Como novo arcebispo da Filadélfia, Perez pode ser um grande legado do Papa Francisco

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28 Janeiro 2020

A nomeação do arcebispo Nelson Perez como 10º arcebispo da Filadélfia pegou a todos de surpresa. Ele havia sido apenas bispo de Cleveland durante 28 meses! Aos 58 anos de idade, essa é realmente a primeira nomeação-legado do Papa Francisco: Perez pode ser o líder da Igreja da Filadélfia por duas décadas.

O comentário é de Michael Sean Winters, publicado por National Catholic Reporter, 27-01-2020. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

Além disso, o fato de Perez ser padre da Filadélfia fez dele um candidato estranho a se tornar o arcebispo da cidade. Nenhuma diocese tem uma reputação mais pronunciada de clericalismo, e a sua tarefa é continuar a desmantelar essa cultura clerical. Talvez seja mais fácil alguém fazer isso a partir dentro.

Durante o seu sermão de posse em Cleveland, ele lembrou o que havia dito às pessoas da igreja quando se tornou pároco: “Não cometam o erro de fazer isso comigo”. Esse tipo de humildade é um bom antídoto ao clericalismo. Ele continuou dizendo: “Daqui a 50 anos, eu serei apenas uma foto na parede”.

Alguns amigos ficaram desapontados por Francisco não ter escolhido um ativista, alguém que fosse para a esquerda aquilo que o antecessor de Perez, o arcebispo Charles Chaput, foi para a direita. Mas pessoas que conhecem Perez me informaram que ele tem muito do estilo de Jorge Bergoglio, que é um grande pastor e absolutamente não um guerreiro cultural.

O mandato de Chaput na Filadélfia foi marcado por algumas decisões muito difíceis, principalmente o fechamento de paróquias e escolas, e o enfrentamento do legado de encobrimentos hierárquicos de abuso sexual que mancharam as carreiras dos seus antecessores. Perez terá outras decisões difíceis a tomar, mas eu dou crédito a Chaput pela sua gestão da diocese.

Minhas diferenças com Chaput estão relacionadas com a sua presença no cenário nacional e como protagonista das lutas intraeclesiais que emergiram com Francisco. Eu não tenho nenhuma alegria em chutar alguém para fora do palco enquanto ele está saindo, mas é preciso dizer: a Igreja nos Estados Unidos está em uma situação pior por causa da liderança de Chaput.

Chaput costumava escrever artigos que nenhum bispo deveria escrever, parecendo mais um comentarista político do que um pastor. Seu discurso de 2016 na Universidade de Notre Dame foi um excelente exemplo da sua abordagem de guerreiro cultural às questões em geral. Eu sempre achei que essa abordagem falha porque nunca convence ninguém e muitas vezes leva a decisões realmente ruins, como a decisão de Chaput, enquanto ainda estava em Denver, de barrar uma criança de uma escola católica porque seus pais eram LGBT.

Eu sempre tive a sensação de que ele estava procurando uma briga. Como muitos dos seus irmãos bispos nos EUA, ele confundia apologética e evangelização, e, em uma época em que a maioria das pessoas questiona as instituições, Chaput fez parecer que ele tinha as respostas. É desnecessário dizer que o êxodo dos bancos das igrejas continuou.

Foi ultrajante quando ele “atestou a integridade do arcebispo Viganò” ao jornal The New York Times, quando o ex-núncio atacou Francisco e pediu a sua renúncia. Ele pediu que Francisco cancelasse o Sínodo de 2018 sobre a juventude e elogiou uma crítica míope do Instrumentum laboris que, como eu escrevi na época, era o equivalente teológico a um péssimo turista estadunidense que visita Paris e se queixa de que os garçons não falam inglês corretamente. As diretrizes que ele emitiu para implementar a Amoris laetitia eram ridículas. Eu não derramei nenhuma lágrima ao ver esse prelado saindo do cenário nacional.

Eu prevejo que uma voz muito diferente virá do novo arcebispo da Filadélfia. Não acho que ele se tornará um guerreiro cultural da esquerda, mas também não acho que é isso que Francisco quer. Em um importante artigo desta semana na revista La Civiltà Cattolica, o padre jesuíta Antonio Spadaro descreve a visão de Francisco sobre como a Igreja deve se envolver com a ordem política. Existem algumas passagens fascinantes. Por exemplo:

“Mas essa aceitação [dos pequenos passos, dos processos, da autoridade mundana, dos colóquios, das negociações, dos tempos longos, das mediações] se fundamenta na consciência de que o mundo não está dividido entre bem e mal, entre os bons e os maus. A escolha não é o discernimento das forças (partidárias, políticas, militares...) com as quais se deve aliar e se apoiar para que o bem triunfe. Essa aceitação da conversa diplomática se fundamenta na certeza de que não se dá a este mundo o império do bem. Por isso, é preciso dialogar com todos. O poder mundano é definitivamente dessacralizado. Se quem atua como político é chamado a se tornar ‘santo’ precisamente atuando como político, agindo pelo bem comum, por outro lado, nenhum poder político é ‘sagrado’.”

Os guerreiros culturais começam com a premissa de que o mundo está dividido entre bem e mal e, inevitavelmente, acabam se comprometendo politicamente. De que outra forma descrever a presença do presidente Donald Trump no comício pró-vida da semana passada, exceto como comprometido?

Em uma seção intitulada “Contra a tentação do catolicismo tribal”, Spadaro escreve:

“A energia que leva a frear a queda do mundo no abismo, portanto, não leva o pontífice ao compromisso com os poderes. Esse é o ponto mais delicado do raciocínio, porque às vezes a Igreja crê que o único modo de poder frear a decadência é o de se aliar a um partido político que permita a sua sobrevivência como agência de sentido. Muitas vezes, esse foi o drama da nossa Itália. E as nostalgias ainda não foram embora. Bergoglio, por sua vez, não acredita nesse poder do poder. O sagrado nunca é o suporte do poder. O poder nunca é o suporte do sagrado.”

Novamente, a resposta aos guerreiros culturais da direita não é um alinhamento de guerreiros culturais da esquerda. A resposta é conceber novamente o que entendemos por poder. É a capacidade de fazer outras pessoas viverem como pensamos que elas deveriam viver? Ou o poder é a capacidade de confiar na providência de Deus, convencidos de que Ele realmente é o Senhor de todos, de olhar para as situações e os enigmas com os olhos de um Cristo misericordioso?

Se a visão de Francisco se sustentar, isso será ruim para os negócios. Os colunistas prosperam sobre o conflito e o fracasso. Nunca é notícia que o trem chegou na hora. Mas o que considero notável é o seguinte: há quase sete anos desse pontificado, ele ainda está nos desafiando de um modo provocativo, original e, o mais importante, que toca profundamente – tão profundo quanto os relatos do Evangelho sobre a manhã de Páscoa.

Eu espero que o novo arcebispo da Filadélfia seja um defensor de Francisco e ajude a comunicar o ponto de vista do Santo Padre. Chega de inverno na Igreja. Precisamos de uma primavera e podemos sentir que isso pode estar ao alcance das nossas mãos, basta as nossas lideranças nos ajudarem a agarrá-la.

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