27 Setembro 2022
As preocupações e frustrações de Francisco sobre a guerra na Ucrânia; sua próxima nomeação de novos chefes da Cúria Romana; e um momento tenso com seus críticos teológicos.
O comentário é de Robert Mickens, publicado por La Croix International, 24-09-2022. A tradução é de Wagner Fernandes de Azevedo.
Como todos sabem, o Papa Francisco tentou não tomar lado na sangrenta guerra na Ucrânia, que está agora em seu sétimo mês desde que a Rússia invadiu seu vizinho soberano em 24 de fevereiro passado.
A decisão do papa desde o início de nunca mencionar o nome do país invasor ou o homem que o lidera, Vladimir Putin, continua a frustrar e enfurecer muitas pessoas – especialmente os ucranianos, incluindo aqueles que são católicos.
Mas... dito isto, não há um único líder espiritual ou político no mundo que tenha sido tão implacável quanto Francisco em apelar pela paz e buscar (inutilmente até este ponto) uma maneira de acabar com o conflito sangrento.
Dificilmente se passa um dia em que o papa de 85 anos não levante a voz publicamente e com força em favor do “povo ucraniano martirizado” e denuncie a violência que está ocorrendo em seu país.
Ele fez um apelo especialmente comovente na última quarta-feira durante sua audiência geral na Praça São Pedro, relatando a conversa telefônica que teve um dia antes com o cardeal Konrad Krajewski, o esmoleiro papal que ele enviou à Ucrânia quatro vezes como enviado pessoal.
O veículo do cardeal polonês foi baleado alguns dias antes e ele foi forçado a correr e se proteger.
“Ele me contou sobre a dor desse povo, a selvageria, as monstruosidades, os cadáveres torturados que encontram”, disse o papa, relatando o telefonema recebido da Ucrânia. “Vamos nos unir a este povo tão nobre e martirizado”.
Não havia necessidade de ele mencionar os culpados pelo nome, já que todos entendem quem está tornando os ucranianos “mártires”.
Está claro que Francisco está extremamente preocupado que as coisas possam piorar muito no país invadido do Leste Europeu, especialmente com a mais recente ameaça de Putin de usar a opção nuclear.
Na mesma audiência geral – e, novamente, sem nunca mencionar os russos – ele disse que era “loucura” que “algumas pessoas estejam pensando em armas nucleares” agora.
Como já foi reconhecido, o papa quer desesperadamente ajudar a acabar com essa guerra insana e está disposto a fazer qualquer coisa, até mesmo se humilhar, para atingir esse objetivo.
Mas não há realmente nenhum papel para ele, exceto ser uma testemunha da paz e nos lembrar de algo que a maioria de nós não quer admitir – a humanidade nunca pode ser dividida em preto e branco, luz e escuridão, bem e mal, vencedores e perdedores.
Somos todos, como ele sugeriu em um discurso do Angelus em julho de 2014, um campo de joio e trigo – mesmo que não vejamos ou admitamos isso.
“Deus, no entanto, sabe esperar. Com paciência e misericórdia, contempla o campo da vida de cada pessoa; ele vê muito melhor do que nós a sujeira e o mal, mas também vê as sementes do bem e espera com confiança que elas cresçam. Deus é paciente, ele sabe esperar.”
Francisco está bem ciente de que cada pessoa, cada grupo (incluindo a Igreja) e cada nação contém elementos do mal e elementos do bem. E ele também pediu paciência e misericórdia mesmo em situações de desacordo amargo ou conflito brutal.
Ele sempre procurou encontrar soluções “ganha-ganha” para esses problemas, tanto quanto possível.
Mas muitos de nós, especialmente no chamado mundo desenvolvido, somos programados para competir e alcançar sucesso material e tangível. Gostamos de vencer, às vezes a todo custo. O “ganha-ganha” não nos atrai.
Um velho ditado esportivo diz que uma partida que termina empatada é como beijar sua irmã. Qual é o ponto?
Infelizmente, esse parece ser o pensamento predominante agora em relação à guerra na Ucrânia também. Ninguém parece querer que este conflito termine em empate. Tem que haver um vencedor claro. Mas a que custo?
Certamente, esta é a questão mais importante que agora pesa sobre o papa.
Francisco espera mudar o alto escalão da Cúria Romana
Um site de notícias em Portugal está relatando que, como muitos especularam, o Papa Francisco escolheu o cardeal José Tolentino de Mendonça para ser o primeiro prefeito do recém-criado Dicastério para a Educação e a Cultura. (Nota: a nomeação foi confirmada ontem, dia 26-09-2022.)
O novo dicastério foi criado na reforma da Cúria Romana. Combina dois antigos escritórios, a Congregação para a Educação Católica e o Pontifício Conselho para a Cultura.
Tolentino, um português de 56 anos, é atualmente o chefe da Biblioteca do Vaticano. O papa o chamou para Roma em 2018 e deu a ele o barrete vermelho um ano depois.
Mas há uma ressalva em sua nova missão: ela não foi anunciada oficialmente. Então, por enquanto ainda é apenas especulação.
No entanto, espera-se que o anúncio do novo prefeito para este dicastério – e prefeitos para vários outros – chegue no início da próxima semana.
Há uma longa lista de homens que atualmente dirigem dicastérios que já passaram da idade normal de aposentadoria de 75 anos e a maioria deles provavelmente será substituída.
São os seguintes cardeais:
→ Luis Ladaria, 78 anos, Doutrina da Fé
→ Leonardo Sandri, 78, Igrejas Orientais
→ Marc Ouellet, 78, Bispos
→ João Braz de Aviz, 75, Vida Consagrada
→ Kevin Farrell, 75, Leigos, Família e Vida
→ Giuseppe Versaldi, 79, Educação
→ Gianfranco Ravasi, 79, Cultura
→ Michael Czerny, 76, Desenvolvimento Humano Integral
→ Mauro Piacenza, 78, Penitenciaria Apostólica
→ Fernando Vérgez Alzaga, 77, Governadoria do Estado da Cidade do Vaticano.
Há vários funcionários nos cargos de segundo nível que também têm mais de 75 anos e também podem ser substituídos.
Mas... outra ressalva: alguns dos cavalheiros da lista acima só recentemente assumiram suas funções.
Por exemplo, Czerny foi oficialmente nomeado prefeito do escritório de desenvolvimento humano em abril passado, e Vérgez se tornou o “governador” da Cidade do Vaticano há cerca de um ano. Pareceria estranho se o papa os substituísse tão cedo.
Também será interessante ver se o papa mantém Farrell no comando dos Leigos, Família e Vida. O cardeal, que nasceu na Irlanda e se naturalizou cidadão americano depois de deixar os Legionários de Cristo, está no cargo desde 2016.
Mas desde então Francisco aumentou os deveres e a estatura de Farrell, tornando-o camerlengo em 2019 e, um ano depois, dando-lhe dois cargos extremamente importantes, supervisionando “assuntos reservados” e investimentos do Vaticano.
Se o papa alivia o cardeal de suas funções no Dicastério para a Família, Leigos e Vida, ele ousaria dar o cargo principal a um mero leigo? Em breve descobriremos.
O papa e os tomistas
Há certos intelectuais católicos (e pseudo-intelectuais) ligados à tradição neo-escolástica que sempre questionaram as credenciais teológicas do Papa Francisco, visto que ele é um daqueles raros padres jesuítas que nunca obtiveram doutorado.
O papa provavelmente não está muito preocupado com a crítica deles, dada a experiência negativa que teve com a escolástica quando fez sua formação teológica.
“Estudei no período da teologia decadente, da escolástica decadente, da era dos manuais”, confessou durante uma visita a Nápoles em 2019. Ele disse:
“Costumávamos brincar que todas as teses em teologia poderiam ser provadas pelo seguinte silogismo. Primeiro, as coisas aparecem assim. Em segundo lugar, o catolicismo está sempre certo. Terceiro, Ergo... Em outras palavras, uma teologia defensiva e apologética fechada em um manual. Costumávamos brincar com isso, mas era isso que nos apresentavam naquele período da escolástica decadente”.
Na mesma reunião, o papa repetiu sua conhecida aversão ao que ele chama de “teologia de laboratório”, que ele define como um tipo de intelectualismo desconectado da vida e das experiências reais das pessoas, chamando-a de “uma teologia pura, ‘destilada’ como água, que nada entende”.
Sem dúvida, pelo menos algumas das 350 pessoas que estiveram em Roma na semana passada para o 11º Congresso Tomista estavam familiarizadas com esse discurso.
E pode ter estado em suas mentes quando partiram da Universidade de São Tomás de Aquino, administrada pelos dominicanos (mais conhecida como “Angelicum”), onde o congresso foi realizado, e foram ao Vaticano para uma audiência privada com o papa.
Francisco tinha um texto preparado, mas deixou-o de lado e falou de improviso.
O ponto principal que ele queria que os tomistas entendessem foi capturado pela manchete que o Catholic News Service deu ao seu relatório sobre o encontro: “Honrem Tomás de Aquino, não o instrumentalizem, diz o papa”.
Ele então criticou aqueles que basicamente distorcem as palavras de Tomás para apoiar suas próprias ideias e ideologias.
“São Tomás foi uma luz para o pensamento da Igreja, e devemos defendê-lo de todos esses ‘reducionismos intelectualistas’ que aprisionam a grandeza de seu pensamento magistral”, disse o papa.
Ao terminar suas observações, ele disse: “E agora eu gostaria de dar-lhe a bênção e saudar aqueles que desejam ser saudados”.
Francisco, que sabe ler uma sala, deve ter percebido que nem todos os presentes na audiência estavam exatamente emocionados com o que ele tinha a dizer, e então acrescentou esta linha:
“Se há alguns que não querem me cumprimentar, eu não vou lhes forçar!”.
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A paciência do papa idoso é posta à prova - Instituto Humanitas Unisinos - IHU