Como acabar com as hostilidades entre católicos polarizados. Artigo de Massimo Faggioli

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17 Abril 2018

Debates e encontros públicos entre representantes dos catolicismos “liberal” e “conservador” são um começo necessário – mas apenas um começo.

A opinião é do historiador italiano Massimo Faggioli, professor de Teologia e Estudos Religiosos na Villanova University, Estados Unidos. O professor Faggioli estará presente no XVIII Simpósio Internacional IHU. A virada profética de Francisco. Possibilidades e limites para o futuro da Igreja no mundo contemporâneo, que ocorrerá nos dias 21 a 24 de maio de 2018, na Unisinos Porto Alegre. O historiador ministrará as seguintes conferências: O Papa Francisco na história papal do século passado e a periodização do seu pontificado, dia 22 de maio, terça-feira, às 9h; e A universalidade e o (não)lugar político da Igreja no mundo de hoje, dia 23 de maio, quarta-feira, às 11h.

O artigo foi publicado por La Croix International, 16-04-2018. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

Eis o artigo.

O primeiro passo para resolver um problema é reconhecer que ele existe.

A Igreja Católica tomou conhecimento das profundas divisões entre os fiéis em alguns países, como as dos Estados Unidos, que desempenham um papel particular no catolicismo global.

Não é coincidência que essas divisões tenham se tornado ainda mais visíveis na transição entre Bento XVI e o Papa Francisco – que não foi apenas uma mudança de pontificados, mas também uma mudança de era.

As divisões dentro do catolicismo não são um fenômeno novo, mas se tornaram mais visíveis na era das novas mídias, que ajudaram a redefinir os alinhamentos entre orientações teológicas (liberal, conservadora e tradicionalista) em relação ao bispo de Roma.

Parece seguro dizer que a segregação eclesial de católicos sob o mesmo teto não desaparecerá tão cedo. As características visíveis e invisíveis dessa divisão são impulsionadas não apenas por fatores teológicos, mas também – e principalmente – por fatores políticos.

Nos Estados Unidos, que tem estado no centro desse fenômeno nos últimos anos, foram organizados eventos para tentar diagnosticar a doença. Por exemplo, a Universidade de Notre Dame realizou um congresso sobre a polarização na Igreja em 2015, e a Georgetown University prepara-se para realizar outro congresso em seu campus na capital do país no início de junho.

Esses eventos são sinais positivos e encorajadores. Mas a verdadeira questão é se poderemos ter um armistício ou simplesmente um cessar-fogo.

As divisões entre os católicos estadunidenses são um espetáculo à parte das “guerras culturais”, e tenho medo de que os recentes esforços para preencher a lacuna entre as várias facções possam ser pouco mais do que um cessar-fogo.

O que mais se poderia dizer quando o arcebispo encarregado de elaborar diretrizes para a implementação da Amoris Laetitia na Igreja nos Estados Unidos, um dos mais importantes do catolicismo global, ajuda um proeminente autor católico a promover um novo livro que acusa o Papa Francisco de travar uma guerra civil na Igreja, chegando quase a chamar o papa de herege?

Certamente precisamos de um cessar-fogo. Um armistício completo exigiria que as várias facções católicas entregassem suas armas das mídias sociais, algo que provavelmente não acontecerá. Nesse sentido, vivemos mais em uma Igreja do Vaticano I do que em uma Igreja do Vaticano II.

Em seu último livro, Vatican I: The Council and the Making of the Ultramontane Church [Vaticano I: o Concílio e a construção da Igreja ultramontana], o aclamado historiador jesuíta John O’Malley tem um capítulo sobre como a mídia (os jornais) ajudaram a impulsionar a agenda ultramontana durante o Concílio Vaticano I.

“O Vaticano I, portanto, tornou-se o primeiro concílio em que a opinião pública teve um impacto significativo em sua dinâmica”, escreve O’Malley.

Ele observa que um dos ultramontanistas mais importantes, o jornalista Louis Veuillot (1813-1883) da agora extinta publicação francesa L’Univers, “era, assim como outros ultramontanos ardentes, um leigo e um convertido. Também como muitos deles, ele não tinha a menor formação formal em teologia”.

No século XIX, o ultramontanismo também era uma descrição geográfica daqueles católicos que davam uma grande ênfase aos poderes do papa. Aqueles católicos superrpapalistas que tinham seus olhares e ouvidos fixos em Roma estavam “ultra montes”, além das montanhas, isto é, além dos Alpes.

Na nossa Igreja globalizada, as raízes intelectuais do ultramontanismo, assim como sua geolocalização, devem ser reavaliadas.

Aqueles que estão preocupados com a atual situação eclesial precisam prestar atenção às novas linhas de falha entre as diversas facções do catolicismo. As divisões, tradicionalmente políticas e culturais, também se espalharam para os níveis teológico e litúrgico.

Organizar eventos onde culturas do catolicismo diferentes podem se engajar no discurso civil para conhecer e entender melhor umas às outras é certamente necessário.

Tirar a violência verbal da equação é o primeiro passo – não apenas rumo à santidade, como o Papa Francisco escreveu em sua recente exortação Gaudete et exsultate (par. 115), mas também para criar um ambiente eclesial mais saudável.

Mas precisamos acrescentar mais alguma coisa à equação.

O diálogo cultural e teológico não pode substituir a ação comum. Curar as feridas das guerras culturais exige que nos lembremos daquilo que os cristãos divididos aprenderam com as duas Guerras Mundiais – que o ecumenismo envolve não apenas o diálogo teológico ( e Ordem), mas também a cooperação concreta entre as várias denominações (Vida e Obra).

A dura realidade das divisões requer um esforço de longo prazo do ecumenismo intracatólico. As lideranças institucionais da Igreja – especialmente os bispos – devem liderar esse esforço. Diferentes dimensões da vida cristã – doutrina, vida e culto – terão que ser abordadas.

Debates e encontros públicos entre representantes dos catolicismos “liberal” e “conservador” são um começo necessário. Mas são apenas um começo.

Como disse o teólogo queniano Agbonkhianmeghe Orobator SJ (presidente da Conferência dos Superiores Maiores Jesuítas da África e Madagascar) durante uma recente palestra na Villanova University, “as pessoas que comem juntas não comem umas às outras”.

Provavelmente entramos em uma nova fase da história do catolicismo moderno, marcada por contradições e paradoxos.

O século XIX foi o século da Igreja das missões, assim como o colonialismo apoiado pelas nações cristãs.

O século XX foi o século do ecumenismo, mas também da profunda secularização naqueles países onde o ecumenismo começou.

O século XXI está emergindo como o século da Igreja da globalização, mas, em alguns contextos culturais, ele também terá que ser o século do ecumenismo intracatólico – a globalização católica e seu descontentamento.

O pontificado de Francisco e as reações ao seu apelo evangélico – ao Evangelho sine glossa, isto é, sem muita mediação institucional – mostraram que o verdadeiro desafio é mais do que reformar a instituição.

Nas palavras do teólogo italiano Giuseppe Ruggieri, é “a reapropriação da Igreja como uma experiência de fraternidade e sororidade”.

Certamente, há uma série de reformas institucionais urgentes que precisam ser implementadas mais cedo ou mais tarde. Mas o descontentamento da globalização católica tem mais a ver com um senso fraturado da Igreja do que com a reforma das estruturas.

Caso contrário, os católicos continuarão vivendo em facções separadas, mas debaixo de um telhado reformado.

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