Nem Jesus nem os Evangelhos falam de "família". Artigo de Giancarla Codrignani

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11 Outubro 2015

O tema do Sínodo é precioso, porque a família histórica, em toda parte, mostra os sinais de uma crise que deve ser orientada para redescobrir o seu valor. Mas é preciso lembrar que em nenhum dos quatro Evangelhos figura a palavra "família", e que Jesus sempre se dirigiu às "pessoas", confiando na sua consciência.

A opinião é da jornalista e escritora italiana Giancarla Codrignani, ex-deputada italiana pela Esquerda Independente e sócia-fundadora da associação Viandanti, em artigo publicado no sítio Fine Settimana, 09-10-2015. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

Eis o texto.

Os antigos também conheciam a tolerância: os cultos eram muitos, e, em Atenas, também tinham erguido um altar "ao deus desconhecido". São Paulo foi lá para pregar o início do cristianismo. Nós somos os herdeiros do Iluminismo e conhecemos direitos, deveres e busca secular da verdade.

Carlo Maria Martini, um cardeal da Igreja Católica, havia denunciado o atraso de 200 anos na relação do cristianismo não só com o mundo, mas também com a sociedade crente. Ele não teria apreciado a "misericórdia", se esta deve significar apenas ser gentil e até afetuoso ao acolher gays e lésbicas, continuando a excluí-los na doutrina. Muito menos se o padre pudesse evitar de abordar a castidade de uma nova relação do/da divorciado/a que comunga: poderia, talvez, nesse caso, "usar" o corpo da esposa ainda "legítima" e até mesmo procriar, enquanto a relação humana de amor permaneceria sendo adultério?

A Igreja não deve ter medo de dar razão aos protestantes, se reconhecer que é tarefa da lei civil regular direitos, contratos, atos públicos, mas a consciência dos filhos de Deus nasce livre e é educada – pela própria Igreja, não pela aula de religião escolar delegada ao Estado – para a responsabilidade.

Sobre todo o capítulo da sexualidade, é dever da Igreja reler a tradição à luz do contexto da vida contemporânea, e não do ainda dominante Concílio de Trento: o próprio Papa Francisco, na primeira entrevista à revista La Civiltà Cattolica, reconhece: "A compreensão do homem muda com o tempo, e assim também a consciência do homem se aprofunda".

A sequência dos pecados contra a castidade (Catecismo da Igreja Católica, 2.351-2.356) – embora estilisticamente correta em relação a grosserias anteriores – mantém a inaceitável compatibilidade entre a masturbação (só os padres que nunca leram Freud, nem viveram jamais com um recém-nascido, podem dizer essas bobagens) com o crime infame que é o estupro.

Se – e isto também é dito pelo cardeal Kasper – a homossexualidade é "por natureza", deverá ser eliminada a norma de uma castidade específica para eles, que não é a que diz respeito a todos. E, em todo o caso, será bom esclarecer se ser casto para o católico significa não só manter o domínio sobre a própria conduta, mas também "fidelidade às promessas batismais" (n. 2.340): a expressão comportaria a revogação do compromisso em nome de um recém-nascido irresponsável em favor daquele de ser cristão por uma escolha adulta.

O Papa Francisco abriu o Sínodo confirmando as "verdades da doutrina", como se a verdade, mesmo na pesquisa, não estivesse no Evangelho. O tema do Sínodo é precioso, porque a família histórica, em toda parte, mostra os sinais de uma crise que deve ser orientada para redescobrir o seu valor. Mas é preciso lembrar que em nenhum dos quatro Evangelhos figura a palavra "família", e que Jesus sempre se dirigiu às "pessoas", confiando na sua consciência, e Ele não disse à adúltera "vá e volte para o seu marido". E, quando diz que devemos ser como crianças, também não estabeleceu quantas (e como) devemos fazer.

Mas Francisco pretende mudar o estilo tradicional e, sobre o tema, quer ouvir os irmãos (não as irmãs, muito menos as superioras das ordens religiosas) no Sínodo, um caminho a ser feito juntos (sublinho, um caminho apenas de irmãos homens). Mas o papa é ele e ele deverá dizer se pretende recuperar com uma forma inédita de "populismo católico" o retorno de devotos em fuga de uma ritualidade já desprovida de "visão", ou curar os 200 anos de perda de sentido da religião católica. E da confiança em uma instituição enfraquecida pela renúncia de um papa e pelos escândalos morais e financeiros do clero.

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