'Não vamos deixar que nos roubem a esperança. Para iniciar o nosso caminho sinodal'

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23 Julho 2021

 

"Pior do que esta crise, há apenas o drama de desperdiçá-la". O bispo de Rimini Francesco Lambiasi cita o Papa Bergoglio em sua recente carta pastoral: “Não vamos deixar que nos roubem a esperança. Para iniciar o nosso caminho sinodal”, na qual reflete sobre o quanto a situação pandêmica pode ter afetado a esperança cristã.

 

A reportagem é de Bruno Scapin, publicada por Settimana News, 22-07-2021. A tradução é de Luisa Rabolini.

 

Precisamente porque "a pandemia abriu rachaduras de urgência, descortinou vislumbres de emergências arriscadas, alargou brechas de perguntas, fez sentir a mordida de desorientações devastadoras", é necessário reagir ativando "uma esperança bem fundada e concreta, confiável e compartilhável".

Isso é o que Mons. Lambiasi se propõe a fazer com esta carta ágil e eficaz, desenvolvida por pontos que facilitam a leitura e memorização.

 

Em primeiro lugar, é necessário limpar a área de três tentações contra a esperança:

– o pessimismo estéril, que se expressa dizendo “Somos poucos, cada vez menos, ainda mais cansados, ainda mais desanimados. E com as igrejas ainda mais vazias”. O bispo chama essa atitude de “síndrome dos ‘ex-combatentes’”, isto é, daqueles que, acostumados com uma Igreja militante, se descobrem em uma Igreja ‘hospital de campanha’ bombardeada e desgastada”. Para eles, Mons. Lambiase responde citando um trecho do livro Il filo infinito de Giorgio Rumiz: “Acontece muitas vezes que a esperança dê o seu melhor brotando do seu contrário: o desespero”.

– a nostalgia do passado, ou seja, a convicção de que “antigamente tudo era melhor e a Igreja funcionava melhor”. Mas é mesmo verdade - pergunta o prelado - que tudo o que brilhava era ouro? Certamente a grande Tradição deve ser preservada e valorizada, “mas não com a atitude obstinada de quem a confunde com as tradições e insiste em querer preservar as cinzas do passado”. E lança uma mensagem provocativa referindo-se ao Evangelho: “Se o 'Inimigo' semeou o joio, de onde vem então o trigo bom”?

– o medo do futuro, ou seja, a tentação do tudo e agora, do afã e da impaciência. É fácil, diante do vento da mudança, deixar-se dominar pela ansiedade, isto é, agir como se tudo dependesse de nós. O bispo alerta que essa atitude muitas vezes se resolve em um "bloqueio total", ao passo que devemos ter "a certeza serena de que Deus cumpre suas promessas". Assim como é fácil deixar-se levar pela impaciência de quem não sabe esperar, de quem quer "sinais fabulosos, surpreendentes, que despertam audiências e aplausos oceânicos", ao contrário de Maria de Nazaré que reconhece a ação de Deus em sua vida como humilde servidora.

 

As boas novas

O bispo contrapõe a essas tentações quatro boas novas:

1. Deus já venceu a morte e nós podemos esperar por um único motivo: "porque o Crucificado ressuscitou". Nossa esperança "repousa sobre um fato firme como uma rocha: Jesus de Nazaré". Se Ele ressuscitou, “a dor não é a última palavra da minha vida, mas apenas a penúltima”. E ele ressuscitou para estar sempre conosco. "Ele não se tornou um fugitivo dos dias incertos, inquietos e dolorosos em que temos que viver aqui embaixo".

2. O Espírito Santo não evaporou, porque o Pentecostes é permanente e atual. E “o santo Consolador intervém de maneira muito especial quando, em nosso caminho, nos deparamos com o terrível obstáculo da tribulação”. Aliás, é precisamente "a tribulação que, graças à obra do Espírito, gera a esperança".

3. Pandemia: uma dura lição a não ser desperdiçada. Se perdemos o gosto pela fraternidade, o Covid nos lembrou que "a comunidade mundial está navegando no mesmo barco". Daí o desejo do bispo: “Queira o céu que no final não haja mais 'os outros', mas apenas um 'nós'. Já não é mais o tempo do ‘salve-se quem puder’, porque “o ‘salve-se quem puder’ se traduzirá rapidamente no ‘todos contra todos’”.

Claro que não faltaram sinais de esperança: “A recente pandemia permitiu-nos recuperar e valorizar muitos companheiros e companheiras de viagem que, no medo, reagiram doando a própria vida”.

4. Evangelizar deve-se e pode-se. “A Igreja do futuro e o futuro da Igreja é a evangelização”.

 

Com estes dez traços característicos:

1. A mensagem a ser anunciada não é uma mini-enciclopédia de verdades religiosas ou um livrão de preceitos morais. É a notícia bela, boa e beatificante do encontro com um acontecimento, com a pessoa de Jesus Cristo morto e ressuscitado.

2. O objetivo da missão não é a "colonização", a doutrinação das pessoas, mas a salvação de cada um dos seres humanos.

3. O sujeito da evangelização não são apenas os padres, freis e religiosas, mas todo o povo de Deus. Todos os discípulos de Jesus, se forem verdadeiramente fiéis, são também evangelizadores.

4. O estilo dos missionários não é marcado pela devoção piedosa à deusa da reclamação, nem por um rosto fúnebre ou um proselitismo pegajoso, mas pela alegria do evangelho e pelo amor a Jesus e aos pobres.

5. O método: o evangelho deve ser anunciado de pessoa a pessoa, com "fatos do evangelho", ou seja, com o testemunho de uma vida de fiel e credível.

6. As tentações dos evangelizadores são múltiplas: individualismo, pessimismo estéril, mundanismo pastoral, neopelagianismo, neognosticismo, guerra entre nós.

7. As escolhas irrenunciáveis são uma série de sim: às novas relações geradas por Jesus Cristo, à força missionária, à esperança, ao ser comunidade, ao amor fraterno.

8. Os desafios inevitáveis são representados sobretudo pelos pobres, os leigos, especialmente as mulheres e os jovens.

9. Existem três âmbitos da missão: o âmbito da pastoral ordinária, que inclui tanto os fiéis que frequentam regularmente, como os fiéis que não participam regularmente do culto. O segundo âmbito abrange as pessoas batizadas que, no entanto, não vivem as exigências do batismo. Por fim, o terceiro âmbito inclui aqueles que ainda não encontraram Jesus Cristo.

10. Os meios para uma evangelização fecunda e eficaz são a graça de Deus, a palavra do Senhor, a pertença à comunidade cristã, a Eucaristia, a oração, a piedade popular e em especial a piedade mariana.

 

Um pequeno decálogo

Monsenhor Lambiasi traça outro pequeno decálogo para uma conversão missionária das comunidades cristãs.

– Qual é a finalidade para a qual existe uma igreja e uma comunidade cristã no bairro ou no distrito? Para que quem chegar possa encontrar Jesus de Nazaré. Um lugar, portanto, em que "não se brinca de cristãos", mas onde existe uma paixão por Jesus.

Jesus não é um personagem do passado, mas está vivo e pode ser encontrado, tocado, comido. Ele precisa de amigos "contagiosos". Não pessoas “perfeitas”, mas simples e honestas, felizes por viver e por serem cristãs.

– É necessário passar da pastoral dos praticantes à pastoral dos crentes. Como? Não se amontoando em torno da torre do sino, mas frequentando as ruas do mundo. Mas não cabe apenas ao padre. Junto com o pároco, os leigos adultos na fé devem servir de ponte entre a paróquia e “aqueles de fora".

– Cada comunidade cristã deveria ter pelo menos quatro sinais vitais, a saber, um sinal de caridade (por exemplo, uma casa-família), uma escola de religião para crianças e jovens, convivência e acampamentos escolares para jovens e famílias e uma "escola" de oração.

– Tal como na família, também na paróquia o clima que se vive é o primeiro cartão de visita. Percebe-se imediatamente se há harmonia ou tensão, alegria ou luta contínua, se há estima mútua, se as relações fraternas vêm antes da organização.

– E o problema das igrejas que estão se esvaziando? Fala-se que a pandemia reduziu pela metade a frequência. Aqui o bispo cita Alberto Marvelli: “Quando os homens souberem encontrar Cristo na rua, também encontrarão novamente a Igreja”.

– “A Eucaristia dominical ou faz arder o coração ou não é a Eucaristia”. E o coração arde quando se celebra com fé e com verdadeira participação, prestando atenção ao acolhimento, aos ministérios, ao canto, às leituras, às pausas de silêncio ...

– E a homilia? Segundo o Papa Francisco, é "o padrão" para avaliar a proximidade e a capacidade de encontro de um pastor com o seu povo", tanto que quem não se prepara é "desonesto e irresponsável".

– O Evangelho se transmite por contágio. Torna-se eficaz se nasce do ardor e da paixão por Jesus.

– Para fazer um discernimento correto, é necessário "não rejeitar a profecia dos irmãos e das irmãs, não desqualificar quem questiona, não apontar continuamente os erros dos outros". E, depois de feito o discernimento, é preciso tomar decisões claras e corajosas, porque “nada mais imprudente do que a excessiva prudência”.

 

A caminho rumo ao sínodo

A última parte da carta pastoral concentra-se no planejado Sínodo da Igreja italiana. Não deve ser um cumprimento formal, porque "está em jogo a própria forma de Igreja para a qual o Espírito nos chama essencialmente para este tempo". O Sínodo tem a tarefa de tornar as Igrejas na Itália credíveis e confiáveis.

Pelo sucesso do Sínodo é preciso pôr em campo o primado da pessoa sobre as estruturas, o diálogo entre as gerações, a corresponsabilidade de todos os sujeitos eclesiais, a harmonização dos recursos das diversas comunidades, a coragem de superar o “sempre se fez assim”, o serviço à humanidade em sua totalidade.

Devemos cuidar de um “nós” eclesial, inclusivo, que possa viver plenamente a dinâmica de uma Igreja “povo de Deus”, de uma Igreja que vai para as periferias, de uma Igreja e “reconciliada” consigo mesma e capaz de se reconciliar com o mundo.

 

A rota está traçada. Boa viagem, Igreja de Rimini!

 

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