A escola pública brasileira: uma realidade dura. Entrevista com Roberto de Leão

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07 Julho 2009

A escola pública brasileira há muitos anos passa por problemas sérios e bastante discutidos. Agora que o Ministério da Educação propôs um novo formato para o ensino médio e algumas pesquisas sobre o comportamento dos alunos e o perfil das escolas foram divulgados, a IHU On-Line conversou por telefone com Roberto de Leão, presidente da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação, sobre a situação das escolas, dos professores e dos alunos de hoje. Segundo ele, o professor tem como principal tarefa disseminar o conhecimento, porém, tem dividido seu tempo para desempenhar atividades que não deveriam estar no seu dia-a-dia. “Eles passaram a ter funções que, na verdade, são de psicólogos, assistentes sociais, e até dos pais”, disse Leão.

Leão afirma que, embora a questão salarial seja vista como uma das principais reivindicações dos profissionais da educação, eles têm lutado muito para que seu trabalho seja valorizado e para receber a oportunidade de terem uma formação mais completa, além de buscarem uma gestão democrática para o setor. “Se tivermos investimento, valorização profissional e gestão democrática caminharemos com muita tranquilidade para a construção de uma escola pública de qualidade, que é o sonho de todos nós”, relatou.

Confira a entrevista.

IHU On-Line – Como você define o perfil da escola pública no Brasil?

Roberto de Leão – É uma escola que passa por uma enorme dificuldade e é frequentada, em sua maioria, por pessoas de poucas posses, da classe média baixa, ou seja, pessoas que estão em situação econômica problemática. Enfim, é a escola que o povo frequenta e que passa hoje por dificuldades de estrutura, de funcionamento, etc. A escola pública brasileira se sustenta hoje muito mais pela solidariedade dos profissionais da educação que atuam nela, do que por conta das políticas públicas que deveriam fazê-la funcionar direito.

IHU On-Line – A indisciplina é fruto de quê?

Roberto de Leão – Penso que precisamos avaliar essa questão da indisciplina não como algo que é só da escola. A sociedade e o mundo estão muito violentos, hoje. A falta de perspectiva para nossa juventude é uma realidade e isso termina refletindo dentro da escola pública. Aliás, a escola é o único aparelho social que o Estado conta para poder fazer políticas de integração desse pessoal que vive mal, que não tem serviço, que têm poucas perspectivas num mundo extremamente competitivo. Então, o único lugar que o Estado tem para que essas pessoas possam construir algo de forma solidária é a escola. E isso, no entanto, sobrecarrega o trabalhador da escola, ou seja, os professores, pois eles passaram a ter funções que, na verdade, são de psicólogos, de assistentes sociais, e até dos pais. Há professores que terminam atuando para além daquilo que seria sua função primeira, que é ensinar.

IHU On-Line – O que poderia ser feito para reduzir o tamanho das turmas?

Roberto de Leão – As turmas são muito grandes mesmo e há um descompasso entre a realidade da escola e o mundo fora dela. O aluno tem, dentro da escola, acesso a coisas que lá fora, muitas vezes, ele não tem, como o computador e o acesso às novas tecnologias. Mas reitero que os professores são obrigados a exercer diversas atividades para além daquelas que são inerentes a eles. Com isso, perdem muito tempo nessas funções, dando bronca, conversando com os alunos, fazendo as vezes de um psicólogo, querendo organizar a vida do aluno por um caminho menos problemático, tentando entender aquele tipo de comportamento. Evidentemente, isso tira o tempo destinado à transmissão de conhecimento. A escola está sobrecarregada, mas ela também tem o papel de preparar o jovem no sentido de fazê-lo crescer para o mundo, para a vida. Muitas vezes uma aula, que teoricamente é perdida porque o conteúdo não foi dado, pode ser uma vitória porque, a partir dali, pode haver uma mudança de comportamento dos alunos ou de algum aluno em especial. Temos que ponderar isso.

IHU On-Line – Qual a principal ação para melhorar o ensino público?

Roberto de Leão – Temos que ter investimento muito pesado. É preciso passar dos 4,5% do PIB dedicados à educação. Essa é uma reivindicação antiga. O processo de valorização dos profissionais da educação passa pela formação inicial sólida e consistente, assim como passa por uma formação continuada constantemente atualizada, por carreiras que permitam ao profissional vislumbrar um futuro, e por salários melhores. Deixei o salário para o fim porque se costuma dizer que nossas reivindicações são puramente salariais, o que não é verdade. Esse aspecto também precisa passar um processo de gestão democrática, que permita com que o aluno encontre um futuro no qual, como cidadão, será o protagonista da sua própria vida. Se tivermos investimento, valorização profissional e gestão democrática, caminharemos com muita tranquilidade para a construção de uma escola pública de qualidade, que é o sonho de todos nós.

IHU On-Line – A ausência de perspectiva de ascensão social dos alunos por meio do estudo contribui, de alguma forma, para o que o senhor chama de “decadência da escola pública” no país?

Roberto de Leão – Penso que a decadência da escola pública no Brasil se dá a partir do momento em que ela recebe muito pouco investimento. Na medida em que há, portanto, desvalorização dos profissionais, a escola passa a ser um espaço para onde as crianças vão "só por ir". A falta de perspectiva do nosso jovem está muito ligada ao fato de nós vivermos hoje num mundo tremendamente competitivo, onde o êxito e o fracasso é responsabilidade individual do ponto de vista daqueles que nos levaram a essa situação. O jovem termina o ensino médio com uma pressão grande de ser feliz, mas essa felicidade nem sempre é aquela que ele procura, mas sim uma felicidade que o obrigam a ter. Portanto, esse jovem tem que ter êxito até os 20 e poucos anos, senão será um fracassado. Isso tudo tenciona muito nossos jovens no ensino médio e a escola não consegue superar esse problema, ou seja, fazer com que o aluno compreenda que ele é o protagonista da sua própria vida e pode ser feliz como quiser, desde que respeite as regras de convivência. Portanto, atualmente, o problema é que temos um aluno insatisfeito socialmente e economicamente que vai para a escola com a perspectiva inicial de que, com o estudo, vai conseguir melhorar sua vida. Mas chega lá e encontra uma escola que não está preparada para recebê-lo e isso termina fazendo com que ele se desiluda ainda mais. Esse não é um problema apenas da escola pública. Não tenho dúvida em dizer que 90% das escolas particulares são piores ou iguais às escolas públicas, sejam estaduais ou municipais.

IHU On-Line – Que mudanças precisam ser feitas na estrutura da educação básica hoje no país?

Roberto de Leão – Entre elas, cito a valorização profissional, um financiamento que seja realmente capaz de superar as dificuldades econômicas da educação pública, e uma gestão democrática. Educação é algo caro, realmente, mas o Estado precisa garantir esse investimento, que é um direito de todos. Algumas iniciativas já estão dando certo, como a questão do programa nacional de formação para professores, pois oferece aos docentes uma formação mais adequada. Há também o projeto de capacitação de funcionários de escola, um dos mais pedidos quando os municípios assinam o convênio do Plano de Desenvolvimento  da Educação - PDE com o governo federal.

IHU On-Line – O MEC planeja trocar as 12 matérias curriculares do ensino médio por quatro áreas temáticas. Como o senhor vê essa questão?

Roberto de Leão – Do ponto de vista da tese, acho interessante. Mas é preciso que se avalie também que há seres humanos, trabalhadores que atuam na organização do ensino médio do jeito que ele se constitui hoje. Não adianta simplesmente eu ter uma ideia e oferecê-la, sem pensar em quem vai trabalhar nesse novo projeto. Também temos que pensar nos profissionais que atuam no formato que está em vigor e como eles vão ficar daqui para a frente. Não podemos aceitar que essas mudanças gerem desempregos. É uma proposta que merece muito debate sobre sua implementação, pois é preciso fazer uma grande reflexão sobre o ensino médio.


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