Advento: um convite à conversão

Cristo carregando a cruz | El Greco | Foto: Reprodução

29 Novembro 2021

 

"Que os nossos olhos e os nossos corações estejam fixos na cruz de Cristo, porque assim como ele nos chama a despertar, Ele mesmo nos purifica e nos converte".

 

O comentário é de Patricia Fachin, jornalista, graduada e mestre em Filosofia pela Unisinos.

 

As duas festas centrais do cristianismo, celebradas anualmente, são indissociáveis e manifestam os mistérios de Cristo: sua encarnação no mundo, no Natal, e sua morte e ressureição na Páscoa. Essa realidade que para alguns é escândalo e, para outros, loucura, traz consigo um convite contínuo, reiterado e renovado incansavelmente em vários momentos do ano litúrgico: “Convertei-vos e crede no Evangelho”.

 

Ao comentar o início do Advento e do novo ano litúrgico nesta semana, Adroaldo Palaoro, padre jesuíta que semanalmente publica comentários do Evangelho na página eletrônica do Instituto Humanitas Unisinos - IHU, nos lembrou que as quatro semanas que antecedem o Natal "nos convidam a começar de novo, a nos renovar" e, mais do que isso: a leitura evangélica proposta para o início deste ano litúrgico "é um chamado a despertar".

 

Em sua reflexão, ele resumiu a essência da mística cristã: o encontro da alma com Cristo para que seja purificada e moldada por Ele a fim de chegar ao perfeito estado de união de amor com o Amado. O Advento - assim como o ano litúrgico -, pontuou, "nos oferece uma nova oportunidade para romper inércias, deixar para trás o que é caduco e explorar algo novo em nossas existências". É um convite à purificação da alma e ao desejo de uma existência que está além da nossa mera condição humana.

 

 

Por onde começar? Como viver segundo nos ensina o Evangelho? Algumas orientações podem ser encontradas em "A subida do Monte Carmelo: um guia para alcançar o mais alto cume da espiritualidade", do ex-aluno dos jesuítas, São João da Cruz, o Doctor Mysticus, fundador dos Carmelitas Descalços juntamente com Santa Teresa de Ávila:

 

"Primeiramente, tenha sempre a alma o desejo contínuo de imitar a Cristo em todas as coisas, conformando-se à sua vida, que deve meditar para saber imitá-la, e agir em todas as circunstâncias como ele próprio agiria.

 

Em segundo lugar, para bem poder fazer isto, se lhe for oferecida aos sentidos alguma coisa de agradável que não tenda exclusivamente para a honra e a glória de Deus, renuncie e prive-se dela pelo amor de Jesus Cristo, que, durante a vida, jamais teve outro gosto, nem outra coisa quis, senão fazer a vontade do Pai, a que chamava sua comida e manjar.

 

Por exemplo: se acha satisfação em ouvir coisas em que a glória de Deus não está interessada, rejeite esta satisfação e mortifique a vontade de ouvir. Se tem prazer em olhar objetos que não a levam a Deus, afaste este prazer e desvie os olhos. Igualmente nas conversações e em qualquer outra circunstância, deve fazer o mesmo. Em uma palavra, proceda deste modo, na medida do possível, em todas as operações dos sentidos; no caso de não ser possível, basta que a vontade não queira gozar desses atos que lhe vão na alma. Desta maneira, há de deixar logo mortificados e vazios de todo o gosto, e como às escuras. E, com este cuidado, em breve aproveitará muito.

 

 

 

Para mortificar e pacificar as quatro paixões naturais que são gozo, esperança, temor e dor, de cuja concórdia e harmonia nascem inumeráveis bens, trazendo à alma grande merecimento e muitas virtudes, o remédio universal é o seguinte:

 

Procure sempre inclinar-se não ao mais fácil, senão ao mais difícil. Não ao mais saboroso, senão ao mais insípido. Não ao mais agradável, senão ao mais desagradável. Não ao descanso, senão ao trabalho. Não ao consolo, mas à desolação. Não ao mais, senão ao menos. Não ao mais alto e precioso, senão ao mais baixo e desprezível. Não a querer algo, e, sim, a nada querer. Não a andar buscando o melhor das coisas temporais, mas o pior; enfim, desejando entrar, por amor de Cristo, na total desnudez, vazio e pobreza de tudo quanto há no mundo.

 

Abrace de coração essas práticas, procurando acostumar a vontade a elas. Porque, se de coração as exercitar, em pouco tempo acharás nelas grande deleite e consolo, procedendo com ordem e discrição".

 

 

Que os nossos olhos e os nossos corações estejam fixos na cruz de Cristo, porque assim como ele nos chama a despertar, Ele mesmo nos purifica e nos converte.

 

A Noite Escura da Alma (poema de São João da Cruz)

 

Em uma noite escura

De amor em vivas ânsias inflamada

Oh! Ditosa aventura!

Saí sem ser notada,

Estando já minha casa sossegada.

Na escuridão, segura,

Pela secreta escada, disfarçada,

Oh! Ditosa aventura!

Na escuridão, velada,

Estando já minha casa sossegada.

Em noite tão ditosa,

E num segredo em que ninguém me via,

Nem eu olhava coisa alguma,

Sem outra luz nem guia

Além da que no coração me ardia.

Essa luz me guiava,

Com mais clareza que a do meio-dia

Aonde me esperava

Quem eu bem conhecia,

Em lugar onde ninguém aparecia.

Oh! noite, que me guiaste,

Oh! noite, amável mais do que a alvorada

Oh! noite, que juntaste

Amado com amada,

Amada, já no amado transformada!

Em meu peito florido

Que, inteiro, para ele só guardava,

Quedou-se adormecido,

E eu, terna o regalava,

E dos cedros o leque o refrescava.

Da ameia a brisa amena,

Quando eu os seus cabelos afagava,

Com sua mão serena

Em meu colo soprava,

E meus sentidos todos transportava.

Esquecida, quedei-me,

O rosto reclinado sobre o Amado;

Tudo cessou. Deixei-me,

Largando meu cuidado,

Por entre as açucenas olvidado.

 

 

 

 

 

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