As polêmicas relações entre gays e a Igreja Católica. Entrevista especial com Francis DeBernardo

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11 Março 2010

Criada há mais de trinta anos, a associação americana New Ways Ministry trabalha na luta pela “reconciliação” entre a Igreja Católica e a comunidade homossexual. Em fevereiro deste ano, a organização recebeu duras críticas do cardeal Francis George [1], de Chicago, e presidente da Conferência Episcopal dos EUA, que questionou a sua verdadeira identidade católica.

É sobre essa temática que Francis DeBernardo, diretor executivo do New Ways Ministry, conversou, por e-mail, com a IHU On-Line. Decepcionado com as declarações de George, DeBernardo afirma que as opiniões emitidas na declaração do cardeal não impedirão o trabalho da instituição. ”Nós sempre apresentamos uma interpretação autêntica do ensinamento católico sobre a justiça social e ética sexual. Também apresentamos a interpretação de especialistas em teologia moral que discordam do ensinamento dos bispos sobre a sexualidade. Cremos que os católicos têm o direito de conhecer a plenitude do pensamento católico”, diz.

Sobre as relações entre o catolicismo e os homossexuais na contemporaneidade, DeBernardo afirma que, apesar da questão ser relativamente nova dentro da Igreja, é preciso que as experiências das pessoas sejam escutadas e respeitadas. “Historicamente, a tradição católica sempre escutou a fé do povo, e não apenas as opiniões da hierarquia. Precisamos aplicar esta tradição antiquíssima às novas questões surgidas em torno das lésbicas e dos gays. A única maneira pela qual chegaremos à verdade nesses assuntos é dando ouvidos a todo o mundo”, frisa.

Francis DeBernardo é ativista pelos direitos dos homossexuais na Igreja e na sociedade dos Estados Unidos e diretor executivo do New Ways Ministry. É mestre em retórica e composição pela Universidade de Maryland e publicou diversos artigos e livros. Conferencista muito requisitado, fez um dos discursos principais da Conferência sobre Religião e Homossexualidade, na primeira World Pride Week (Semana do Orgulho Gay), em Roma.

Confira a entrevista.

IHU On-Line - Como você recebeu as críticas do presidente da Conferência Episcopal dos Estados Unidos, o Cardeal Francis George, que disse que sua organização não oferece "uma interpretação autêntica da doutrina católica" sobre a homossexualidade?

Francis DeBernardo - Fiquei muito decepcionado com o fato de o cardeal George não ter feito contato com o New Ways Ministry [2] para obter algumas informações sobre o trabalho que fazemos. Quando os líderes tomam decisões sem investigações, eles podem, muitas vezes, ser enganados por rumores e relatos de segunda mão. Não creio que tenhamos sido tratados com justiça ou respeito.

Nós sempre apresentamos uma interpretação autêntica do ensinamento católico sobre a justiça social e ética sexual. Também apresentamos a interpretação de especialistas em teologia moral que discordam do ensinamento dos bispos sobre a sexualidade. Cremos que os católicos têm o direito de conhecer a plenitude do pensamento católico. Entretanto, a declaração do cardeal George não nos impedirá, nem retardará o nosso trabalho. Pretendemos seguir em frente com nossos programas e recursos.

IHU On-Line - Qual é o principal objetivo do New Ways Ministry como um ministério católico?

Francis DeBernardo - O principal objetivo do New Ways Ministry é ajudar a construir pontes de justiça e reconciliação entre os(as) católicos(as) gays/lésbicas e a comunidade eclesial mais ampla. Queremos que as lésbicas e os gays saibam que são bem-vindos na igreja e queremos que a igreja saiba que lésbicas e gays são verdadeiramente pessoas de uma fé profunda. Queremos facilitar um grande diálogo sobre essas questões em nossa igreja.

IHU On-Line - No site do New Ways Ministry, você diz que o ministério "está num ponto crítico em seus 33 anos de história". Quais serão as ações do ministério após as declarações do cardeal Francis George?

Francis DeBernardo - O New Ways Ministry se encontra num ponto crítico atualmente porque só teremos condições de seguir em frente se tivermos o apoio pleno dos indivíduos e organizações que ajudaram a nos manter por mais de três décadas. Com base no que as pessoas estão nos dizendo, sabemos agora que temos esse apoio. Continuaremos a fazer nosso trabalho de construção de pontes da mesma maneira como sempre fizemos. Não achamos que a declaração do cardeal George vá prejudicar nosso trabalho, porque muitos católicos não acreditam que a declaração dele reflita com exatidão o New Ways Ministry.

IHU On-Line - O que a Igreja Católica fez para ir ao encontro de gays e lésbicas e de suas necessidades nos últimos anos? Existe espaço para gays e lésbicas na Igreja Católica hoje?

Francis DeBernardo - Nos Estados Unidos, centenas de paróquias e dioceses católicas começaram a estabelecer programas de apoio para lésbicas e gays e suas famílias. Um terço das instituições católicas de ensino superior estabeleceu políticas, cursos e organizações de apoio para alunos/as e professores/as gays e lésbicas. As ordens religiosas iniciaram programas de discussão e educação sobre a presença de membros lésbicas e gays em suas comunidades. Embora o movimento pela inclusão de lésbicas e gays esteja crescendo, ele não existe em toda parte. Mas, lenta e seguramente, muitas instituições católicas estão criando espaço para lésbicas e gays.

IHU On-Line - Como o senhor analisa o ensino moral e teológico da Igreja Católica sobre gays e lésbicas?

Francis DeBernardo - Creio que há muitas ideias positivas no ensinamento oficial da Igreja Católica sobre lésbicas e gays. Por exemplo, quando se analisam os documentos, encontra-se uma forte conclamação a incluir as lésbicas e os gays como parte da comunidade cristã. De modo semelhante, há também uma forte condenação de ações e atitudes preconceituosas contra as lésbicas e os gays. Infelizmente, muitas pessoas na igreja deixam inteiramente de perceber esses pontos e se concentram simplesmente na condenação da expressão sexual entre duas pessoas do mesmo gênero por parte da igreja. As lésbicas e os gays se definem por mais coisas do que apenas por seu desejo de fazer sexo; portanto, os ensinamentos morais da igreja também deveriam enfatizar esse contexto maior da vida delas e deles.

IHU On-Line - É possível mudar as atuais estruturas da Igreja Católica em relação aos homossexuais? O que é necessário para isso?

Francis DeBernardo - Em muitas áreas da Igreja Católica, temos pessoas ocupando posições de liderança que não acolhem lésbicas e gays. Infelizmente a homofobia tem uma presença forte na igreja. O que é necessário para mudar essas atitudes e práticas é a educação e o diálogo. Os líderes pastorais precisam se informar sobre as vidas dos/das católicos/as lésbicas e gays e precisam ter uma compreensão melhor da natureza da homossexualidade. De modo semelhante, nossos bispos precisam ter abertura para escutar as histórias que as lésbicas e os gays têm a contar. Muitos bispos não se dão conta de quão ofensivas muitas das declarações da igreja soam aos ouvidos das lésbicas e dos gays. Se os bispos escutassem, em vez de apenas emitir declarações, eles aprenderiam muito.

IHU On-Line - Em relação à questão do casamento gay, qual é a posição do New Ways Ministry? Quais são as discordâncias e as conexões entre o seu movimento e a Igreja Católica sobre esse assunto?

Francis DeBernardo - Essa é uma pergunta difícil de responder com brevidade, porque a questão é complexa. Em primeiro lugar, é importante dizer que o casamento civil e o casamento religioso têm muitas diferenças. O New Ways Ministry vê a questão da igualdade no tocante ao casamento civil como uma questão de justiça social. Se as pessoas heterossexuais têm o direito civil de casar, é injusto que um governo negue esse direito às lésbicas e aos gays. Além disso, abrir o casamento para casais de lésbicas e gays seria uma contribuição significativa para o bem comum de todas as pessoas. Muitos teólogos e leigos na igreja concordariam com essas posições, mas a maioria dos bispos não.

IHU On-Line - Como podemos reler a Bíblia para melhor compreender o lugar de gays e lésbicas em nossa Igreja? Ou precisamos de uma nova base para isso?

Francis DeBernardo - Santo Agostinho de Hipona disse que nós sempre deveríamos seguir a Regra da Caridade ao lermos a Escritura. Ele queria dizer que deveríamos ler o texto sempre em busca de orientação sobre como podemos amar melhor a Deus e nosso próximo. Acho que esta é uma boa forma de enfocar tanto a Escritura quanto a tradição. Se olhamos essas fontes, e elas nos dizem que Deus fez algumas pessoas inferiores ou defeituosas, então não as estamos lendo corretamente e precisamos repensar nossas ideias.

Dar ouvidos às experiências das pessoas é igualmente importante. As questões referentes às lésbicas e aos gays são relativamente novas em nossa igreja e em nossa sociedade. Historicamente, a tradição católica sempre escutou a fé do povo, e não apenas as opiniões da hierarquia. Precisamos aplicar esta tradição antiquíssima às novas questões surgidas em torno das lésbicas e dos gays. A única maneira pela qual chegaremos à verdade nesses assuntos é dando ouvidos a todo o mundo.

Notas:
[1] Francis Eugene George é um cardeal estadunidense e arcebispo de Chicago. É também o Presidente da Conferência de Bispos Católicos dos Estados Unidos.

[2] New Ways Ministry é uma organização que oferece ministério positivo e suporte aos gays e lésbicas católicos dos Estados Unidos.

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