Após as eleições legislativas, existem duas Igrejas Católicas nos EUA?

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09 Novembro 2018

A noite da eleição é sempre como um bufê livre para viciados políticos e, inevitavelmente, produz um tipo de ironias sobre fatos que ocorrem “só nos Estados Unidos” e que você simplesmente não consegue prever: essa quarta-feira à noite, por exemplo, nos ofereceu um dono de bordel que faleceu duas semanas antes da votação, mas que, mesmo assim, conseguiu ser eleito para a assembleia estadual de Nevada.

A reportagem é de John L. Allen Jr., publicada por Crux, 08-11-2018. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

Para os católicos, a noite das eleições também é uma rara oportunidade para fazer um raio-X do posicionamento político da população católica.

A análise preliminar dos dados eleitorais após as eleições legislativas de 2018, que deram aos democratas o controle da Câmara, mas que também deram mais força aos republicanos no Senado, leva a duas conclusões claras sobre o voto católico.

Primeiro, em geral, os católicos estadunidenses são um reflexo preciso das divisões políticas gerais dos Estados Unidos.

O total nacional de votos católicos, de acordo com uma boca-de-urna realizada pelo National Opinion Research Center da Universidade de Chicago para a Fox News e a Associated Press, constatou uma divisão entre 50% para os democratas e 49% para os republicanos. Essa é uma clara mudança em relação à disputa de 2014, quando os católicos votaram majoritariamente nos republicanos (54% contra 45%), e de 2010, que teve basicamente o mesmo resultado.

Uma mudança de 10 pontos de um ciclo eleitoral ao próximo certamente diz algo sobre o novo visual da Igreja nos Estados Unidos.

Em termos da situação geral estadunidense, pela primeira vez em um século, há apenas um Estado no país onde a legislatura está dividida entre os dois partidos (Minnesota.)

Basicamente, os Estados democratas estão ficando mais democratas, e os Estados republicanos, mais republicanos. Trump e os republicanos mostraram que ainda são uma força nas áreas rurais, particularmente no Sul e no Oeste montanhoso, enquanto os democratas cimentaram sua força em áreas urbanas e suburbanas.

Em segundo lugar, há uma lacuna cada vez mais significativa entre os católicos brancos nos Estados Unidos e todos os outros.

Os católicos brancos, de acordo com os dados da Associated Press, somaram 56% a 41% dos votos nos candidatos republicanos, e a diferença de seis pontos entre o total de católicos e os católicos brancos é explicada por uma votação fortemente democrata entre grupos latinos, afro-americanos e outros grupos católicos minoritários.

Há mais que poderia ser dito em termos da contribuição religiosa para a disputa de 2018.

Por um lado, a parcela católica da votação geral subiu dois pontos desde 2014, de 24% para 26%. Isso provavelmente reflete o maior registro de eleitores latino-americanos e o comparecimento às principais disputas.

Talvez a maior mudança religiosa, notada por Mark Silk, no Religion News Service, tenha sido entre os judeus estadunidenses, que somaram 2/3 dos votos para os democratas em 2014, mas 4/5 desta vez – o que sugere que o ardente abraço de Israel pelo presidente Donald Trump não compensou as tendências geralmente progressistas entre os eleitores judeus em outras frentes.

Além disso, os resultados confirmam que a divisão entre republicanos e democratas se correlaciona com a frequência com que os estadunidenses dizem que vão à igreja.

No geral, 63% dos estadunidenses que dizem que “nunca” frequentam serviços religiosos votaram nos democratas, enquanto 51% dos que dizem ir algumas vezes por mês e 61% dos que dizem ir uma vez por semana ou mais apoiaram os republicanos. Em geral, 57% dos que vão à igreja pelo menos uma vez por mês votaram nos republicanos, enquanto 56% dos que vão menos frequentemente votaram nos democratas.

Há também o fato de que aqueles que dizem não ter filiação religiosa continuam crescendo como parcela do eleitorado. Dezessete por cento dos eleitores não tinham filiação desta vez, acima dos 12% em 2014 e em 2010.

No entanto, se você for um bispo católico se preparando para ir para Baltimore para a reunião plenária anual da Conferência dos Bispos dos Estados Unidos – onde a discussão, sem dúvida, estará intensamente focada nos escândalos de abuso sexual clerical, mas que geralmente também funciona como um momento de avaliação após uma eleição – o que pode estar em sua mente, olhando para esses dados?

O primeiro elemento, mais óbvio, é que os católicos estadunidenses estão divididos igualmente entre democratas e republicanos, embora a previsão em longo prazo possa ser de uma ligeira vantagem democrata, já que a parcela latina dos votos católicos continua se expandindo.

Essa divisão não é necessariamente algo ruim, aliás. Ela sugere que o catolicismo estadunidense ainda não se identificou ideologicamente apenas com um lado ou com outro, como aconteceu com a maioria das outras tradições religiosas principais. A Igreja Católica, nesse sentido, provavelmente é o único corpo religioso no país que pode reivindicar com credibilidade que abraça praticamente todos dentro de suas fileiras.

Se algum grupo religioso nos Estados Unidos pretende liderar uma reflexão séria sobre como superar a polarização e a disfunção na vida nacional, isso deve ser feito pelo catolicismo, ou por ninguém mais.

Um lugar para se começar é com a declaração regular dos bispos sobre a vida política, Faithful Citizenship [Cidadania fiel], que os críticos veem agora como fortemente orientada a questões específicas e extremamente leve em relação àquilo que significa viver com polaridade.

Em segundo lugar, os dados também confirmam uma clara divisão entre os católicos brancos e todos os outros, mas principalmente com o florescente círculo eleitoral católico hispânico.

Com efeito, o que os dados da eleição mostram é um retrato de dois Estados Unidos católicos, um predominantemente branco, rico e republicano, e outro majoritariamente latino (com importantes bolsões de afro-americanos, asiático-americanos e imigrantes recentes de lugares como a África e o Oriente Médio), muitas vezes pobres e democratas.

Em outras palavras, é o contraste entre um catolicismo de colarinho branco e um catolicismo de colarinho azul. A oscilação entre esses dois polos tem sido a história do “voto católico” nos Estados Unidos, e, neste momento, o pêndulo parece estar voltando a girar na direção do colarinho azul.

Parece que estamos nos tornando duas Igrejas nos Estados Unidos – uma, dos condomínios fechados, conservadora e decadente; a outra, da classe trabalhadora e das minorias, geralmente progressista.

Sob qualquer circunstância, tal fissura no coração da Igreja seria algo a se considerar, mas, em um ambiente político cada vez mais tóxico e acrimonioso, provavelmente seja algo que os bispos vão querer ponderar – ou, pelo menos, assim se pensaria.

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