24 Agosto 2013
"Apesar da existência de benefícios limitados na nova lei alemã, o verdadeiro progresso para as pessoas intersexuais não é medido pelo número de rótulos disponíveis, mas pelo fim das violações de direitos humanos atualmente sendo infligidas. Tratamento cirúrgico ou hormonal por motivos cosméticos, não médicos, deve ser adiado até uma idade em que a pessoa intersexual possa dar seu consentimento prévio, livre e bem informado", escreve Silvan Agius, diretor de políticas da ILGA Europe - a divisão europeia da Associação Internacional de Gays, Lésbicas, Bissexuais, Transgênero e Intersexuais, em artigo publicado na revista Der Spiegel e reprduzida pelo portal Uol, 23-08-2013.
Eis o artigo.
Pessoas intersexuais, isto é, aquelas que nascem nem exclusivamente masculinas e nem exclusivamente femininas, formam um dos grupos mais invisíveis em nossa sociedade. Diferente da crença popular, isso tem pouco a ver com sua suposta raridade e mais com a violência que nossa sociedade inflige a aqueles que não se enquadram nas categorias binárias e mutuamente exclusivas "masculino" e "feminino".
Quando nascemos, a primeira pergunta feita a respeito de cada um de nós foi, provavelmente, se éramos um menino ou uma menina. Perguntas sobre nossa saúde e bem-estar vêm depois, se é que são feitas. Ao crescermos, é incutido em todos nós os papéis de gênero baseados no sexo que nos é designado no nascimento. Nos é ensinado como exercer nosso gênero de modo a atender as expectativas sociais. Qualquer divergência é punida, enquanto as afirmações socialmente aceitas de nosso gênero são recompensadas.
Esse cenário não deixa espaço para a expressão de variação ou ambiguidade, não importa quão pequena. Por sua vez, a maioria de nós internaliza um senso de repulsa quando diante da ambiguidade de gênero e sexo.
Relativamente poucas pessoas estão cientes de que os corpos dos bebês detectados como intersexuais são medicados e sua genitália rotineiramente modificada para se enquadrarem nas expectativas do cirurgião dos padrões feminino ou masculino, sem seu consentimento. As primeiras cirurgias e tratamentos costumam ser realizados nos recém-nascidos ou bebês, com consentimento de seus pais frequentemente confusos e inadequadamente informados. Esses procedimentos médicos costumam ser cosméticos e raramente necessários para o bem-estar das pessoas intersexuais.
O exemplo australiano
O argumento predominante para essas cirurgias continua sendo o estigma e a manutenção de nosso entendimento distorcido do sexo binário, que são mantidos pela eliminação das diferenças intersexuais. É um ciclo vicioso que tem um alto preço para as pessoas intersexuais, frequentemente pago em silêncio e solidão enquanto tentam entender por que seus corpos foram violados e suas vidas tão profundamente marcadas.
Mas há uma luz no fim do túnel. A conscientização dessas violações de direitos humanos está crescendo e mais atenção está sendo dada para as necessidades das pessoas intersexuais do que antes.
A Comissão Nacional Consultiva de Ética Biomédica suíça pediu desculpas em novembro de 2012 pelo tratamento dado anteriormente, pedindo pelo "fim da cirurgia por motivos psicossociais". A comissão também pediu pelo adiamento de tratamento não trivial até que a criança possa consentir, uma política implantada com a força de sanções criminais. Eles dizem que "não há garantia de que a decisão que é boa para a criança" também será a melhor para o futuro adolescente ou adulto.
Neste ano, a Austrália fez grande avanço por meio da adoção de uma lei antidiscriminação, que protege o "status intersexual" tanto quanto os relacionados a sexo e raça. O governo também adotou novas diretrizes para o reconhecimento de sexo e gênero, que estão sendo implantadas. O sistema de saúde australiano está removendo as referências de gênero em seus serviços, se concentrando nas necessidades biológicas específicas de seus pacientes, em vez de seu sexo ou gênero legais.
Além disso, o Senado australiano está realizando um inquérito formal sobre a esterilização involuntária ou por coerção de pessoas intersexuais. Um relatório anterior do Senado sobre a esterilização de pessoas com deficiências físicas recomendou a substituição de um teste falho sobre "melhor interesse da criança" por um novo teste de "melhor proteção dos direitos". Ele também apontou preocupações com o escopo da cirurgia "terapêutica".
Maior conscientização
A nova lei alemã que entrará em vigor em 1º de novembro provocou grande interesse na mídia, principalmente pela criação de uma opção de "gênero indeterminado" nas certidões de nascimento. Apesar de saudada como um sinal dos tempos por alguns e como o fim da civilização ocidental por outros, nenhum repórter perguntou como isso melhoraria na prática a qualidade de vida das pessoas intersexuais, particularmente com a continuidade das cirurgias genitais cosméticas em bebês.
Resumindo, apesar da existência de benefícios limitados na nova lei alemã, o verdadeiro progresso para as pessoas intersexuais não é medido pelo número de rótulos disponíveis, mas pelo fim das violações de direitos humanos atualmente sendo infligidas. Tratamento cirúrgico ou hormonal por motivos cosméticos, não médicos, deve ser adiado até uma idade em que a pessoa intersexual possa dar seu consentimento prévio, livre e bem informado.
Questões intersexuais deveriam deixar de ser entendidas como sendo médicas e passar a serem tratadas mais proeminentemente por instituições de direitos humanos. O direito à integridade do corpo e autodeterminação deve ser assegurado e os abusos do passado devem ser reconhecidos. Os governos devem aprender com a Austrália e seguir seu exemplo, ao tratarem as preocupações de direitos humanos em parceria com as próprias pessoas intersexuais.
A nova lei alemã gerou conscientização. Agora nós precisamos de soluções.
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Lei alemã 'cria' gênero 'indeterminado' em certidões de nascimento - Instituto Humanitas Unisinos - IHU