21 Fevereiro 2025
As empresas aeroespaciais esperam capturar uma grande parte do aumento do orçamento de defesa dos países europeus.
A reportagem é de Carlos del Castillo, publicada por El Diario, 19-02-2025.
“Os EUA, a China, a Rússia e a Índia já testaram com sucesso armas antissatélite de ascensão direta. Algumas dessas nações também têm sistemas antissatélite orbitais em desenvolvimento. Dispositivos a laser de alta potência baseados em terra para cegar sensores eletro-ópticos de satélite são outra ameaça. As armas russas têm essas capacidades e estão sendo usadas na guerra na Ucrânia", diz o general Isaac Crespo, chefe do Comando Espacial das Forças Armadas: "Ninguém quer uma guerra no espaço, pois isso tornaria o ambiente inútil para todos. É muito claro. Mas o espaço já foi militarizado e isso é um desafio para todos”.
O Fórum de Pequenos Satélites e Serviços (SSSIF) em Málaga não é um evento militar. No entanto, sua sexta edição, realizada esta semana na cidade andaluza, refletiu como a crescente tensão geopolítica está impactando esse tipo de tecnologia. O setor também está interessado em atrair investimentos do aumento dos orçamentos de defesa anunciados pelos países europeus para os próximos anos.
“Nossos cidadãos devem estar cientes de quão dependentes são dos sistemas espaciais. Aspectos como nossa economia, agricultura, meteorologia, ciência, modo de vida e potencial de crescimento dependem cada vez mais do espaço", explicou Crespo em uma apresentação durante o evento. “O problema é que os cidadãos não estão cientes das ameaças que já existem neste ambiente e do que um dia sem tecnologia espacial pode significar”.
Essa conscientização, disse o general, é fundamental para que "o governo e os cidadãos concordem em conceder fundos" à indústria aeroespacial e aos projetos de defesa a ela vinculados. Uma simbiose entre a indústria civil e a militar que precisará ser fortalecida no futuro, já que a fronteira que as separa está cada vez mais tênue, segundo o chefe do Comando Espacial Espanhol.
Nesse sentido, Crespo citou a participação da SpaceX na guerra da Ucrânia, que permitiu que as tropas que se defendiam da invasão russa recuperassem suas comunicações depois que seus satélites tradicionais foram hackeados. Mais tarde, o Grupo Wagner também fez uso de um sistema comercial, neste caso fornecido por uma empresa chinesa, para espionar os movimentos do exército de Kiev.
“Este sistema espacial comercial chinês poderia ser um alvo legítimo para os ucranianos? “Na minha opinião, hoje todos os sistemas espaciais capazes de sustentar qualquer Estado, independentemente de serem governamentais ou privados, podem ser alvos e, portanto, não ser mais seguros”, enfatizou.
Os riscos nessa área vão além dos ataques físicos ou cibernéticos contra satélites, já que suas instalações de controle terrestre e as pessoas responsáveis por seu controle também podem se tornar alvos. “Levando tudo isso em consideração, pode-se concluir que o espaço desempenhará um papel cada vez mais importante nas zonas de conflito e que as ações no espaço moldarão o campo de batalha. Essas atividades serão realizadas na zona cinzenta e devem fazer parte das indicações e alertas para prever uma possível crise", diz Crespo. “Dito isto, ninguém ficará surpreso que os governos e a Organização Internacional de Segurança e Defesa tenham se dado conta de que o espaço não é mais seguro”.
Nesse sentido, a cooperação internacional entre os países e com a indústria será essencial para a defesa. O elDiario.es perguntou ao general se o novo governo de Donald Trump complicou ainda mais a situação nesse sentido, mas ele disse que não lhe cabe fazer avaliações políticas. No entanto, ele disse que “a Europa deve competir e não pode se dar ao luxo de depender apenas de uma nação ou de uma ou duas empresas”.
O desejo de aumentar a capacidade dos sistemas civis para serem usados em missões de defesa é uma tendência que está alinhada ao aumento dos gastos em projetos militares que visam travar guerras fora da Terra. Apesar dos bilhões em gastos de empresas como a SpaceX para criar constelações de minissatélites, os gastos militares mais uma vez superaram os gastos civis no campo espacial.
“Desde 2022, os orçamentos de defesa têm consistentemente ultrapassado os investimentos no espaço civil, e a lacuna aumentou devido aos recentes aumentos no financiamento governamental para iniciativas relacionadas à defesa. No entanto, espera-se que essa disparidade diminua ligeiramente até o final da década”, reflete um relatório da Novaspace sobre os gastos governamentais nessa área apresentado no SSSIF por Alexandre Najjar, um dos analistas desta consultoria.
Gráfico de comparação entre os gastos militares e os gastos civis (Fonte: Nova Space).
“Até 2024, os orçamentos espaciais civis atingiram quase US$ 62 bilhões, enquanto os gastos com defesa ultrapassaram US$ 73 bilhões, representando 54% do gasto total”, continuou o relatório. Incluindo gastos não militares, o financiamento governamental para projetos espaciais ultrapassou US$ 135 bilhões. Os EUA foram responsáveis por metade desse montante. A China investiu cerca de 20 bilhões; Japão, cerca de 6.800; Rússia, cerca de 4.000, e UE, cerca de 3.000 milhões.
O setor aeroespacial está ciente dessa tendência. “O setor de aplicações de Defesa e Segurança será transversal e impulsionará todos os setores”, disse Marta Massimiani, diretora de negócios europeus da Satlantis, uma empresa espanhola de tecnologia espacial especializada em observação da Terra e exploração espacial. “Será um dos principais contribuintes para o crescimento que ocorrerá na Europa. E acho que eles estão olhando para o setor espacial como um facilitador fundamental em sua aplicação.”
Eva Papantoniu, chefe da Unidade de Política Espacial da Comissão Europeia, destacou que a criação de uma doutrina comunitária no campo da segurança espacial será um dos objetivos de Bruxelas nesta legislatura, com a nomeação do primeiro comissário para a Defesa e o Espaço na história da UE (o lituano Andrius Kubilius). A soberania na produção de dispositivos, com a marca “made in Europe”, assim como “desbloquear a aversão ao risco” para “incentivar a ideia de que as empresas falham e aprendem com seus erros” farão parte desses objetivos.
Nesse sentido, a União Europeia ratificou recentemente um projeto de 10,6 bilhões de euros para lançar 290 satélites, a maioria deles em órbita baixa, como os da Starlink, para estabelecer comunicações seguras para os governos. Um movimento que coincidiu com a sabotagem de cabos submarinos no Mar Báltico, a principal infraestrutura de comunicações da Internet atual e por onde passa 95% do tráfego de rede, mas que é altamente exposta a ataques físicos.