12 Novembro 2025
Ao mesmo tempo que promovem o mercado regional, os países latino-americanos estão fortalecendo as relações econômicas com a China e a Índia e se aproximando da Europa.
A reportagem é de Bernardo Gutiérrez, publicada por El Diario, 10-11-2025.
As tarifas elevadas do governo dos EUA começam a surtir efeito contrário. Em 28 de abril, um influenciador chinês publicou um vídeo mostrando navios brasileiros descarregando soja no porto de Ningbo-Zhoushan, perto de Hangzhou e Xangai. "Depois que a China reduziu suas compras dos Estados Unidos, navios carregados com soja brasileira estão aparecendo um após o outro", afirmou ele na plataforma Weibo. Após a repercussão negativa, Chao Chenxin, vice-diretor da Comissão Nacional de Desenvolvimento e Reforma da China, foi obrigado a realizar uma coletiva de imprensa para confirmar que a soja brasileira estava substituindo a soja americana, conforme relatado em um artigo da Câmara de Comércio Internacional Brasil-China. "Mesmo sem a compra de grãos e oleaginosas dos Estados Unidos, o abastecimento interno permanecerá estável", declarou Chao Chenxin.
Em abril passado, 700 mil toneladas de soja brasileira chegaram ao porto de Ningbo-Zhoushan, 32% a mais do que no mesmo mês de 2014. Enquanto isso, as exportações dos EUA para a China estão despencando. Na segunda semana de abril, a China comprou 72.800 toneladas de soja dos Estados Unidos, enquanto na terceira semana, esse número caiu para meras 1.800 toneladas, segundo dados do Departamento de Agricultura dos EUA. A projeção de importação de grãos da China de abril até o final de junho representa um recorde histórico, de acordo com a Bloomberg: 30 milhões de toneladas, provenientes principalmente do Brasil, Argentina e Uruguai.
O alerta está soando nos EUA. Agricultores americanos começam a se manifestar contra a política tarifária do presidente Donald Trump. "Os produtos que a China compra de nossos concorrentes no Brasil ou na Argentina não sofrem a tarifa adicional imposta aos produtos americanos. A China recorrerá primeiro à América do Sul e só comprará soja dos Estados Unidos quando for absolutamente necessário", disse Caleb Ragland, presidente da Associação Americana de Soja e produtor no Kentucky, à CNN.
O eixo México-Brasil está se fortalecendo
O presidente brasileiro Luis Inácio Lula da Silva aproveitou sua visita à posse de Claudia Sheinbaum como presidente do México, no ano passado, para fortalecer os laços econômicos com o México. Lula propôs a criação de um fórum econômico bilateral permanente e a realização de dois grandes eventos empresariais, um em cada país. Desde então, o eixo México-Brasil vem se fortalecendo. Sheinbaum viajou para a cúpula do G20 no Rio de Janeiro. O ministro da Economia brasileiro, Fernando Haddad, reuniu-se recentemente no México com a presidente e líderes empresariais de ambos os países para trabalharem juntos na transição energética e na integração regional. “Até agora, o México era considerado uma economia voltada para a exportação, com foco na América do Norte, mas pouco integrada aos seus vizinhos do sul. Isso mudará com as políticas isolacionistas de Trump”, argumenta o analista político Alexander Busch em um artigo.
Leonardo Paz, pesquisador do Centro Internacional de Inteligência e Prospecção da Fundação Getúlio Vargas (FGV), disse ao elDiario.es que a reação da América Latina ao governo Trump é mais econômica do que política. “Não vejo nenhum movimento de integração na região. Para que isso aconteça, é preciso um país liderando o processo. O Brasil desempenhou esse papel nos anos 2000. Brasil e Argentina, neste momento, são basicamente países antagônicos em termos ideológicos”, afirmou Paz.
O pesquisador reconhece que, embora o aumento das tarifas de Trump tenha o efeito colateral de aumentar o comércio interno latino-americano, a maioria dos países "está buscando uma solução fora da região". Segundo o pesquisador, essa mudança já está em curso. "Os países latino-americanos estão transferindo suas cadeias de produção para outros locais. Essencialmente, estão mudando a rota dos fluxos comerciais para outros mercados, a fim de tornar a cadeia economicamente mais eficiente. O Brasil, por exemplo, está deixando de comprar uma série de produtos dos Estados Unidos", afirma Paz.
A rota asiática
A Colômbia aderiu à Iniciativa Cinturão e Rota, popularmente conhecida como Nova Rota da Seda, em maio passado. Este ambicioso projeto chinês de integração global já inclui 140 países. Em contrapartida, a China ofereceu à Colômbia € 8,25 bilhões em financiamento e prometeu aumentar suas importações do país.
A entrada da Colômbia na Iniciativa Cinturão e Rota, sendo ela uma aliada de longa data dos EUA, desestabiliza ainda mais a guerra comercial entre Pequim e Washington na América Latina. O Brasil, que apesar de ter uma relação comercial privilegiada com Pequim não faz parte da Iniciativa Cinturão e Rota, acaba de fechar acordos multimilionários com o gigante asiático nas áreas de economia digital e inteligência artificial.
Por sua vez, o Chile, já integrante da Iniciativa Cinturão e Rota, está passando por um processo acelerado de integração econômica com o gigante asiático. O investimento chinês no Chile cresceu 1.370% entre 2016 e 2023, segundo a Invest Chile, principalmente em infraestrutura.
Apesar do Panamá não ter renovado seu memorando com a China, após pressão direta dos Estados Unidos, a Nova Rota da Seda tem bases sólidas na América Latina: vinte e um países da região fazem parte do projeto.
Por outro lado, a nova política comercial da Casa Branca está tendo outro efeito colateral na América Latina, desta vez com um toque asiático: relações comerciais mais estreitas com a Índia. Em abril passado, Nova Déli sediou o Fórum Empresarial Índia-América Latina com o objetivo de garantir o acesso do país a minerais estratégicos para sua cadeia produtiva. Durante a visita de Gabriel Boric à Índia, a Codelco, do Chile, a maior empresa de cobre do mundo, assinou um acordo com a estatal indiana Hindustan Copper. No ano passado, a Índia assinou um acordo com a Argentina para a exploração conjunta de lítio entre as empresas estatais Khanij Bidesh India e Catamarca Minera y Energética Sociedad del Estado.
Os numerosos acordos recentes da Índia na região, detalhados em um artigo da Folha de S.Paulo, coincidem com a abertura de novas embaixadas. A mais recente é na Bolívia, país rico em lítio. A presença da América Latina na Ásia se consolida ainda mais com o iminente acordo de livre comércio entre o Mercosul e os Emirados Árabes Unidos.
Como se isso não bastasse, as tarifas impostas pelo governo Trump também estão aproximando a economia latino-americana da Europa. Isso ocorre não apenas por facilitar a possível aprovação final do acordo de livre comércio entre a União Europeia e o Mercosul, mas também por fomentar uma reaproximação histórica com a Associação Europeia de Livre Comércio (EFTA), um bloco comercial composto por Islândia, Liechtenstein, Noruega e Suíça. As negociações para o acordo de livre comércio Mercosul-EFTA foram concluídas em julho. O acordo foi oficialmente assinado no Rio de Janeiro em 16 de setembro e visa criar uma zona de livre comércio que abranja cerca de 300 milhões de pessoas. O tratado entrará em vigor assim que for ratificado pelos parlamentos de cada país membro.
Enquanto o presidente dos EUA trava sua guerra comercial, sua caça às bruxas contra imigrantes e sua propaganda, a diplomacia discreta do Brasil está afastando a América Latina das garras do Tio Sam. O candidato apoiado pelos EUA para chefiar a Organização dos Estados Americanos (OEA), criada em 1948 e sediada em Washington, D.C., retirou sua candidatura por falta de apoio. O candidato de Lula — o progressista Albert Ramdin, ex-ministro das Relações Exteriores do Suriname — presidirá a organização até 2030. A OEA está, mais uma vez, voltando seu olhar para o sul.
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