Primeiro mandamento: amai uns aos outros!

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02 Agosto 2018

Até que ponto o decálogo poderia ser considerado uma espécie de estrela guia para uma ética compartilhada e implantada na existência pessoal e na sociedade contemporânea, havia sido mostrado, em 1988, pelo diretor polonês Krzysztof Kieslowski, com seus admiráveis dez filmes, cada um com uma hora de duração, dedicados ao decálogo. A tal respeito, já Lutero em seu catecismo ensinava que "não há melhor espelho em que você possa ver do que você precisa, que os dez mandamentos, em que você encontra o que lhe falta e o que você deve procurar". A sua formulação apodítica negativa, típica de um estilo estendido para marcar a incisividade e a radicalidade do preceito não deve nos fazer esquecer que o conteúdo é extremamente positivo e diz respeito à religiosidade, ao culto, às relações sociais, o direito à vida, ao casamento, à liberdade, à dignidade pessoal e à propriedade.

O artigo é de Gianfranco Ravasi, cardeal italiano e presidente do Pontifício Conselho da Cultura, publicado por Il Sole 24 Ore, 29-07-2018. A tradução é de Luisa Rabolini.

Para essa matriz ideal de uma ética que é bíblica, mas que também aspira a ser "natural", ou seja, universal, já foi dedicada uma imensa bibliografia, para não mencionar a história da arte que deixou nos olhos de todo um radiante Moisés segurando as duas tábuas no cume do Sinai. Agora é a vez de um professor da Universidade romana da Santa Cruz, Filippo Serafini que, como resultado das suas aulas e palestras, nos apresenta um guia ágil e agradável para essa página bíblica que, no entanto, é oferecida em duas versões (Êxodo 20 e Deuteronômio 5) não completamente sobrepostas, embora ambos diretamente orientadas pela tríade Deus, tu, o próximo. A seguir é essencial tirar de cada um dos preceitos o suco moral e isso é possível através de uma análise precisa do texto que não reserva poucas surpresas para quem já tem em seus ouvidos uma certa catequese moralista do passado.

Basta ler, por exemplo, o comentário sobre "Não pronuncie o nome do Senhor em vão", ou "Não cometerás adultério", ou "Não roubarás". A centralidade está, como sugere o título do ensaio didático de Serafini, na vida e na liberdade, que colocam no palco os dois protagonistas, Deus e o homem. Por essa razão, é importante voltar ao quadro do Sinai e à estipulação de uma aliança entre o Senhor e o povo: a ética natural é, portanto, transfigurada em uma moral religiosa e transcendente. E é precisamente ao longo dessa trajetória que podemos situar o ápice luminoso de um mandamento bíblico capital, aquele "ame o próximo como a si mesmo", incrustado no livro do Levítico (19.18) e capaz de irradiar-se, embora com dificuldade, na tradição judaica para chegar a Cristo que faz dele seu mandamento príncipe unindo-o ao amor por Deus (Mateus 22,34-40).

Para Jesus, será a síntese ideal de sua mensagem moral, a ponto de estendê-la até ao inimigo em uma paradoxalidade constante em sua pregação, bem recebida não só por todo o arco da literatura do Novo Testamento, mas também pelo cristianismo sucessivo, infelizmente, nem sempre fiel àquele ditado tão exigente.

“Accogliere la libertà, condividere la vita”
(Acolher a liberdade, compartilhar a vida) 
de Filippo Serafini San Paolo, Cinisello Balsamo (Milano),
p. 142, € 19,50

Outro teólogo leigo (como é Serafini), o alemão Thomas Söding, 1956, casado e com três filhos, professor na Universidade de Bochum, oferece agora um impressionante dossiê exegético-teológico precisamente sobre isso que é o coração de uma ética autêntica, moldada e modulada no retrato de João do próprio Deus como ágape, "amor". É interessante notar que o estudioso parte justamente do "campo semântico do amor" para identificar a sua identidade bíblica específica e faz isso remetendo de maneira emblemática ao famoso ensaio do escritor inglês Clive Staples Lewis (1898-1963) publicado em Glasgow, em 1960, e traduzido em 2004 pela Jaca Book, cujo título é significativo: Os quatro amores. Afeto, amizade, amor, caridade.

Seguir o caminho que Söding propõe é fácil porque na prática leva o leitor pela mão por todo o arco das Sagradas Escrituras, naturalmente focalizando, sobretudo, as páginas do Novo Testamento nas quais "não há nenhum mandamento de importância análoga àquele do amor", de forma que "no conjunto, o Novo Testamento é um livro de amor ao próximo". Isso comporta a necessidade de definição de quem seja o próximo, da qualidade do amor, das suas manifestações e exigências, do nexo com o amor a Deus e por si mesmo, de suas implicações psicológicas, mas também políticas e, acima de tudo, teológicas. Em uma época em que a agressividade está à flor da pele nas relações sociais e naquelas das redes sociais, em uma fase histórica em que o magistério papal de Francisco estrutura-se em torno do tema da misericórdia, que é sinônimo de amor ao próximo, um ensaio como esse não é apenas um instrumento teológico-pastoral, mas também um texto de referência para fazer ressurgir aquelas raízes cristãs genuínas, ignoradas ou hipocritamente deformadas e manipuladas por uma determinada linha política.

“L’amore del prossimo” (O amor do próximo) 
de Thomas Söding Queriniana, Brescia,
p. 358, € 42

Obviamente, o amor deve ser testado na concretude das obras e dos dias. É por isso que estamos compondo uma espécie de trilogia com a última e mais evocativa publicação do nosso teólogo moral, Giannino Piana, ex-professor nas Universidades de Urbino e Turim e autor de um tratado monumental de teologia moral em quatro volumes, reunidos sob o título paulino de In novità di vita (Novidade da vida, ed. Cittadella).

Agora ele se confronta com a criação de um verdadeiro léxico, um Alfabeto da ética, com 112 “termos fundamentais” que têm certamente uma espécie de lastro nos verbetes sobre “amor”, sobre a “caridade”, sobre os “mandamentos", sobre a “'aliança", sobre a “liberdade”, sobre a “nova lei”', sobre a “natureza humana”, sobre a “solidariedade”, sobre a “vida”, na prática, sobre as categorias estruturais dos dois escritos que apresentamos anteriormente.

Os dicionários não são lidos na sequência (embora tal exercício seja legítimo), mas são investigados e geralmente são seguidos pelo menos dois caminhos de leitura. O primeiro é aquele da grade que orientou a seleção das vozes, que abre por si horizontes temáticos exterminados.

“L’alfabeto dell’etica” (O alfabeto da ética) 
de Giannino Piana Cittadella, Assisi,
p. 478, € 29,90

No caso do Alfabeto de Piana, algumas áreas são claras: quase se pode imaginar um mapa colorido, no qual várias regiões são agregadas. O próprio autor isola as maiores: a área da moral fundamental e geral, aquela de moralidade sexual e matrimonial, o delicado terreno da bioética, as zonas de moralidade econômico-social e da política e, finalmente, aquela em que o estudioso já se empenhou no passado e que está longe de ser resolvida, ou seja, a moral de religiosidade.

O outro caminho que o leitor pode seguir é muito mais fenomenológico e, se desejar, superficial, mas ainda assim indicativo, até mesmo dos cantos mais reclusos onde o refletor da análise é apontado. Vou tentar uma lista, colocando-me um pouco também na ótica dos usuários 'leigos' desse vocabulário, selecionando alguns termos não necessariamente fundamentais: aliança terapêutica, consenso informativo, cuidados paliativos, economia civil e financeira, ética animal, casais não casados, gênero, pedofilia, homossexualidade, aborto, prostituição, transexualidade, manipulações genéticas, reprodução assistida, testamento biológico, verdade ao doente, publicidade ...

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