7º domingo do tempo comum – Ano C – “Sejam misericordiosos, como o Pai é misericordioso.” (Lc 6,36)

Por: MpvM | 18 Fevereiro 2022

 

 "Jesus faz uma síntese da Lei da primeira Aliança, para atualizar e simplificar para os pobres de seu tempo e de nosso tempo. Os vv. 32-35 repetem três normas: amar, fazer o bem e emprestar sem pensar no próprio interesse. A recompensa virá de Deus: “Quem se compadece do pobre, empresta ao Senhor” (cf. Pr 19,17).

"Nosso Deus é como uma mãe compassiva. Como filhas/os somos chamados ao amor gratuito e universal nas situações concretas da vida. A solidariedade e a partilha são sinais, exemplos do que ocorre quando o Reinado de Deus se faz presente nesta vida, neste nosso mundo tão dominado pelas formas do mal, da desigualdade, opressão e morte... Enfim, pelo pecado.

"Perante a realidade que vivemos, como será a resposta de seguidores/as de Jesus, Filho amado do Pai misericordioso? É necessário responder... Fingir que nada está acontecendo no Brasil é atitude de colaboração com o ódio, a injustiça, o roubo, a opressão... Temos compromisso com o bem comum, com a inversão da lógica da hostilidade, da rejeição, da violência, do culto às riquezas e, em consequência, culto à morte pela fome dos pobres, oprimidos e marginalizados."

 

 

A reflexão é de Maria do Carmo de Oliveira, leiga. Ela possui licenciatura em língua e literatura portuguesa pela UNB (1975-1979) e pós-graduação em Planejamento Educacional pela Universidade Salgado de Oliveira (1994); é bacharel em Teologia, com especialização em Bíblia pela Universidade Metodista de SP (1989); é assessora do CEBI e membro da Rede Celebra, com pós-graduação em Liturgia pelo Instituto de Filosofia e Teologia de Goiás IFITEG/GO.

 

Eis o vídeo e o texto

 

 

 

Leituras do Dia

1ª Leitura - 1Sm 26,2.7-9.12-13.22-23
Salmo - Sl 102,1-2.3-4.8.10.12-13 (R.8a)
2ª Leitura - 1Cor 15,45-49
Evangelho - Lc 6,27-38

 

Liturgicamente, este ano deverá ser o ano da práxis cristã, seguindo o caminho e a caminhada de Jesus, conforme o Evangelho de Lucas. Personalidade delicada e cativante, escritor talentoso, Lucas usou suas fontes, Evangelhos Mc, Mt e Ev. da Galileia, de forma original e ordenada, movido pela preocupação com os leitores cristãos vindos do paganismo.

 

Lucas é o evangelista dos pobres, dos pecadores, dos valores humanos, das mulheres, especialmente de Maria, mãe de Jesus. Lucas nos apresenta Jesus não só como Messias (Mc), ou Mestre (Mt), mas como o verdadeiro FIEL ao Pai. É o modelo de convivência com o Pai na oração e da convivência humana, fraterna. Jesus, cheio de ternura para com os pobres e humildes, é o profeta por excelência, porta-voz do Senhor Altíssimo e da Divina Ruah. No Ev. de Lucas o Espírito Santo ocupa o primeiro lugar. 

 

Lucas nos traz as narrativas dos grandes perdões, da renúncia absoluta, da alegria, do agradecimento e louvor. Lembremos os cânticos da Mãe de Jesus, de Zacarias, de Simeão...

 

O evangelista Lucas pode ser considerado nosso contemporâneo em muitos sentidos, mas gostaria de salientar sua clareza frente aos bens; ele salienta a exigência de um desapego decidido, absoluto, e corajoso abandono das riquezas.

 

No sexto domingo domingo do tempo comum ouvimos a pregação das bem-aventuranças de Lc 6,17.20-26. Também em Mateus 5,1-12 há o anúncio das bem-aventuranças e é chamado de Sermão da Montanha. O evangelho deste domingo é continuação das bem-aventuranças que em Lucas não trazem somente bênçãos, mas também quatro maldições: “Ai de vocês, os ricos...”, “Ai de vocês, os saciados...”, “Ai de vocês que agora riem...”, “Ai daqueles que agora são adulados, bajulados, tratados como mitos...”

 

Em Lucas, Jesus desce da montanha após chamar seus discípulos e se detém em um lugar plano onde estava uma grande massa de povo. Então, aí temos a pregação da planície, mostrando que Jesus se coloca próximo dos ouvintes, no mesmo nível deles e lhes fala a partir da realidade vivida por todos eles: pobreza, fome, aflição, perseguição por causa da justiça. Jesus parte da realidade sofrida do povo que o segue. 

 

A lei de Jesus, descrita no Sermão da Planície (Lucas 6,27-38) tem como motivação o exemplo de Deus Pai, e nos ensina como viver já, em nosso tempo, o Reino de Deus. Os vv. 27-29 são exigentes e nos ensinam atitudes fundamentais da vida cristã:

 

 

Quem é discípula/o de Jesus vive de modo diferente e ao contrário do mau espírito que reina neste mundo. A gratuidade em todo nosso ser é fundamental. Deus nos ama gratuitamente, e gratuitamente devemos cultivar sentimentos, obras, palavras, espiritualidade, orações, de acordo com a pregação da planície. Nossas relações gratuitas devem ser motivadas pela certeza da filiação de nosso Pai misericordioso. Não se trata de medo e resignação diante dos poderosos, e da injustiça reinantes nas relações humanas em nosso mundo, mas de atitudes proféticas.

 

Jesus faz uma síntese da Lei da primeira Aliança, para atualizar e simplificar para os pobres de seu tempo e de nosso tempo. Os vv. 32-35 repetem três normas: amar, fazer o bem e emprestar sem pensar no próprio interesse. A recompensa virá de Deus: “Quem se compadece do pobre, empresta ao Senhor” (cf. Pr 19,17).

 

Nosso Deus é como uma mãe compassiva. Como filhas/os somos chamados ao amor gratuito e universal nas situações concretas da vida. A solidariedade e a partilha são sinais, exemplos do que ocorre quando o Reinado de Deus se faz presente nesta vida, neste nosso mundo tão dominado pelas formas do mal, da desigualdade, opressão e morte... Enfim, pelo pecado.

 

Jesus quer dar-nos exemplo de como deve ser a vida nova que pode ser chamada de Reino de Deus. “Com a medida com que vocês medirem, sereis medidos também.” A fidelidade aos mandamentos da lei de Jesus Cristo nos leva a atitudes que o mundo não compreende, pois são atitudes contrárias ao que vivem e ensinam os que dominam, exploram, roubam, perseguem, caluniam, cobram juros extorsivos, pagam salários injustos, odeiam os diferentes, desprezam os pobres e pequenos, como acontece em nossa realidade.

 

Os mandamentos que Jesus nos ensina são uma proposta revolucionária. “Não julguem, para não ser julgado; não condene para não ser condenado; perdoe e lhe será perdoado.” A vida cristã é essencialmente seguimento, imitação do amor gratuito do Senhor nosso Pai, só assim seremos filhas/os de Deus, e o Senhor nos tratará com sua infinita misericórdia, “hesed”.

 

Deus não nos julgará... Não nos condenará... Nos perdoará conforme a oração ensinada por Jesus e que repetimos diariamente: “Perdoai as nossas ofensas, nossas dívidas, assim como nós perdoamos a quem nos deve, a quem nos tem ofendido.” Somos nós que preparamos nosso futuro no dia-a-dia. A verdadeira vida é o amor em todas as suas dimensões: amor amizade (philia) ou o amor (ágape). O amor deveria triunfar sobre tudo, é o ideal bíblico e cristão. Jesus insiste na necessidade de amar até os próprios inimigos em grau heroico. Romper com o “olho por olho, dente por dente”; não responder ao mal que recebemos com hostilidade, com a mesma violência, ou ódio.

 

Perante a realidade que vivemos, como será a resposta de seguidores/as de Jesus, Filho amado do Pai misericordioso? É necessário responder... Fingir que nada está acontecendo no Brasil é atitude de colaboração com o ódio, a injustiça, o roubo, a opressão... Temos compromisso com o bem comum, com a inversão da lógica da hostilidade, da rejeição, da violência, do culto às riquezas e, em consequência, culto à morte pela fome dos pobres, oprimidos e marginalizados.

 

A primeira leitura (1Sm 26,2.7-9.12-13.22-23)  nos ensina como um oprimido - no caso, Davi - pode lidar com o perseguidor Saul. Usar as mesmas armas, vingar-se? Ou respeitar a vida que pertence só a Deus, conduzindo-se pela Lei prescrita na Torá? Davi está apenas acompanhado por um homem e entram no acampamento de Saul e seu batalhão de 3 mil soldados, onde todos dormem profundamente. Parece que Deus tinha entregue o inimigo nas mãos de Davi. Mas Davi não resolve a situação de ódio e perseguição com ódio, vingança e morte de Saul. Davi não permite a morte do inimigo e o desarma, lhe retira a espada e a vasilha de água. Ensina-lhe a usar outras armas para proteger o povo e assim instaurar a justiça e proteger a quem está sendo perseguido. O fato de Davi crer na justiça de Deus o capacita a perdoar o inimigo.

 

Na segunda leitura (1Cor 15,45-49) Paulo escreve à comunidade de Corinto que enfrentava brigas e divisões internas, chamando atenção para a unidade do Corpo de Cristo. Quando fala de "homem terrestre" e "homem celeste", Paulo parece separar a experiência humana em dois níveis: coisas da terra e coisas do céu. Mas o ser humano não é feito em setores separados. A nossa solidariedade com Adão nos torna frágeis e finitos; porém o Filho de Deus misericordioso se solidarizou conosco, assumindo nossa condição humana, mas ressuscitou, venceu a morte. Por essa solidariedade de Jesus, trazemos em nós a imagem do ser celeste. (Fl 2,6-7) Paulo não quer reforçar a dualidade humana, mas chamar atenção para a liberdade de escolher crescer para Deus compassivo, sem limites, ou se fechar no egoísmo mesquinho, negando o potencial de caminhada para nova vida de filiação divina, vida que não tem fim.

 

O Salmo 103 (102), atribuído a Davi, é um hino ao amor paternal/maternal de Deus: Deus faz justiça defendendo o oprimido do opressor, porque... “O Senhor é compaixão e piedade!”

 

Hoje podemos nos perguntar:

 

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