A penitência segundo o Vaticano II: uma resposta a Dom Agostino Marchetto. Artigo de Andrea Grillo

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31 Julho 2019

“O centro do sacramento da penitência é a cura do cristão que entrou em crise por causa do pecado. O centro não é o perdão (que o quarto sacramento tem em comum com os sacramentos da iniciação), mas sim a resposta do coração, da boca e do corpo do pecador arrependido.”

A opinião é do teólogo italiano Andrea Grillo, professor do Pontifício Ateneu Santo Anselmo, em Roma, do Instituto Teológico Marchigiano, em Ancona, e do Instituto de Liturgia Pastoral da Abadia de Santa Justina, em Pádua. O artigo foi publicado por Come Se Non, 30-07-2019. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

Eis o texto.

Depois da minha intervenção em diálogo com Ladislas Orsy e a sua concepção do “futuro da penitência”, Dom Agostino Marchetto interveio no blog Il Sismografo para tomar distância de ambos os interlocutores. As suas perplexidades, que dizem respeito às perspectivas de avanço da reforma conciliar do quarto sacramento e que não são esclarecidas de modo muito difuso, concentram-se em uma pergunta final, que é assim formulada:

“... perguntando com respeito, mas com franqueza, tal argumentação ainda está na linha da justa hermenêutica conciliar, aquela ‘não da ruptura e da descontinuidade, mas da reforma e da renovação na continuidade do único sujeito Igreja’?”

Na opinião de Marchetto, os dois autores – tanto Orsy quanto este que escreve – teriam excedido o limite de uma “hermenêutica correta” do Concílio e teriam caído fora daquilo que é legítimo e correto.

Obviamente, só posso responder sobre aquilo que diz respeito a mim, mas aceito a pergunta de Dom Marchetto e tento esclarecer melhor por que eu me sinto totalmente de acordo com Orsy quando ele considera insuficiente a reforma do rito da penitência, mesmo que discorde dele pela proposta concreta de “avanço”.

Eis, portanto, a minha resposta, que eu formulo de acordo com quatro teses, às quais acrescento uma explicação adequada:

1) A tarefa doutrinal é parte da herança conciliar, também no que diz respeito à penitência.

Como o Concílio Vaticano II não pode ser confundido com uma geladeira, que conserva práticas e doutrinas eclesiais inalteradas, mas foi caracterizado pela “natureza” pastoral, em que a antiga doutrina é esclarecida mediante “reformulações do revestimento”, acredito que a fraqueza da objeção levantada por Marchetto depende de uma leitura superficial demais do texto conciliar.

De fato, quando o Concílio diz, como Marchetto recorda com razão, “revejam-se o rito e as fórmulas da Penitência de modo que exprimam com mais clareza a natureza e o efeito do sacramento” (SC 72), essa expressão implica uma elaboração da natureza e do efeito do sacramento que não pode ser resolvida, em caso algum, simplesmente com o método histórico.

Como dizia Romano Guardini, o historiador nos diz o que foi, mas só o teólogo sistemático pode nos dizer o que deve ser. O Concílio, assumindo a perspectiva pastoral, pede à teologia uma reflexão profunda, audaz e paciente sobre o desenvolvimento histórico e sobre a definição da essência do quarto sacramento;

2) As formas históricas do sacramento, que mudaram muito profundamente, também permitem ler a tradição atual de modo dinâmico.

A história do sacramento da confissão encontrou formas de implementação diferentes de tempos em tempos. O confessionário nasceu apenas no século XVI, o ato de dor substituiu a contrição, um certo número de orações substituiu a penitência... tudo isso foi possível, eficaz, mas não é absolutamente necessário.

Por isso, a identificação de novos equilíbrios entre os atos do penitente e a sua expressão eclesial e pessoal faz parte daquilo que a Igreja é obrigada a ouvir dos teólogos e dos pastores. Suspeitar que isso seja uma “hermenêutica da ruptura” não honra nem os historiadores nem os teólogos;

3) O centro do sacramento é a cura do cristão que entrou em crise por causa do pecado. O centro não é o perdão (que o quarto sacramento tem em comum com os sacramentos da iniciação), mas sim a resposta do coração, da boca e do corpo do pecador arrependido.

Essa afirmação depende não só do Concílio Vaticano II, mas também e talvez sobretudo do Concílio de Trento que estabeleceu de modo fundamental a impossibilidade de considerar todos os sacramentos “com a mesma dignidade”. A experiência do perdão, no cristão, nasce e se fortalece no contexto batismal e eucarístico. Quando entra em crise, ele encontra no “processo penitencial” do quarto sacramento o lugar seguro para recuperar a relação com Deus e com o próximo.

O significado hoje para a Igreja de redescobrir essa grande e antiga verdade implica uma reelaboração da tradição, uma “tradução da tradição” que exige grande lucidez e coragem, e que não pode se limitar a alguns retoques do sistema penitencial tridentino.

4) Uma hermenêutica da reforma na continuidade implica, inevitavelmente, significativas descontinuidades.

A recuperação de uma colocação do quarto sacramento na “patologia eclesial” – e não na sua fisiologia – é fruto da grande redescoberta da iniciação cristã. Isso exige, hoje, um caminho corajoso de reavaliação do processo eclesial de recuperação da comunhão, no qual as variáveis do espaço e do tempo devem ser cuidadosamente revistas.

O confessionário como lugar e a brevidade burocrática da confissão devem ser traduzidos em termos novos. Só assim seremos fiéis não apenas à tradição, mas também àquele grande evento que foi o Concílio Vaticano II, cujo significado nunca pode prescindir do aprofundamento rigoroso das noções sistemáticas que estão envolvidas em todos os projetos de reforma.

Sem tal aprofundamento, transformaremos um concílio em um freezer, que é um instrumento adequado para um museu, mas nunca para um jardim.

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