A Igreja de Cuba pede a beatificação do sacerdote independentista Félix Varela, “pai espiritual da Pátria”

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Por: Jonas | 17 Agosto 2015

O postulador da causa, o sacerdote Ramón Suárez Polcari, mantém-se prudente, ainda que no fundo de seu coração espere que o Papa faça “o milagre” – exonerando Félix Varela da obrigação de fazê-lo – e o declare beato, mesmo que não tenha nenhuma cura prodigiosa, comprovada segundo todos os requisitos da Igreja. Há vinte anos, monsenhor Suárez Polcari, grão-chanceler da Arquidiocese de Havana, pesquisa a vida do sacerdote cubano “santo patriota íntegro”, como soube dizer outro grande herói cubano, José Martí, diante da sepultura de Varela.

A reportagem é de Alver Metalli, publicada por Tierras de América, 11-08-2015. A tradução é do Cepat.

O processo diocesano se encerrou em 1966 e os avolumados documentos foram despachados para Roma. Seis dos nove juízes que os receberam “não tiveram nada a contestar”, destaca monsenhor Suárez, em seu escritório na velha Havana, com o ar condicionado no máximo. “Por outro lado, três pediram esclarecimentos sobre dez pontos”. Apresentaram dúvidas sobre a participação do padre Varela na maçonaria, como era frequente naquela época entre os religiosos favoráveis à emancipação, e se o padre Varela havia incitado os cubanos a pegar em armas na guerra da independência contra a Coroa Espanhola. Depois, pediram para que fossem aprofundadas algumas passagens das “Cartas a Elpidio”, a obra mais importante de Varela, publicadas incompletas, em 1985, para demonstrar às novas gerações um caminho “de piedade e virtude”, e que é a principal fonte para compreender seu pensamento. “Também solicitaram esclarecimentos sobre sua filosofia”, acrescenta o postulador cubano, “se era ortodoxa e aceita pela Igreja, sobre sua vida sacerdotal e sobre seu compromisso político, e se existiu o risco de que este último primasse sobre seu sacerdócio”. Foram realizados aprofundamentos e os dez pontos foram respondidos. Os resultados retornaram a Roma e os nove juízes vaticanos decidiram, por unanimidade, que se passasse à etapa seguinte, declarando o presbítero Félix Varela y Morales venerável.

Bento XVI pôs o selo sobre as virtudes heroicas antes de sua viajem a Cuba, em março de 2012, e João Paulo II, antes dele, elogiou-o na Aula Magna da Universidade de Havana, falando aos intelectuais diante do busto de Varela, “verdadeiro pai da cultura cubana, filho ilustre desta terra, considerado por muitos a pedra angular da nacionalidade cubana”. O discurso ficou fortemente gravado na memória de muitos cubanos e constitui um reconhecimento importante para a linha eclesial de diálogo com as autoridades comunistas no poder, da qual participa o arcebispo de Havana, Ortega y Alamino. “Ele próprio é”, seguiu dizendo o Papa Wojtyla, “a melhor síntese que podemos encontrar entre a fé cristã e cultura cubana”.

Tudo parecia em ordem, tudo parecia a caminho dos altares e que era questão de tempo, também, a comprovação do milagre. No entanto, ainda não há nenhum milagre. Há muitos depoimentos de graças recebidas, de ações inspiradas invocando o nome de Varela, mas nada determinante. Pelo menos até agora, pois monsenhor Suárez Polcari deixa escapar que recebeu, não faz muito tempo, dois depoimentos que poderiam mudar as coisas. Contudo, as verificações devem ser cuidadosas, requerem tempo. A viagem do Papa é em breve e já não resta tempo, caso se respeite o percurso estabelecido pela Congregação para a Causa dos Santos, que exige para a beatificação “um milagre atribuído à intercessão do venerável servo de Deus, que tenha sido verificado após a sua morte”.

Recorre-se, então, ao Papa que está por vir. “Cuba possível”, uma associação de leigos católicos, entregou há pouco tempo ao Núncio Apostólico em Cuba, dom Giorgio Lingua, uma carta dos homens de cultura que fazem parte do agrupamento, na qual pedem ao Santo Padre que “acolha a possibilidade” de elevar à honra dos altares o sacerdote Félix Varela (1788-1853), que todos os cubanos, sem exceção, reconhecem como “pai espiritual da Pátria” e recordam como “o que nos ensinou a pensar”. Uma possibilidade que eles sabem que está dentro das faculdades papais. “Seria um gesto belíssimo do Papa, um gesto capaz de unir a nação”, comenta o padre Yosvany Carvajal, diretor do Centro Cultural Félix Varela. “Este lugar, o antigo Seminário de San Carlos, é o berço da nacionalidade, a casa onde viveram os pais fundadores”, recorda Carvajal, “e os pais fundadores pensaram em Cuba com Deus, porque eram sacerdotes, homens de fé, e ao mesmo tempo homens de ciência”. Na porta do Centro Cultural que preside, a poucos passos da Catedral, o jovem sacerdote agradecerá a vinda do Papa Francisco e lhe pedirá – “se nos concede exonerá-lo do milagre” – o que toda a Igreja cubana deseja ardentemente: a beatificação de Félix Varela.

O bispo Juan de Dios Hernández, secretário da Conferência Episcopal de Cuba, não fica atrás; fala do que está ocorrendo na ilha, desde dezembro do ano passado, com o anúncio simultâneo do início da aproximação entre Cuba e os Estados Unidos, como “algo análogo à queda do Muro de Berlim”, e depois reconhece que toda a Igreja cubana “está pedindo ao Papa o presente da beatificação de Varela”. “Pelo peso que tem a vida deste homem, não apenas no âmbito religioso, mas também na ordem patriótica”, explica: “Sua vida é de grande beleza e seu pensamento nutriu várias gerações”.

Mais moderado é o historiador Roberto Méndez, professor de História e Cultura cubana e consultor do Pontifício Conselho de Cultura da Santa Sé, nomeado por Bento XVI para um período de cinco anos e, para sua grande surpresa, confirmado por Francisco. “Há alguns colegas que pensam que Francisco poderá proclamar Varela beato quando chegar aqui. Eu não sou tão otimista, mas acredito, isso sim, que Francisco não se opõe a um pronunciamento, neste sentido, da Congregação para a Causa dos Santos”. Méndez é um dos fundadores do Instituto de Estudos Eclesiásticos Félix Varela, faz parte da redação da revista “Palabra Nueva”, membro da Academia Cubana da Língua e correspondente da Real Academia Espanhola.

Recorda que quando Varela vivia, “a hierarquia eclesiástica da Ilha não o via com bons olhos por causa de sua pregação libertária, e se sabe que a Coroa Espanhola influenciou para impedir que, durante seu exílio, nos Estados Unidos, recebesse a mitra episcopal. Ainda que fosse um homem humilde, caridoso e de moral irrepreensível, durante todo o século XX foi defendido por historiadores liberais e anticlericais, e em grande medida ignorado pelo mundo católico”. De fato, quando as cinzas de Varela foram transferidas de Saint Augustine, na Flórida, a cidade de origem europeia mais antiga dos Estados Unidos, para Havana, no dia 7 de novembro de 1911, ainda que os ritos tenham sido celebrados na catedral, as autoridades não permitiram que fossem sepultadas ali, mas as colocaram em uma urna na Aula Magna, em terra laica.

Eram outros tempos, reconhece o professor Méndez. “Em 1986, o documento conclusivo do grande Encontro Nacional Eclesial Cubano dedicou uma epígrafe ao padre Varela”. A partir desse momento, multiplicaram-se as revisões, ensaios e estudos dedicados a ressaltar a unidade do cristianismo e o patriotismo em seu pensamento. Até que iniciou a fase romana da causa de beatificação e a esperança de que o próprio Papa polaco o declarasse beato, durante sua viagem, em janeiro de 1998. Mas, não foi assim. “O fato de que no século XIX houvesse um sacerdote de grande caridade, que viveu na pobreza e em fidelidade à Igreja, mas com um pensamento de traços liberais e independentistas, era uma mescla nova, incomum tanto em Cuba como no restante da América Latina. Quase sempre, quando se falava de um padre patriota, interpretava-se que era um sacerdote indisciplinado. Se era santo, só podia ser conservador e monárquico na política”, lamenta o estudioso cubano. No entanto, com Francisco é outra história. “Acredito que se parece um pouco com Varela, um homem piedoso que conhece o valor da caridade, mas que também tem uma visão moderna que o faz intervir na política de maneira positiva, e mais, onde a intervenção política – tanto em Francisco como em Varela – não procede de um sentimento de parte e conservador; acredito que Francisco não conserva nada que não mereça ser conservado”.

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