Teologia da prevenção: por um caminho de humanização

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02 Agosto 2021

 

"Para os organizadores da obra, prevenir implica compreender a dinâmica do tempo e captar as entrelinhas que perpassam o tecido social para poder antecipar-se aos problemas. Prevenir é a arte de saber discernir os sinais dos tempos para poder propor o que mais corresponde à vontade de Deus sobre cada ser humano. Diante disso, a teologia da prevenção é um caminho de humanização por meio da prática das virtudes e da progressiva conformação aos sentimentos e às ações de Jesus de Nazaré", escreve Eliseu Wisniewski, presbítero da Congregação da Missão (padres vicentinos) Província do Sul e mestre em Teologia pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC-PR), ao comentar o livro Teologia da Prevenção: por um caminho de humanização (Paulus, 2021, 432p.) de organização de José Antonio TrasferettiMário Marcelo Coelho e Ronaldo Zacharias.

 

Eis o artigo.

 

A ética teológica sempre se pautou pela prevenção de comportamentos que possam comprometer a dignidade, a liberdade e os direitos das pessoas. Mas como a realidade muda, as circunstâncias se transformam e os novos entornos adquirem novos contornos, ela precisa se debruçar continuamente sobre esse tema. As práticas de prevenção precisam ser atualizadas tendo em vista a perfeição e a santidade necessárias para o seguimento a Jesus. É para isso que a obra Teologia da Prevenção: por um caminho de humanização (Paulus, 2021, 432p.) foi organizada pelos doutores José Antonio Trasferetti, Mário Marcelo Coelho e Ronaldo Zacharias.

 

Para os organizadores da obra, prevenir implica compreender a dinâmica do tempo e captar as entrelinhas que perpassam o tecido social para poder antecipar-se aos problemas. Prevenir é a arte de saber discernir os sinais dos tempos para poder propor o que mais corresponde à vontade de Deus sobre cada ser humano. Diante disso, a teologia da prevenção é um caminho de humanização por meio da prática das virtudes e da progressiva conformação aos sentimentos e às ações de Jesus de Nazaré.

 

Dom Joaquim Giovani Mol Guimarães – bispo auxiliar da Arquidiocese de Belo Horizonte e reitor da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC-Minas) –, na Apresentação (p. 5-11), salienta que a teologia moral abre as portas do saber para receber a visita da teologia da prevenção como aquela que só se justifica se for efetiva colaboração com a promoção da dignidade, liberdade, responsabilidade e autonomia da pessoa humana, com todos os seus direitos fundamentais. Desse modo, a teologia da prevenção é a porta de entrada para a teologia do cuidado integral, ou seja, aquela teologia que plasma todos os seres em múltiplas relações de reciprocidade, relações que vão desde o cuidado com o outro até o cuidado com o planeta Terra.

 

A Obra aborda dezoito (18) temas:

 

1) Prevenir contra o apagamento da alteridade. O rosto do outro como prevenção e a promoção da cultura do encontro (p. 13-29), de autoria do dr. Thiago Calçado. Para o autor, a emergência das novas formas de comunicação – em especial o advento das redes sociais virtuais e dos aplicativos de troca de mensagens instantâneas – trouxe inúmeros desafios e questionamentos para a ética teológica. Para compreender os riscos e desafios da existência virtual, Calçado serve-se da filosofia de Emmanuel Lévinas e suas implicações éticas, especialmente a emergência do rosto do outro contra a violência do si mesmo e da objetividade, mostrando como a realidade atual das novas comunicações pode ceder espaço a fenômenos perigosos e sedutores – como os discursos políticos fáceis e generalistas –, que favorecem a destituição do Outro por meio da ideologia (p. 14-19). Num segundo momento, o autor apresenta as propostas levinasianas para o resgate de uma ética da alteridade (p. 19-23), relacionando-as com algumas posições recentes do magistério da Igreja, especialmente com as mensagens do Papa Francisco para o Dia das Comunicações Sociais. Nesse sentido, ele apresenta a ética da alteridade como prevenção ao risco do apagamento da alteridade, pelo qual o outro se reduziria a um ícone ou a um elemento de certificação de ideologias autoritárias (p. 23-27). Calçado conclui afirmando que prevenir implica ressignificar o Rosto do Outro para que não seja desfigurado pela lógica algorítmica de objetivação e estatística. Trata-se de não permitir que o outro se reduza ao tamanho de um bit. Prevenir, em uma palavra, é jamais limitar a humanidade à virtualidade alienada (p. 27-28).

 

2) Prevenir contra o vazio existencial. Compensação e compulsão: entre o mal-estar vivido e o cultivo integral do ser humano (p. 31-44) é o capítulo escrito pelo dr. Nilo Agostini. Entendendo que a busca de realização e felicidade acompanha o ser humano desde suas origens – esse desejo profundo, de caráter universal, o impele a buscar um sentido de vida que subjaz à vocação do ser humano –, o autor, baseando-se nas análises de Sigmund Freud, chama a atenção para o atual processo civilizacional e seu mal-estar (p. 33-35), ressaltando a fuga da realidade por meio de compensações e compulsões como tentativas de preencher os vazios existenciais (p. 35-38). A passagem da frustração cultural para a evolução cultural, segundo Agostini, se dá pelo cuidado integral, isto é, por meio do caminho do amor e da educação integral (p. 39-41). Nas considerações finais, Agostini destaca que perfazemos e nos perfazemos passo a passo, numa construção ilimitada e transitória, sem que jamais dominemos por completo a natureza, o nosso organismo, a força bruta que nos habita e que vai sendo lapidada ao longo de nossa existência. Importa prevenir para que não sejamos vítimas dessa força (p. 42-43).

 

3) Prevenir contra a indiferença. Por uma cultura do encontro e do cuidado (p. 45-64), de autoria da Me. Cecilia Blanco de Di Lascio. A autora analisa as raízes culturais dessa indiferença e suas consequências (p. 46-50), buscando a dignidade existencial de cada ser humano no seio dinâmico do cosmos, só compreensível em dimensões de transcendência, isto é, desde suas chaves profundas de harmonia em vista da liberdade espiritual, que no ser humano se expressa como justiça. Esse novo modo de atuar ético responsável é chamado pela autora de cuidado. (p. 53-59), o qual exige novos modos de consciência e ação que constituam o fundamento da instituição e dos vínculos sociais. O despertar da consciência social se inicia com a palavra que abre o espaço de liberdade essencial para com todo outro. Muitas vozes da cultura confirmam esse anseio. Di Lascio apresenta brevemente contribuições de Martin Buber e Gennaro Cichese. Ambos propõem o diálogo como respeito e compreensão do outro (p. 58-61). A autora conclui afirmando que prevenir é despertar a sede de encontro que afasta a indiferença (p. 61-63).

 

4) Prevenir contra o dogmatismo e o rigorismo. A tentação da rigidez (p. 65-86) é o capítulo escrito pela dra. Maria Inês de Castro Millen. Para a autora, tempos atrás, o dogmatismo e o rigorismo eram ferramentas utilizadas na busca de uma sociedade equilibrada, feliz e, quem sabe, até perfeita. Mesmo tendo sido comprovado historicamente que não obtiveram sucesso, tais ferramentas voltam com muita força ao cenário do mundo contemporâneo. Para Millen, essas são algumas das razões: mundo fragmentado, pós-verdade, medos, tentação do poder, insanidades, valores alterados e invertidos, ansiedades descontroladas, tristezas profundas e irreversíveis (p. 66- 70). Por isso, além da prevenção, é fundamental, além de rever os fundamentos que emanam das três fontes da teologia – a Sagrada Escritura, o magistério da Igreja e os teólogos moralistas (p. 70-81) –, pensar caminhos alternativos para um eficaz tratamento de tais males. Millen destaca que Jesus Cristo é o critério para toda reflexão ética e para todo o agir moral cristão. Para prevenir-se da rigidez da mente e do coração, é preciso, em primeiro lugar, assumir a ética de Jesus, revelada a nós pelos Evangelhos como fonte de toda a vida moral cristã. Esse é o eixo sobre o qual todas as outras medidas preventivas devem girar (p. 81-84).

 

5) Prevenir contra o dualismo e a fragmentação. O dualismo e a fragmentação do corpo: uma reflexão ético-propositiva de inspiração cristã (p. 87-113) é o capítulo de autoria do dr. André Luiz Boccato de Almeida. Por meio de um caminho hermenêutico-fenomenológico, o autor aborda esse tema apresentando três perspectivas consideradas fundamentais: a) a corporeidade e suas ambiguidades no atual contexto: o corpo considerado e pensado como uma matéria indiferente, simples suporte da pessoa e as consequências do biopoder afirmado no contexto das tecnociências e do narcisismo contemporâneo (p. 88- 94); b) perspectivas sobre o corpo na tradição ético-teológica: esclarecendo que, antes de tudo, convém fazer uma distinção fundamental, haja vista a multiplicidade, a diversidade e as contradições do ensino da Igreja e da tradição teológica sobre a corporeidade: uma coisa é o Evangelho de Jesus Cristo e outra é o sistema religioso complexo que se apresenta hoje em dia como cristianismo, resultado de dois mil anos de miscigenação com muitas religiões, principalmente aquelas que floresceram na bacia do Mediterrâneo (p. 94-98); c) hermenêutica propositiva em chave de prevenção do dualismo e da fragmentação. O autor propõe reinterpretar o sujeito corporal e passar de um olhar suspeito a uma ética cristã da prevenção. Para isso, a prevenção deve ser pensada a partir de uma visão integral da pessoa e da corporeidade; de um juízo de discernimento prudencial; da vivência plena do prazer; de uma visão integral da sexualidade (p. 98-110). Nas palavras finais do capítulo, Almeida ressalta que urge prevenir contra o dualismo e a fragmentação do corpo mediante a afirmação de valores éticos. Enquanto o ser humano estiver fechado em si, em seu corpo isolado, se sentirá seduzido a viver de modo fragmentado. O ser humano pode encontrar num itinerário cristão sua identidade de forma autenticamente humana, em conformidade com a sua dignidade e, portanto, de acordo com o sentido mais profundo da sua existência.

 

6) Prevenir contra os fundamentalismos. A alternativa pedagógica preventiva numa perspectiva ética (p. 115-144) é o tema do dr. Luiz Augusto de Mattos. Diante dos dilemas levantadas pelos fundamentalismos (p. 115-120), o autor, num primeiro momento, aborda o processo de educar e o que significa educar nesse contexto (p. 120-127). Em seguida, trabalha os marcos ou princípios norteadores que deverão ser considerados quando se quer uma educação preventiva diante dos fundamentalismos: a tolerância, a liberdade, o esperançar, a antropoética (p. 127-138). Por fim, Mattos apresenta estratégias fundamentais para garantir o compromisso em prol de uma situação preventiva e alternativa: promover experiências e espaços de resistência e alternatividade; o compromisso com o processo democrático coparticipativo pela sustentabilidade da vida; a articulação com várias frentes de lutas alternativas como ponto de apoio (p. 139-143).

 

7) Prevenir contra a corrupção. Não roubarás! (Ex 20,15). O câncer da corrupção tem cura? (p. 145-172) é o capítulo de autoria do dr. Élio Estanislau Gasda. Considerando a corrupção como uma prática recorrente, Gasda afirma ser ela parte da natureza do capitalismo (p. 145-146). Diante disso, suas considerações iniciais buscam definir o que se entende por corrupção (p. 147148), os tipos de corrupção (p. 148-150), as causas e motivações da corrupção, destacando os fatores socioculturais, administrativos, econômicos, afetivos (p. 150-154). Num segundo momento, Gasda chama a atenção para o aspecto ético oferecido pelo Ensino Social da Igreja, com destaque para o Papa Francisco como ponto de partida inspirador na busca de formas para prevenir e erradicar a corrupção (p. 154-161). Finalizando suas reflexões, o autor apresenta algumas ferramentas para o combate à corrupção: a lei (p. 161-163) e a educação para a cidadania (p. 164-166). Por isso, segundo Gasda, diante dos desafios da corrupção faz-se urgente a formação para a cidadania (p. 166-168).

 

8) Prevenir contra o consumismo. A ética do consumo conforme a Doutrina Social da Igreja (p. 173-194) é o capítulo escrito pelo dr. Gustavo Irrazábal. Se, por um lado, o consumo massivo pode ser considerado uma prova da eficácia da economia de mercado, por outro, ele implica o risco de um novo vazio espiritual que se manifesta no fenômeno do consumismo, que pode conduzir esse sistema a um fracasso ético e humano. Tendo por base a evolução do magistério desde João Paulo II até Francisco, Irrazábal busca compreender se o consumismo é uma consequência inevitável do livre mercado, como diferenciar consumo de consumismo, se o consumidor é realmente livre diante da influência da publicidade comercial, se é possível dar uma resposta a esse desafio ético. Para isso, ele aborda temas como: a) o consumo como desafio ético segundo João Paulo II (p. 174-176); b) o fenômeno do consumismo (p. 176-178); c) homem alienado e sociedade alienada (p. 178-179); d) consumismo e sistema econômico (p. 179-181); e) a resposta ético-cultural (p. 181-184); f) consumo e ecologia (p. 184); g) consumo e consumismo no magistério de Francisco (p. 185-186); h) consumismo e economia globalizada (p. 186-187); i) conversão ecológica (p. 187-189); j) o consumo como decisão pessoal (p. 189-194).

 

9) Prevenir contra a prática do bullying. “Desfazei isto em memória de mim”: uma reflexão teológica sobre a prática do bullying (p. 195-212). Nesse capítulo, o Me. Carlos Rafael Pinto faz memória de tantos rostos portadores de fisionomias, nomes, enredos, cicatrizes do passado, marcas do presente e sonhos que foram desfigurados e ceifados pela agressividade, maldade e indiferença das famílias, das escolas, dos grupos religiosos e de outras instituições (p. 196-197). Além disso, ele propõe narrativas de testemunhas, por vezes das próprias vítimas LGBTQIA+, tomando-as, na linguagem do Concílio Vaticano II, como sinais de nossos tempos (p. 197-201). A ambiguidade desses rostos nos interpela, pois a epifania do rosto é ética (p. 201-204). Assim, segundo o autor, mesmo com a ambiguidade de uma vida ética ou não, o rosto do outro, quando é visto e escutado, tende a condicionar positivamente a impossibilidade de matar. Ou seja, o rosto revela e se torna um apelo à reponsabilidade insubstituível por outrem (p. 204-206), tornando-se um apelo para uma ética responsorial como possibilidade de resposta à escuta do sofrimento do outro (p. 206-209). Concluindo, o autor destaca que desfazer a memória dos que são perseguidos, como ética responsorial, significa, a partir da memória deles, criar condições, inclusive políticas, para que outros rostos não sejam desfigurados e ceifados (p. 209-211).

 

10) Prevenir contra a violência. A prevenção como atitude de vida (p. 213-230) é o capítulo escrito pelo dr. José Antonio Trasferetti. Para o autor, a questão da violência, assim como as políticas e práticas de prevenção, têm sido uma urgência no Brasil. Num primeiro momento de sua reflexão, Trasferetti chama a atenção para a complexidade da violência: contra si mesmo, contra o outro, contra um grupo de pessoas (p. 214-220). Em seguida, faz notar que os mandamentos da lei de Deus, as atitudes, práticas e ensinamentos de Jesus e os documentos do magistério nos conclamam a construir um mundo sem violência, com práticas de prevenção por meio de um comportamento moral que privilegie a bondade e a generosidade e não o ódio e a vingança (p. 220-224). Para a prevenção da violência, Trasferetti propõe a construção de uma cultura de paz, que integre o ser humano numa teia que envolve todo ser vivo (p. 224-228). Como conclusão, ele faz notar que a ética teológica, enquanto ciência que visa à humanização das pessoas e das sociedades, pode colaborar de forma eficaz com a denúncia de toda prática que desumaniza e com a construção de uma sociedade em que todos possam viver em paz por meio do compromisso com a justiça e a solidariedade. Assim, a ética teológica de prevenção à violência abre novo caminho para a sociedade do futuro, caminho esse que objetiva situações de harmonia e de paz social (p. 228-229).

 

11) Prevenir contra o suicídio. A dimensão teológica e pastoral de um desafio de saúde pública mundial (p. 231-253) foi o capítulo escrito pelo dr. Leo Pessini (in memoriam). A abordagem do tema começa com alguns dados da tragédia humana mundial que é o suicídio, verdadeiro holocausto silencioso (p. 232-235). Pessini evidencia as possibilidades de prevenção do suicídio (p. 235-237), desde que alguns mitos sejam superados (p. 238-240). Chama a atenção para os sinais de alerta como ação preventiva (p. 240-242). Pessini aborda duas situações particularmente críticas quanto ao tema nos dias de hoje: o suicídio entre os profissionais de saúde e entre os adolescentes e jovens, situação crítica e muitas vezes silenciada (p. 242-248). Finaliza com uma reflexão ético-teológica em perspectiva preventiva (p. 248-251).

 

12) Prevenir contra o abuso sexual intrafamiliar. “Isso não se faz em Israel” (RSm 13,9): perspectivas na prevenção do abuso sexual intrafamiliar (p. 255-276) é o capítulo escrito pela dra. Margaret Eletta Guider. Considerando que o ambiente doméstico é um dos principais locais onde há incidências significativas de abuso sexual e, servindo-se da metodologia ver (ler a palavra no mundo, p. 258-262), julgar (ler o mundo na palavra, p. 262-263) e agir (conscientizar, intervir e prevenir, p. 263-271), a autora apresenta três abordagens sobre o tema, que servem de base para o reconhecimento de tal realidade, para assumir a responsabilidade de compreender com tais dinâmicas interagem e para enfrentar tal realidade por meio da conscientização, intervenção e prevenção. Partindo do texto do Antigo Testamento que narra o terrível episódio de abuso sexual de Tamar, em 2 Samuel 13,1-22, e dando continuidade por meio das também terríveis narrativas cotidianas e suas estatísticas assustadoras, as comunidades de fé podem e devem trazer para o centro da discussão a trágica realidade do abuso sexual intrafamiliar.

 

13) Prevenir contra a gravidez indesejada e as infecções sexualmente transmissíveis. O desafio da prevenção e da promoção da dignidade (p. 277-298) é o capítulo de autoria do dr. Alexandre Andrade Martins. Partindo de um olhar sobre a realidade, o autor observa alguns elementos técnicos de saúde pública capazes de mostrar como está a questão das infecções sexualmente transmissíveis e gravidezes indesejáveis nos dias de hoje (p. 279-288). Com base nesta realidade histórico-social, a reflexão ético-teológica é desenvolvida por Martins considerando a face das pessoas mais vulneráveis e o seu sofrimento. A realidade dos vulneráveis é o locus theologicus no qual o rosto de Jesus crucificado se faz presente na história. A ética teológica se junta a essa análise no encontro com os rostos dos sofredores e numa proposta positiva de colaboração, para que se entenda a questão em estudo e se busque responder aos desafios que dela derivam (p. 288-294). Com isso, o autor entende ser possível pensar na teologia da prevenção como uma ética teológica que visa prevenir de tudo aquilo que impede as pessoas de viverem sua verdadeira autonomia, e promover a cultura do discernimento, a fim de encontrar caminhos e alternativas para que as pessoas tenham em seu horizonte a realização da sua própria humanidade digna e autônoma, sem negar a natureza e a história, mas abertas à transcendência da graça (p. 294-296).

 

14) Prevenir contra o sexismo. Um chamado à conversão na ação (p. 299-319) é o capítulo escrito pela dra. Maria Cimperman. Entendendo o sexismo como a discriminação baseada em sexo e/ou gênero, a autora, partindo da realidade, considera as diversas maneiras em que o sexismo se manifesta (p. 300-305) e aborda os fundamentos teológicos e éticos necessários para preveni-lo (p. 305-310). Cimperman apresenta algumas pistas para criar espaços para um futuro diferente: conversão, liderança em direção à mudança sistêmica, inclusão (p. 310-316). Em suma, ela destaca que a prevenção acontece com intencionalidade, abertura, encontro, conversão e práticas que impactam instituições e sistemas (p. 316).

 

15) Prevenir contra a homofobia. Rumo a uma cultura do encontro: uma resposta de fé à homofobia (p. 321-357) é o texto do dr. Bryam N. Massingale. Sendo a homofobia um estigma cultural imposto às pessoas gays e lésbicas que gera ostracismo social, exclusão, assédio, agressão, estupro e violência (p. 353), o autor examina os danos provocados por uma cultura de homofobia, com o objetivo de articular as características de uma cultura de resistência que desafia os danos experienciados pelas minorias sexuais. Seguindo a metodologia ver, julgar e agir, Massingale destaca que, para compreender adequadamente a situação social e cultural, devemos ver não apenas o que está acontecendo, mas também considerar as razões ou causas de tais realidades globais (p. 322-344). Em seguida, destaca que, normalmente, na análise ético-social católica, o processo de julgar leva à reflexão sobre os danos sociais à luz da doutrina cristã e do compromisso de fé. Em relação à homofobia; no entanto, essa etapa se torna complexa, pois as convicções baseadas na fé estão profundamente implicadas em atitudes e práticas que são prejudiciais ao bem-estar das pessoas gays e lésbicas. Desse modo, a honestidade intelectual e a integridade ética exigem que, além de se discutir as fontes cristãs que desafiam a homofobia, preste-se atenção à cumplicidade e responsabilidade católicas (p. 334-344). Rumo a uma cultura de encontro, o autor elenca intervenções criativas que inibem a homofobia (p. 345-352).

 

16) Prevenir contra a infidelidade. A fidelidade sexual como expressão de cuidado e amor (p. 359-380) é o texto do dr. Ronaldo Zacharias. Diante da fragilidade dos laços humanos e da crise dos compromissos cada vez mais frágeis e vulneráveis, o autor aborda o tema da fidelidade na perspectiva cristã. Considerando a fidelidade como expressão concreta do amor, Zacharias assume o amor como primeiro requisito para a ética sexual (p. 360) e, à luz dele, apresenta algumas noções redutivas de fidelidade (p. 362-365), pelo fato de contradizerem o amor ou ressaltarem apenas uma das suas dimensões. Em seguida, caracteriza a estrutura dentro da qual a fidelidade precisa ser considerada, ressaltando os elementos essenciais que devem fazer parte de uma definição-concepção mais ampla de fidelidade (p. 365-368). A partir disso, o autor propõe algumas considerações sobre o que significa educar para a fidelidade aos compromissos definitivos (p. 368-375).

 

17) Prevenir contra a dependência virtual. O uso incontrolável da internet e a negação do sujeito (p. 381-403) é o texto escrito pelo dr. Mário Marcelo Coelho. A internet é cada vez mais um lugar de comunidades virtuais e, por isso, também ela locus da ética teológica (p. 381-383). Coelho não pretende atribuir, a priori, um valor moral ao mundo da internet, como algo bom ou mal, visto acreditar que não é possível desconsiderar a relação do sujeito com o objeto. Por isso, analisa o quanto a vinculação com o virtual contribui para humanizar ou não a pessoa, favorece sua liberdade ou subordinação, afirma-a como sujeito ou a reduz a objeto (p. 383-399). Em vista da prevenção, destaca o autor que um dos desafios não é tanto como usar bem a rede, mas como viver bem no tempo da rede, aprendendo a ser wired, conectado, de maneira ética e até mesmo espiritual; viver a rede como um dos ambientes de vida de modo autônomo e livre. Por isso, a ética teológica deve estar atenta para que este novo mundo não se apresente como pseudo-solução e roube da pessoa a sua identidade (p. 400-401).

 

18) Prevenir contra a dependência química. Dependência de substâncias psicoativas e solidariedade (p. 405-428) é o capítulo de autoria do Me. Luiz Aparecido Tegami. Tendo em consideração que as várias ciências empíricas e humanas estão dialogando para compreender mais profundamente a questão da dependência, a teologia, como ciência, também quer dar a sua contribuição ao diálogo a partir de uma perspectiva ético-moral da preventividade (p. 405-406). Tegami apresenta, assim, a fundamentação ético-teológica necessária para abordar o tema da dependência de substâncias psicoativas (p. 406-408). Tecendo reflexões sobre o ser humano como “lugar” de valores (p. 408-414), chamando a atenção para a crise da identidade ética (p. 414-416), para a maturidade moral (p. 416-420) e para a corporeidade (p. 421-425). Com estes elementos, Tegami entende que quando falamos da fundamentação ético-teológica como uma das exigências na busca da recuperação da pessoa dependente, estamos falando de prevenção e de preventividade – resultando uma ética do cuidado coerente em termos de prevenção e recuperação da pessoa dependente (p. 425-426).

 

Podemos dizer que a obra Teologia da Prevenção: por um caminho de humanização é a porta da entrada para a teologia do cuidado integral. Cuidado, cura, cuidar fazem parte do universo da existência humana. Hoje, mais do que nunca, precisamos nos capacitar na arte da prevenção e do cuidado. Eis o caminho e o horizonte pelo qual o leitor é conduzido em cada uma das temáticas desenvolvidas: apagamento da alteridade, vazio existencial, indiferença, dogmatismo e rigorismo, dualismo e fragmentação, fundamentalismos, corrupção, consumismo, bullying, violência, suicídio, abuso sexual intrafamiliar, gravidez indesejada e infecções sexualmente transmissíveis, sexismo, homofobia, infidelidade, dependência virtual e dependência química.

 

Num momento histórico dramático como o que estamos vivendo, segundo Ronaldo Zacharias, Teologia da Prevenção é uma obra para todos os momentos da nossa vida. Para ele, a prevenção é uma atitude de vida que deve nortear o comportamento de qualquer pessoa em qualquer momento da sua existência. Trata-se de edificar um estilo de vida que objetive reduzir danos para que o sofrimento não se prolongue para além da dor, impedir o crescimento de situações de conflito num mundo sedente de unidade, fraternidade, amizade e paz. A Teologia da Prevenção supõe estar atento aos detalhes da vida, às pequenas coisas que podem humanizar as pessoas. Nesse sentido, essa é uma obra imprescindível para uma sociedade que almeja ser mais humanizada. O conteúdo desta obra apresenta uma reflexão teórica e prática sobre diversas situações da vida que, segundo Zacharias, precisam de uma rápida intervenção educativa, a fim de que seja possível edificar, aos poucos, uma nova cultura de respeito a si mesmo, ao outro e à casa comum onde todos vivem. Ela chega num momento histórico muito delicado, em que a indiferença parece ter endurecido o coração de tantas pessoas em relação ao respeito à dignidade de todos, especialmente dos mais fracos e vulneráveis, e a cumplicidade parece ter amortecido a consciência moral em relação a práticas desumanizadoras e desrespeitosas dos direitos fundamentais das pessoas. A perspectiva ético-teológica desta obra faz dela o grande diferencial em relação a tantas outras que abordam os mesmos temas. A leitura e a interpretação do que está acontecendo – e as consequentes propostas que delas derivam – são feitas à luz da Palavra de Deus e do Seu projeto de vida em abundância para todos os seus filhos e filhas.

 

Teologia da Prevenção apresenta um conteúdo ético-teológico que contribui para uma prática inteligente e preventiva de redução de danos e/ou conflitos em várias dimensões da existência. Os temas abordados interessam aos educadores, aos jovens, aos agentes de pastoral, aos ministros que atuam em vários âmbitos de ação na Igreja e a todas as pessoas de boa vontade que acreditam poder humanizar tanto as pessoas e suas relações quanto as sociedades e suas culturas.

 

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