Por: André | 01 Julho 2015
O desafio de Alexis Tsipras é gigantesco. O melhor para ele seria encarnar um Néstor Kirchner grego, o presidente da renegociação da dívida e da recuperação da economia. Um papel difícil, mas interessante. O problema é que Cronos, deus grego do tempo, fê-lo chegar ao governo no pior momento. É primeiro-ministro desde o dia 26 de janeiro deste ano. Posto em termos argentinos, Tsipras deveria encarnar simultaneamente os presidentes Adolfo Rodríguez Saá, Eduardo Duhalde e Néstor Kirchner. Não tem pela frente apenas a encruzilhada da retomada política e produtiva de seu país. Enfrenta os dilemas do calote e da desvalorização.
A reportagem é de Martín Granovsky e publicada por Página/12, 30-06-2015. A tradução é de André Langer.
Quando Kirchner começou a negociar a dívida, com frequência os banqueiros perguntaram sua opinião sobre o calote. “Eu não provoquei o calote”, respondia. Também costumava ser perguntado sobre a megadesvalorização e a pesificação assimétrica de Duhalde. A resposta era a mesma que no caso anterior: “Nenhuma destas decisões fui eu quem tomou”. Kirchner herdou uma Argentina mergulhada na crise política e com um desemprego de dois dígitos. Empenhou-se a fundo na criação de empregos, na aplicação de políticas sociais que mitigaram a pobreza e na prevenção, política e policial, de qualquer conflito violento. Ao mesmo tempo, negociou a dívida externa. Uma parte dos bonistas aceitou o pagamento em 2005 e outra durante o primeiro governo de Cristina Fernández de Kirchner, em 2010.
Quando Kirchner assumiu a presidência, em 25 de maio de 2003, os produtos argentinos haviam ganhado competitividade devido à desvalorização de 2002, com Duhalde como presidente e Jorge Remes Lenicov como ministro, e renegociar a dívida já não era uma opção, mas um dever: o calote já tinha sido produzido pela bomba colocada por Carlos Menem e seu ministro Domingo Cavallo e ativada por Fernando de la Rúa e seus ministros José Luis Machinea e Domingo Cavallo. A bomba acabou explodindo em dezembro de 2001 nas mãos de Rodríguez de Saá, que, como todos devem lembrar, alegrou-se como se ouvisse foguetes de Natal.
Tsipras parece ter tido claro desde sempre a diferença entre a Grécia e a Argentina. Em uma entrevista que concedeu a este jornal em 2012, o então líder do Syriza e a oposição grega disseram que a Argentina “aguentou porque tinha uma base produtiva ampla e exportadora”. Ela cobriu as necessidades populares e depois as exportações garantiram as divisas para o crescimento do PIB. Tsipras acrescentou que, no entanto, “quando a Argentina passou por uma fase de elevado crescimento, o crescimento global também era alto, e, além disso, tudo ocorreu dentro de uma conjuntura regional sul-americana favorável”.
A Grécia, o contrário, não contava nem com o crescimento global nem com a conjuntura regional favoráveis; pelo contrário. Diante desses dois pontos fracos, seu ponto forte era, segundo Tsipras, a capacidade de causar danos da Grécia. Com 2,5% do PIB total europeu, a Grécia teria em suas mãos um botão semelhante ao da bomba atômica durante a Guerra Fria entre Washington e Moscou. O primeiro que apertasse o botão causaria danos maiores ao outro. Mas os dois sairiam prejudicados. No caso grego, o botão seria a explosão do euro. E Tsipras dizia há três anos: “Quem perder esta guerra fria vai dar um passo para trás”.
Na mitologia grega, mais severa que o momento de farsa da Era Xipolitakis [referência ao escândalo envolvendo a vedete Victoria Xipolitakis que, em um voo de Buenos Aires para Rosario, no dia 23 de junho, fica na cabine do avião junto com os dois pilotos. Em consequência, os dois pilotos foram demitidos], Cronos comia seus filhos assim que nasciam para que depois não lhe arrebatassem o poder. Mas o menor de todos sobreviveu porque Rea, a esposa de Cronos, tirou o bebê a tempo e o trocou por uma pedra envolta em panos. Foi assim que Zeus cresceu e acabou derrotando Cronos. Difícil momento para Tsipras, com tanta mitologia subjacente e a obrigação de não se deixar tentar por nenhuma miragem na cabine.