo dos conflitos armados, das guerras e da fome. O adjetivo que une todas estas pessoas é “refugiados”. Vistos como ameaças por governos autoritários e, via de regra, conservadores, os refugiados são pessoas em situação de fragilidade política e com recursos econômicos limitados. “É preciso que haja o reconhecimento de que a integração tem maior chance de obter sucesso em um ambiente em que os recém-chegados possam manter sua cultura, religião, integridade étnica e sua identidade cultural, enquanto, ao mesmo tempo, sejam encorajados a participar e tenham acesso à cultura da sociedade que os recebe”, destaca a professora e pesquisadora Joseane Schuck Pinto, em entrevista por e-mail à IHU On-Line.
O alerta da professora é, antes, um contraponto à perspectiva migratória que vem sendo adotada pelo atual governo, que a descrição da política externa do Itamaraty. Uma das primeiras medidas adotadas pelo governo Bolsonaro foi a retirada do Brasil do Pacto Global das Migrações, sob a justificativa de que o país deveria buscar um marco regulatório adequado à nossa realidade. A pesquisadora, entretanto, contrapõe as alegações do chanceler brasileiro, Ernesto Araújo, “uma vez que o Brasil possui um marco regulatório avançado em matéria de migrações e deve, portanto, aprimorá-las, por meio da implementação de políticas públicas efetivas e eficazes de acolhimento e integração”.
A retórica protecionista sobre a política migratória é contrária à realidade nacional. Basicamente porque a proporção de brasileiros no exterior para cada migrante no território nacional é de dois para um. “Atualmente, segundo os dados do Ministério das Relações Exteriores, de 2016, mais de três milhões de brasileiros vivem em outros países e essas pessoas correm o risco de não ter os seus direitos respeitados com a saída do Brasil do Pacto, podendo sofrer inclusive discriminação e xenofobia”, alerta a entrevistada. “Migrar é um direito humano, como bem reconhecem os instrumentos internacionais de proteção humana, entretanto perpetuam as contradições impostas entre a lei e a vida humana”, complementa.
Joseane Schuck Pinto (Foto: Acervo IHU)
Joseane Schuck Pinto é doutoranda e mestra pelo Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos – Unisinos, especialista em Relações Internacionais e Diplomacia, graduada em Direito pela Unisinos e graduanda em Relações Internacionais pelo Centro Universitário Internacional/PR. É advogada e professora universitária. Foi professora junto ao Instituto Brasileiro de Gestão e Negócios - IBGEN/FTEC, nos cursos de Direito e Administração. Professora visitante na Unisinos, no curso de Extensão em Direito Internacional dos Refugiados e migrações e na Fundação Escola Superior do Ministério Público. Pesquisadora de fluxos migratórios e refugiados. É autora do livro Os deslocamentos forçados de haitianos e suas implicações: desafio global na sociedade de risco (Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2018).
Confira a entrevista.
IHU On-Line – Como avalia o Pacto Global das Migrações?
Joseane Schuck Pinto – Antes de comentar sobre o Pacto Global das Migrações, importante compreendermos os fatores que o trouxeram ao debate, tendo em vista tratar-se de um fenômeno complexo que envolve a migração e o refúgio e atinge um patamar nunca antes visto pela humanidade. Sobretudo, os acontecimentos surgidos com o pós-guerra e estendidos até aos dias atuais remontam a um cenário desolador, marcado por conflitos, guerras civis, perseguições por racismo, religião, grupos sociais, ideologias políticas, mudanças climáticas e ambientais, o que só faz aumentar o número diário de grupos de pessoas em situação de vulnerabilidade e opressão. De acordo, com o relatório divulgado pelo Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados - Acnur, em todo o mundo, o deslocamento forçado alcançou os níveis mais altos já registrados, cerca de 68,5 milhões de pessoas estavam deslocadas por guerras e conflitos até o final de 2017, ou seja, um recorde histórico [1].
O problema social da migração contemporânea, como mencionado, gera implicações na vida daqueles que se deslocam e cruzam a fronteira internacional. São vítimas da violência sexual e de gênero, crianças são detidas para fins de determinar seu status de migração, além de serem estereotipados como ilegais; todavia é relevante destacar que nenhum ser humano no mundo pode ser considerado juridicamente ilegal. Neste sentido, a Organização Internacional para Migrações - OIM, atualmente integrante da Organização das Nações Unidas - ONU, dirimiu algumas lacunas existentes nas denominações pertinentes à migração. Dentre elas a conceituação daqueles que se deslocam forçadamente ou de forma voluntária, sem o documento hábil para tanto, ou seja, não possuem o visto para ingressar no país de destino. Tal conduta faz com que sejam considerados migrantes indocumentados ou no máximo a nomenclatura de irregular.
Particularmente, prefiro utilizar o termo indocumentado, haja vista a existência de uma onda conservadora que vem se espraiando pelo cenário internacional, e por sua vez proporciona o acirramento da xenofobia. O termo documentado diz respeito aos que adentram ao território de outro Estado com a documentação própria para tanto, perfectibilizado através da concessão de visto. Já os denominados migrantes indocumentados são aqueles que na sua maioria chegam a outro Estado em situação irregular, isto é, de forma clandestina, contando com o auxílio de intermediários para a realização do deslocamento, e sem os documentos necessários à fixação de um migrante no país. Esses atravessadores praticam o contrabando de migrantes [2] e são conhecidos como coiotes, objetivam explorar a situação dos migrantes para obtenção de lucro, oferecem os mais variados serviços com elevados custos, como transporte e falsificação de documentos. A prestação de serviços inclui o controle nas fronteiras nacionais e requisição de vistos.
Diante deste panorama mundial, no ano de 2016 os Estados-membros se reuniram na sede das Nações Unidas, com intuito de firmar um acordo por consenso sobre um documento final. Surge então a Declaração de Nova York para Refugiados e Migrantes, adotada por unanimidade na Assembleia Geral das Nações Unidas em 2016 e que expressa a vontade política dos líderes mundiais de salvar vidas, proteger direitos e compartilhar responsabilidades em escala global.
A Declaração de Nova York contém compromissos ousados tanto para abordar os problemas que enfrentamos na atualidade quanto para preparar o mundo para os desafios futuros. Dentre os compromissos estabelecidos, destaca-se o de proteger os direitos humanos de todos os refugiados e migrantes, independentemente do status migratório; direitos das mulheres e meninas e promover sua participação plena, igualitária e significativa na busca de soluções; a garantia de que todas as crianças refugiadas e migrantes estejam recebendo educação dentro de alguns meses após a chegada; a prevenção e resposta à violência sexual e de gênero; o forte apoio aos países que resgatam, recebem e hospedam um grande número de refugiados e migrantes; o fim da prática de deter crianças para fins de determinar seu status migratório; condenar firmemente a xenofobia contra refugiados e migrantes e apoiar uma campanha global para combatê-la, entre outros vários compromissos [3]. A Declaração de Nova York, além de apontar os compromissos a serem assumidos pelos atores internacionais, especialmente pelos Estados, também apresenta as ferramentas que serão utilizadas para colocá-los em prática.
Nesse sentido, vem ao encontro o Pacto Global para Migrações Seguras, Ordeiras e Regulares que fornece o primeiro quadro de cooperação internacional, juridicamente não vinculativo, em matéria de migração. É o resultado de um amplo processo de discussão e negociação entre todos os Estados-membros das Nações Unidas.
Percebe-se que as migrações atingiram um patamar em que os países isoladamente não possuem condições de enfrentar, visto tratar-se de um fenômeno complexo e com diversas implicações para os países, e que exige soluções globais e a partilha de responsabilidades a nível mundial, com base na cooperação internacional. O pacto global para a migração visa promover a cooperação internacional, definindo princípios orientadores e prevendo um quadro político multilateral. Aborda a natureza complexa da migração internacional ao apresentar questões relacionadas com a migração, tais como a gestão das fronteiras, a introdução clandestina e o contrabando de migrantes, a documentação dos migrantes. A aplicação do pacto global para a migração é guiada por dez princípios, como a universalidade dos direitos humanos, a soberania nacional e o caráter juridicamente não vinculativo do documento, bem como define 23 objetivos concretos para uma migração segura, ordenada e regular como ponto de referência para os Estados que aplicam as suas políticas nacionais de migração.
Em que pese o Pacto Global para Migrações conter objetivos capazes de interligar os comportamentos dos Estados na regulação dos seus fluxos migratórios, em prol da defesa dos direitos inalienáveis daqueles que se deslocam, assim como da responsabilidade de acolhimento e integração nos países de destino, nota-se a fragilização desse mecanismo antes mesmo de ser posto em prática. Tal fragilização, no meu ponto de vista, decorre de duas razões. A primeira diz respeito à não adesão ao Pacto pela Eslováquia, Hungria, Polônia, República Tcheca, Austrália, Áustria, Chile e República Dominicana, todos considerados Estados com forte influência de partidos nacionalistas e governos de direita ou extrema direita, além de terem questões migratórias a lidar. A deserção desses países enfraquecerá a abrangência geográfica e política do Pacto no contexto internacional.
Do mesmo modo, observamos na Europa discussões acirradas na esfera doméstica dos Estados sobre a adesão ou não ao acordo. Na Eslováquia, por exemplo, o ministro de Exterior Miroslav Lajcak ameaçou demitir-se, caso o governo decidisse pelo boicote ao Pacto, contudo a sua indignação não obstaculizou a decisão tomada pelo premiê Peter Pellegrini, que declarou a retirada do país do acordo. Na Bélgica, o governo sofreu uma ruptura após a decisão do partido nacionalista Nova Aliança Flamenga (N-VA) de deixar a coalizão, por ser contra o Pacto, assinado pelo primeiro-ministro, Charles Michel. A segunda razão, por sua vez, está no fato das diretrizes do Pacto não possuírem caráter vinculante, isto é, não se trata de um Tratado Internacional que criará obrigações jurídicas a serem obedecidas pelos Estados, pelo contrário, trata-se apenas de recomendações para colaboração de forma voluntária. A ONU, juntamente com a OIM, será a responsável por coordenar os esforços no tocante à cooperação internacional entre os países-membros que aderiram ao Pacto. Porém, não nos esqueçamos da crise de credibilidade da ONU, enquanto organização internacional e dos limites do multilateralismo. Além disso, os Estados-membros da ONU debaterão e partilharão os progressos através do Fórum Internacional de Revisão da Migração, que terá lugar de quatro em quatro anos, com início em 2022.
Por fim, direcionar o olhar para perspectivas em nível regional poderá contribuir com a abertura de novos horizontes em prol da revisitação de uma verdadeira cooperação que de fato se debruce sobre o complexo fenômeno que é a migração contemporânea. Migrar é um direito humano, como bem reconhecem os instrumentos internacionais de proteção humana, entretanto perpetuam as contradições impostas entre a lei e a vida humana.
IHU On-Line – De que forma a senhora interpreta a posição do governo brasileiro de deixar o Pacto Global das Migrações?
Joseane Schuck Pinto – Apesar de o Brasil ter assumido o papel humanitário e ser signatário dos Tratados Internacionais que versam sobre direitos humanos e migrações, o governo de Jair Bolsonaro tomou a decisão de abandonar o Pacto Global para Migrações, sendo que o governo anterior havia se comprometido com a adesão do país ao acordo. O atual governo, segundo palavras do ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, afirmou que o país buscará um “marco regulatório compatível com a realidade nacional”, pois “tem de haver critérios para garantir a segurança tanto dos migrantes quanto dos cidadãos no país de destino”. Além disso, refere que “o pacto é “um instrumento inadequado para lidar com o problema." "A imigração não deve ser tratada como questão global, mas sim de acordo com a realidade e a soberania de cada país”. No mesmo sentido, Jair Bolsonaro alega que a decisão de abandonar o Pacto foi motivada para a preservação de valores nacionais, e completa afirmando que “o Brasil é soberano para decidir se aceita ou não migrantes”.[4]
No que diz respeito ao argumento disposto pelo ministro das Relações Exteriores, cumpre destacar que o país é considerado um precursor em matéria de refúgio e vem se consolidando em matéria migratória. O Brasil é signatário dos principais tratados internacionais de Direitos Humanos e parte na Convenção das Nações Unidas de 1951 sobre o Estatuto dos Refugiados, do Protocolo de 1967, além de outras normativas internacionais e regionais. Na década de 1990, período de redemocratização, tanto no âmbito doméstico quanto na política externa, o governo de Fernando Henrique Cardoso elaborou uma agenda em torno das questões pertinentes aos direitos humanos, razão pela qual solicita ao Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados uma pauta para servir de incentivo à elaboração de legislação específica que trate da questão dos refugiados e solicitantes de refúgio no país.
Com o projeto de lei definido e submetido à tramitação junto ao Congresso Nacional, com posterior aprovação, surge a Lei 9.474, de 22 de julho de 1997, que define os mecanismos para a implementação do Estatuto dos Refugiados de 1951, determina outras providências e institui o Comitê Nacional para Refugiados, órgão vinculado ao Ministério da Justiça que cuida do processo de solicitações de refúgio. O processo de elaboração da Lei de Refúgio, sobretudo no que se refere ao conceito de refugiado, foi pensada para além daquele conceito internacional disposto no Estatuto de 1951, na medida em que se utilizou do conceito disposto na Declaração de Cartagena de 1984, que é uma normativa regional preocupada em fomentar a proteção daqueles que se deslocam forçadamente.
Além disso, outro marco regulatório importante é a Nova Lei de Migrações 13.445 de 2017, que derroga o Estatuto do Estrangeiro, Lei 6.815 de 1980 – que priorizava as questões em torno da segurança nacional, onde não se mencionava proteção a direitos humanos. A Nova Lei Migratória foi sedimentada sob os pilares de princípios e diretrizes como a universalidade, indivisibilidade e interdependência dos direitos humanos; o repúdio e prevenção à xenofobia, ao racismo e a quaisquer formas de discriminação; a não criminalização da migração; a não discriminação em razão dos critérios ou dos procedimentos pelos quais a pessoa foi admitida em território nacional; a promoção de entrada regular e de regularização documental; a acolhida humanitária; o repúdio a práticas de expulsão ou de deportação coletivas. Vindo ao encontro a proteção integral e atenção ao superior interesse da criança e do adolescente migrante e das pessoas brasileiras no exterior, além do reconhecimento da migração como direito inalienável a todas as pessoas.
A Lei torna mais acessível os procedimentos de regularização migratória, independentemente da situação do estrangeiro. Além disso, atualiza e desburocratiza procedimentos de naturalização em geral. Outro ponto importante está na criação de dois mecanismos de proteção: o acolhimento humanitário mediante expedição de visto ou residência específica para situações não previstas anteriormente e a proteção às pessoas apátridas.
Desta feita, não merecem prosperar as alegações do chanceler Ernesto Araújo, uma vez que o Brasil possui um marco regulatório avançado em matéria de migrações e deve, portanto, aprimorá-las, por meio da implementação de políticas públicas efetivas e eficazes de acolhimento e integração. Nota-se que o Pacto Global para Migrações não é um novo marco regulatório, tampouco “um instrumento inadequado para lidar com o problema”, como afirmou o ministro, mas, sim é um mecanismo de cooperação entre países, a fim de prevenir e enfrentar um deslocamento indocumentado, através da rede de contrabandistas de migrantes.
Por fim, em relação ao posicionamento de Jair Bolsonaro de que o Pacto se sobreporá à soberania do país, ressalta-se que o texto do Pacto Global é muito claro ao referir que irá respeitar dez importantes princípios – entre eles o da “soberania nacional” de cada Estado-membro, deixando a cada um deles a decisão de como colocá-las em prática. As suas diretrizes, de forma alguma, possuem caráter vinculante, ou seja, não se trata de um Tratado Internacional em que o Brasil fará a sua ratificação e, por conseguinte, criará obrigações jurídicas a serem obedecidas; pelo contrário, trata-se apenas de recomendação para colaboração de forma voluntária. A adoção de bases políticas e jurídicas pelo Brasil voltadas à prevenção e ao enfrentamento do contrabando transnacional de migrantes, bem como a sua cooperação com outros países, no intuito de enfraquecer a atuação da rede criminosa dos coiotes, possibilitará um possível fortalecimento de mecanismos de prevenção e proteção daqueles que migram de forma indocumentada, e que são os principais atores sociais no cenário desolador do maior problema migratório contemporâneo.
Ao demais, a motivação global para a migração excede em muito as possibilidades limitadas de migrantes em atravessarem as fronteiras rumo ao Brasil, pois é considerado um país que recebe baixo fluxo migratório. Ela atingirá, sobretudo, a nós brasileiros em situação de emigração, visto a Lei de Migração alcançar e assegurar proteção a nós brasileiros, no momento em que adentrarmos em territórios estrangeiros, tendo em vista que para cada migrante internacional no Brasil, há dois brasileiros no exterior. Atualmente, segundo os dados do Ministério das Relações Exteriores, de 2016, mais de três milhões de brasileiros vivem em outros países e essas pessoas correm o risco de não ter os seus direitos respeitados com a saída do Brasil do Pacto, podendo sofrer inclusive discriminação e xenofobia. Do mesmo modo, brasileiro com destino ao exterior, seja como turista, a trabalho ou a estudo, também seria beneficiado com o Pacto que objetiva proteger qualquer pessoa em situação de migração, resguardando-a de atos discriminatórios. Não há nada que justifique a saída do Brasil do Pacto Global para Migração.
IHU On-Line – Quem são as pessoas que migram atualmente para o Brasil?
Joseane Schuck Pinto – De acordo com a apuração dos últimos dados pelo Ministério da Justiça e Comitê Nacional para Refugiados - Conare, as principais nacionalidades de origem daqueles que solicitam o status de refugiado e que estão em tramitação no Conare são: Venezuela 33%; Haiti 14%; Senegal 13%; Síria e Angola 7%; Cuba e Bangladesh 6%; Nigéria e República Democrática do Congo 4%; Gana e China 3%. Dentre os 10.145 refugiados reconhecidos pelo Estado brasileiro, atualmente 5.134 residem no território nacional, e possuem as seguintes nacionalidades: Síria 35%; República Democrática do Congo 13%; Colômbia 10%; Angola 8%; Palestina 5%; Líbano 4%; Paquistão 3%; Iraque 2%; Mali 2%, outras 17%. Os estados em que residem os refugiados são: São Paulo 52%; Rio de Janeiro 17%; Paraná 8%; Rio Grande do Sul 6%; Distrito Federal 5%; Santa Catarina 3%; Minas Gerais 3%; Outros 6% [5]. Não obstante a migração no país não alcançar o montante de 1% da população, o Brasil recebe pessoas de diversos locais do mundo, com destaque para a migração Sul-Sul.
A migração haitiana, iniciada com força no ano de 2010, se mantém como o principal coletivo de migrantes no mercado de trabalho formal. A migração venezuelana, que desde 2015 aporta fluxos migratórios crescentes ao Brasil, também se destaca entre os trabalhadores regulares, sendo, no primeiro semestre de 2018, a primeira nacionalidade em emissão de carteiras de trabalho, segundo os dados do observatório das migrações internacionais. Ambos os casos trouxeram grandes desafios não somente para o governo brasileiro na gestão de políticas migratórias, mas também às diversas instituições públicas e privadas, ONGs e à sociedade civil que cumprem papel histórico na acolhida dos migrantes.
IHU On-Line – Como avalia as ações do governo brasileiro até agora na relação com os venezuelanos? E como imagina serem as ações daqui para diante?
Joseane Schuck Pinto – A questão envolvendo os fluxos migratórios na fronteira entre o Brasil e a Venezuela, nos municípios de Pacaraima, Roraima e Santa Elena de Uairén, Venezuela, se acentuou no ano de 2017. Em abril de 2018 é distribuída ação judicial em face da União, interposta pelo governo de Roraima junto ao Supremo Tribunal Federal, objetivando o fechamento da fronteira para coibir o ingresso de venezuelanos no local. O governo de Roraima alegou que estava sobrecarregado pelo fluxo migratório e tentou restringir o ingresso dos venezuelanos no estado. Em liminar, a ministra Rosa Weber indeferiu o pedido de fechamento da fronteira, alegando que tal pedido contraria a Constituição Federal, as leis brasileiras, além dos tratados internacionais ratificados pelo Brasil que versam sobre direitos humanos e migração. A ministra baseia sua decisão na Constituição Federal, nas leis brasileiras e nos Tratados Internacionais de Direitos Humanos e migrações, os quais foram ratificados pelo Brasil. Destaca-se o contido no artigo 5º da CF, que traz uma isonomia, ou seja, uma igualdade entre pessoas que se encontram em território nacional; dentre elas estão abarcados tanto os nacionais quanto aqueles que cruzam a fronteira do Brasil, categorizados pela migração econômica, solicitantes de refúgio, refugiados ou apátridas. Pretende-se, portanto, a concessão de um aporte protetivo para evitar a discriminação e a xenofobia entre nacionais e migrantes.
Não obstante a ação de fechamento de fronteira, a ex-governadora de Roraima Suely Campos (PP), através do Decreto estadual 25.681-E, restringiu o atendimento aos venezuelanos nos sistemas públicos de saúde e educação – sendo o acesso permitido apenas com a apresentação de passaporte válido, bem como determinou a atuação das forças de segurança pública para deportação dos migrantes sem documentos. O Decreto foi considerado inconstitucional pelo Ministério Público Federal e Defensoria Pública da União, por ir de encontro aos termos dos tratados internacionais de direitos humanos dos quais o Brasil é signatário. Sobrevém, portanto, a distribuição de ação civil pública perante a 1ª Vara Federal de Roraima, em decisão do juiz Hélder Girão Barreto que determinou a suspensão do ingresso de venezuelanos no estado de Roraima, sob fundamento de que deve ser respeitado o pacto federativo, onde as atribuições entre os entes federados devem ser compartilhadas e não simplesmente impostas da União para outros entes federativos sem respeitar o princípio da autonomia. Destaca-se que entre os dias 06 e 07 de agosto de 2018 a fronteira Brasil-Venezuela, nas cidades de Pacaraima e Santa Elena de Uairém, permaneceu fechada por 15 horas. Da decisão do juiz foi interposto recurso ao TRF-1, e o desembargador Relator Kassio Marques reverteu a decisão do fechamento de fronteira e suspendeu os efeitos do Decreto estadual naquilo que implique a discriminação negativa em relação aos venezuelanos, ou a sua deportação e expulsão. No meu ponto de vista o fechamento da fronteira não soluciona o problema dos fluxos migratórios, pelo contrário. A mera proibição formal não fará cessar os deslocamentos, eles persistirão e colocarão em risco os migrantes, pois estarão em maior situação de vulnerabilidade.
Em resposta à crise instaurada em Roraima, o governo Federal adotou o programa de interiorização e passou a atuar no atendimento humanitário aos venezuelanos ao publicar o Decreto n° 9.286 que estabeleceu um Comitê Federal de Assistência Emergencial responsável pelas ações de assistência e acolhimento dos imigrantes em situação de vulnerabilidade. Do mesmo modo, a Medida Provisória n° 820 estabelece medidas de assistência para acolhimento das pessoas em situação de vulnerabilidade decorrente do fluxo migratório, reconhecendo tal situação como uma crise humanitária de caráter emergencial, e o Decreto nº 9.285 que reconhece a situação de vulnerabilidade decorrente de fluxo migratório para o estado de Roraima. O responsável por gerir a fronteira local é o general de Brigada Eduardo Pazuello, que elaborou um plano operacional para assistência emergencial aos imigrantes, com o objetivo de ampliar e qualificar os abrigos para imigrantes.
Em março de 2018, a Medida Provisória nº 823 abriu crédito extraordinário no valor de R$ 190 milhões, em favor do Ministério da Defesa, para financiamento do plano operacional e outras ações de assistência emergencial aos imigrantes. Desde então, os abrigos são administrados pela União e pelo Acnur. Atualmente, são cerca de 3.800 imigrantes abrigados. Está prevista a abertura de mais três unidades de acolhimento, com a ampliação de 1500 vagas. [6] A interiorização conta com o apoio do Acnur, da OIM, do Fundo de População das Nações Unidas - UNFPA e do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento - PNUD. A partir das vagas disponíveis e do perfil dos abrigos participantes do processo de interiorização, o Acnur identifica os interessados em participar da estratégia, assegura que estão devidamente documentados e financia melhoras de infraestrutura e custos operacionais nos locais de acolhida – especialmente os administrados pela sociedade civil. A OIM atua na orientação e informação prévia ao embarque, garantindo que as pessoas possam tomar uma decisão informada e consentida, sempre de forma voluntária, além de realizar o acompanhamento durante todo o transporte. O UNFPA promove diálogos com as mulheres e população LGBTI para que se sintam fortalecidas neste processo. Já o PNUD trabalha na conscientização do setor privado para a absorção da mão de obra refugiada.
Importante ressaltar que o programa de interiorização depende do interesse dos municípios de destino e da existência de vagas em abrigos. Reuniões prévias com autoridades locais e coordenação dos abrigos definem detalhes sobre atendimento de saúde, matrícula de crianças em escolas, ensino da Língua Portuguesa e cursos profissionalizantes. Por fim, o programa, que teria o seu encerramento para o final de março de 2019, foi prorrogado por mais 12 meses pelo atual governo federal.
IHU On-Line – Em artigo publicado recentemente, a senhora diz que “o Brasil vem se afirmando no sistema internacional como ator relevante na questão migratória global”. Que ações têm elevado essa relevância ao Brasil?
Joseane Schuck Pinto – É possível afirmar que o Brasil apresentava-se como ator em relevo dentro do sistema mundial, porém possui fraca capacidade de projetar-se em sua política externa, enquanto poder fora do seu entorno estratégico. A política externa e a atuação da diplomacia solidificou o país em temas como migração, direitos humanos, clima, entre outros. No governo Lula houve o forte investimento e preparo do corpo diplomático, com intuito de alargar a atuação em variados campos da política internacional e na abertura de novas embaixadas, visto que objetivou a vontade política de elevar o Brasil à posição de potência global. A política externa brasileira durante o governo Lula (2003-2010), considerada “ativa e altiva”, e sem dúvida exitosa no quesito da utilização de novos mecanismos na ordem multipolar que não aqueles velhos conhecidos como os “alinhamentos variáveis”, seja com as Organizações Internacionais ou com os parceiros tradicionais ocidentais, mas, sobretudo, ao buscar uma aproximação com as médias potências de grande porte, ou seja, países emergentes, a exemplo da Índia, China, África do Sul e Rússia, que por sua vez propiciou cenário para a formação dos BRICS, considerado a principal experiência em rede da diplomacia brasileira. Isso é possível por meio de coalizões, especialmente para a interação entre atores diversos e para fazer frente a uma agenda de temas variados. Em relação ao governo Dilma, embora mantivesse o modelo de política externa adotado no governo anterior, resta evidente que o mesmo sofreu significativa retratação, sobretudo no que tange ao modelo da diplomacia presidencial e o seu impacto nas redes. A política externa deste período foi marcada pelo caráter técnico e priorizou resultados a curto prazo, em detrimento da redução da diplomacia presidencial e de ações políticas de projeção internacional.
IHU On-Line – Quais os desafios para se compreender o contexto de proteção aos refugiados no Brasil nas últimas décadas?
Joseane Schuck Pinto – No que tange ao instituto do refúgio, o Brasil possui uma regulamentação própria, considerada um modelo a nível internacional, haja vista primar pela proteção e pela acolhida humanitária. O contexto mundial de deslocamentos forçados traz implicações para o Brasil, ao passo que o país, ainda que de modo tímido, acaba recebendo, na década de 1990, solicitações de refúgio. O Brasil é signatário dos principais tratados internacionais de Direitos Humanos e parte na Convenção das Nações Unidas de 1951 sobre o Estatuto dos Refugiados, do Protocolo de 1967, além de outras normativas internacionais e regionais. Nesse momento, tanto no âmbito doméstico quanto na política externa, o governo de Fernando Henrique Cardoso elabora uma agenda em torno das questões pertinentes aos direitos humanos, razão pela qual solicita ao Acnur uma pauta para servir de incentivo à elaboração de legislação específica que trate da questão dos refugiados e solicitantes de refúgio no país. No entanto, o maior desafio do país está na eficácia e efetividade das normativas, tendo em vista a necessidade de implementação de políticas públicas capazes de dar conta do acolhimento e, por sua vez, da integração local dos migrantes. O Estado com seu aparato normativo não consegue dar conta do fenômeno complexo que envolve a realidade dos novos fluxos migratórios, gerando cada vez mais processos de exclusão.
Somado a isso, o país conta com um sistema de fronteiras solidárias em que as agências do Sistema ONU têm reforçado parcerias com os atores-chave locais – governos, DPU, MPF, ONGs e Universidades. Porém, para que se estenda a proteção àqueles que adentram a fronteira brasileira é necessário dar conta do monitoramento dos principais pontos de fronteira, a exemplo, fronteira Brasil-Venezuela, com o crescente fluxo misto de venezuelanos em Roraima, onde quase dois mil solicitaram refúgio apenas em novembro de 2016, e cerca de 3.600 aguardam indocumentados para formalizar suas solicitações de refúgio; Tríplice fronteira Brasil-Paraguai-Argentina, com avaliação da circulação de solicitantes na área; e principais entradas aéreas e marítimas, com monitoramento do Aeroporto Internacional de Guarulhos em parceria com MPF, e do Porto do Rio de Janeiro com o Comitê Estadual para Refugiados e Migrantes.
IHU On-Line – Pelas primeiras ações do atual governo, como imagina que será conduzido o tema das migrações no Brasil?
Joseane Schuck Pinto – Muito embora seja cedo para falarmos sobre a condução do novo governo na agenda migratória e de refúgio, a primeira decisão em relação à temática foi desastrosa, na medida em que o país se retira de um Pacto que se presta à cooperação entre países, cuja finalidade era estender a proteção de brasileiros em condição de emigrante no exterior, bem como coibir e enfrentar a prática de deslocamentos de forma irregular no Brasil. Percebe-se, contudo, que o governo, pelo menos neste ano, não priorizará uma agenda relativa às questões migratórias.
IHU On-Line –A senhora acompanhou de perto a questão dos haitianos que ingressaram no Brasil. Como avalia essa experiência de recebimento desses imigrantes?
Joseane Schuck Pinto – Em que pese os fatores políticos, sociais e econômicos serem protagonistas na derrocada do Estado haitiano, o fator ambiental deve ser levado em consideração, na medida em que teve a sua parcela significativa de contribuição. A tomada de decisão equivocada, ao longo da trajetória histórica do país, essencialmente naquelas relativas às políticas voltadas à proteção e conservação das reservas naturais, influenciou sensivelmente a atual conjuntura do país, e, por conseguinte, a aceleração do processo de deslocamentos e de deslocados, fato que foi agravado após a ocorrência do terremoto, em 2010. A realidade no Haiti é outra. A situação do país não se enquadra no fator da transitoriedade, pelo contrário. Os fluxos migratórios de haitianos se caracterizam por ser um deslocamento forçado advindo da soma dos diversos elementos envolvidos, visto que há, no país, o predomínio de alto índice de vulnerabilidades existentes nos indicadores sociais, econômicos, políticos, militares e ambientais, eis que o desmatamento contínuo no país aliado à pequena quantidade de chuva contribui para a perda da fertilidade do solo. Além da fragilidade e precariedade do Estado, do declínio econômico acentuado, da institucionalizada perseguição ou discriminação, das fortes pressões demográficas, do elevado índice de mortalidade infantil, do analfabetismo, do precário acesso à água potável e ao saneamento básico, das instabilidades políticas de conflito e de lutas armadas, do aumento do empobrecimento do povo, dentre outras causas que remetem os deslocados e os deslocamentos, ao mesmo tempo, à condição de refugiado ambiental, quando ultrapassa a fronteira do Estado e à de deslocado ambiental, quando se mantém dentro de seu território.
Apesar de o Brasil não ser o destino preferencial dos deslocamentos forçados dos haitianos, o país acabou por receber, desde a ocorrência do terremoto, um intenso fluxo migratório. Os motivos pela escolha são muitos. Um deles está atrelado ao fechamento de fronteiras dos países do Norte. Porém, a maioria foi atraída pela expectativa de encontrar melhores condições econômicas e a imediata aquisição de emprego no Brasil. A intensa procura pelo Brasil como rota migratória traz reflexos negativos no que diz respeito à situação atual desses migrantes no país. As dificuldades relacionam-se ao idioma, à questão cultural e à integração local, ao acesso à moradia e aos direitos fundamentais, como saúde, educação etc. Os obstáculos enfrentados por aqueles haitianos que buscam os grandes centros urbanos, como São Paulo, por exemplo, são ainda maiores. Estes contam com o auxílio e a acolhida das igrejas e da sociedade civil, pois o acesso à moradia é um grande problema no país. Porém, a realidade atual é marcada pela falta de abrigo capaz de suportar a demanda. Os que ainda não receberam a documentação, por esbarrarem na máquina estatal lenta e morosa, se tornam vítimas das redes de trabalho análogo à escravidão. Apenas uma minoria, especialmente os que se encontram nas pequenas ou médias cidades do país, tem êxito na busca por um posto de trabalho que lhe garanta os direitos trabalhistas, a subsistência, e permita o envio de repasse financeiro para familiares no Haiti.
A despeito de todos os desdobramentos desses fluxos migratórios na vida dessas pessoas e de toda dificuldade na superação dos obstáculos que esse processo proporciona, demonstraram que não pretendem deixar o Brasil, apesar de reconhecerem que o país não está preparado para enfrentar as dificuldades pertinentes às migrações. O Brasil é visto por eles como um local de possibilidades e de recomeço. Sonham trazer os familiares que ficaram no Haiti. Ao demais, os migrantes representam uma ótima oportunidade para o desenvolvimento econômico do país que os recebe, mas, para tanto, é preciso que haja o reconhecimento de que a integração tem maior chance de obter sucesso em um ambiente em que os recém-chegados possam manter sua cultura, religião, integridade étnica e sua identidade cultural, enquanto, ao mesmo tempo, sejam encorajados a participar e tenham acesso à cultura da sociedade que os recebe.
IHU On-Line – Qual deve ser o papel do Mercosul no atual governo?
Joseane Schuck Pinto – O Mercosul é um bloco econômico que prevê ampla circulação de bens e serviços, com facilidades tarifárias no comércio entre os Estados-membros. Participam do bloco o Brasil, a Argentina, o Paraguai e o Uruguai. A adesão da Bolívia ainda aguarda aprovação do Congresso brasileiro. Já a Venezuela, absorvida pelo grupo em 2012, foi suspensa em 2016. Trata-se, portanto, de uma união aduaneira, ou seja, uma zona de livre-comércio (com eliminação ou diminuição gradual das tarifas alfandegárias dos produtos comercializados), mas que também adotou uma Tarifa Externa Comum - TEC. Basicamente, essa tarifa, que varia de acordo com o tipo de mercadoria, visa a taxar tudo o que vem de fora do bloco. Embora o grupo tenha perdido importância ao longo dos anos e precise ser modernizado, desmontá-lo poderia gerar um impacto prejudicial à economia brasileira, especialmente à indústria automobilística. Segundo o Itamaraty, as trocas no Mercosul se multiplicaram nove vezes entre os sócios fundadores do bloco — de US$ 4,5 bilhões em 1991 a US$ 40 bilhões em 2017. Para além das medidas econômicas, foram implementadas medidas para facilitar a livre circulação de pessoas, que dispensa a utilização do passaporte para viagens entre os Estados-membros. Assim como a permissão para residir e trabalhar em outro país do bloco. Do mesmo modo, os convênios educacionais permitem aos alunos brasileiros estudarem na Argentina usando a nota do Enem. Por fim, acordos previdenciários, que contabilizam o tempo de trabalho fora do país de origem do cidadão para fins de aposentadoria. Pelas primeiras manifestações do governo, nota-se que o Mercosul não será prioridade.
IHU On-Line – Por que, em pleno século XXI e depois de termos passado por pelo menos duas grandes guerras, parecemos estar voltando à prática de xenofobia? O que leva nações do mundo todo a negar e rejeitar a figura do imigrante?
Joseane Schuck Pinto – Em que pese a Primeira e a Segunda Guerra Mundial sejam reconhecidas como o marco referencial histórico acerca da demarcação dos deslocamentos forçados, momento em que mais de 40 milhões de pessoas provenientes da Europa deslocaram-se por ocasião da guerra, a década de 1960, com a descolonização afro-asiática, também gerou novos fluxos migratórios. Da mesma forma, a América Latina contou com mais de 2 milhões de deslocados, em razão dos regimes ditatoriais responsáveis por conflitos armados, nas décadas de 1970 e 1980. Porém, o ano de 2018 alcançou o índice de deslocados forçados nunca antes visto pela comunidade internacional. Desta forma, os acontecimentos surgidos com o pós-guerra e estendidos até aos dias atuais, remontam a um panorama desolador, marcado por conflitos, guerras civis, perseguições por racismo, ideologias políticas, e só fazem aumentar o número diário de grupos de vulneráveis, que passa a necessitar de ajuda humanitária internacional.
Observa-se que a intolerância está diretamente relacionada com a questão migratória, o personagem contemporâneo é o migrante, inserido em um contexto de fracasso do Estado-nação. Neste cenário, está aquele migrante reconhecido juridicamente que ultrapassa a fronteira e adentra em outro território, momento em que passa a ser categorizado pelo Estado que o recebe, e após é considerado um estrangeiro, um fronteiriço na sociedade a qual está sendo inserido. Aos olhos daquele que recebe/acolhe, o que chega não pertence ao local de acolhida, vive às margens dele. E, caso não se enquadre nas regras do jogo impostas por determinada sociedade, acabará sendo julgado não pelo que fez ou deixou de fazer, mas sim porque há o preconceito de não seguir os parâmetros adotados por aquele local.
Novamente, surge o velho argumento à tona: a defesa e proteção da segurança nacional e da soberania. Os chegados correspondem uma ameaça àquele território, tendo em vista que são considerados bárbaros, com costumes outros que não aqueles seguidos pela sociedade local. Neste ínterim, vale referir as palavras do premiê húngaro na imprensa sobre a considerada crise migratória na Europa, em que ele diz “[...] a imigração vai destruir a identidade cristã da Europa, o que nos leva a denotar que o país elegeu seus inimigos”. Ainda menciona “[...] a sua aprovação ao tratamento dado pela polícia aos refugiados, e chama-os de rebeldes [...], deixa claro, portanto uma lógica beligerante – a de que é preciso combater o inimigo e destruí-lo, se necessário for”. [7]
[1] Disponível aqui. Acesso em fevereiro de 2019.
[2] O “contrabando de migrantes é um crime que envolve a obtenção de benefício financeiro ou material pela entrada ilegal de uma pessoa num Estado, no qual essa pessoa não seja natural ou residente”. UNODC. Acesso em fevereiro de 2019.
[3] Disponível aqui. Acesso em fevereiro de 2019.
[4] Disponível aqui. Acesso em fevereiro de 2019.
[5] Disponível aqui. Acesso em fevereiro de 2019.
[6] Disponível aqui. Acesso em fevereiro de 2019.
[7] Pronunciamento extraído da Carta Capital de 14/01/2016, p. 3. Disponível aqui. Acesso em fevereiro de 2019.