08 Julho 2013
Nesta segunda-feira, 8 de julho, o Papa Francisco visitará a cidade de Lampedusa, ao Sul da Itália, uma das principais rotas de entrada de refugiados do Norte da África em direção à Europa. A costa do Mediterrâneo naquela região é digna de uma versão contemporânea do inferno de Dante. Nos poucos mais de 100 quilômetros de mar que dividem a Europa do Norte da África já morreram milhares de pessoas. A maioria delas em função dos naufrágios das precárias embarcações, mas parte faleciam por falta de água e comida, enquanto ficavam à deriva no mar.
Foto: http://jc3.uol.com.br |
Esta será a viagem oficial de estreia do Papa Francisco. O pontífice irá a Lampedusa nas primeiras horas da manhã da segunda-feira e deve retornar após ao meio-dia, como informou sua assessoria no Vaticano. Durante o percurso, o papa argentino lançará ao mar uma coroa de flores em homenagem aos imigrantes que morreram em numerosos naufrágios. Em seguida deve encontrar imigrantes que estão alojados no centro de imigração de Lampedusa e em seguida presidirá uma missa na praça esportiva da ilha. Concluída a missa, regressará a Roma.
“O Papa Francisco, profundamente tocado pelo recente naufrágio de uma embarcação que transportava imigrantes provenientes da África, último de uma série de análogas tragédias, deseja rezar pelos que perderam a sua vida no mar, visitar os sobreviventes e refugiados presentes, animar os moradores da ilha e fazer um chamado à responsabilidade de todos, para que se ocupem destes irmãos e irmãs em extrema necessidade”, afirmou o porta voz do Vaticano, padre Federico Lombardi.
Apesar de esta ser a primeira viagem oficial do Papa, o porta-voz insistiu no caráter “discreto e simples” que o papa deseja dar à visita. Para tanto estará acompanhado de um reduzido séquito e poucos bispos ou pessoal do Vaticano.
Lampedusa, a entrada da Europa
Lampedusa fica a cerca de 113 quilômetros da Tunísia e se tornou uma das principais portas de entrada de refugiados das zonas de conflito no Norte da África. Anualmente, milhares de imigrantes irregulares procedentes da África e da Ásia se arriscam em precárias embarcações, em busca de um futuro melhor na Europa.
A ilha é parte da província italiana da Sicília e foi tradicionalmente conhecida pela boa pesca e pelas suas belas praias. Entretanto, a última década foi marcada pelo horror da morte de refugiados de países como Líbia, Tunisía, Egito, entre outros. Muitas travessias não lograram êxito e o número exato de mortos é incalculável.
Entenda o que aconteceu em Lampedusa
A IHU On-Line preparou um material com reportagens veiculadas nas Notícias do Dia nos últimos quatro anos sobre a situação em Lampedusa e traça um panorama geral para tentar mostrar o que isso significa em termos globais.
A matéria é de Ricardo Machado.
Homens jogados ao mar
Não bastasse todas dificuldades que existem em atravessar mais de 100 quilômetros em mar aberto, a bordo de embarcações superlotadas e precárias, os refugiados que se arriscavam nessas viagens da morte tinham ainda que enfrentar o fantasma de mitos para acalmar o oceano.
“É a maldição da tempestade. Quando as ondas agitam furiosamente o barco a culpa é sempre de alguém que está ao lado, alguém possuído por espíritos malignos, alguém que traz infelicidade para os migrantes que há dias não veem a terra. Então, fazem-se ‘sacrifícios’ em alto-mar. Também se pode morrer assim no meio do Mediterrâneo”, conta um dos sobreviventes ganeses de apenas 16 anos, que viu seu irmão ser jogado ao mar.
Bomba humana
Em 2011, quando foi deflagrado o conflito entre a sociedade civil e o governo de Muamar Khadafi, o Estado líbio usava pessoas como “bombas”, enviando-as ao velho continente para pressionar a comunidade Europeia a não apoiarem os insurgentes. De acordo com a Organização Internacional para as Migrações - OIM, muitos dos imigrantes enviados à Lampedusa foram obrigados pelas forças de Khadafi a subir em barcas precárias para atravessar o Mediterrâneo. A munição humana como estratégia de guerra provocou, entre outras razões o naufrágio de um barco com 600 fugitivos.
O valor da guerra
Embora o discurso dos Estados desenvolvidos em relação as questões globais comporte uma potência de generosidade, na prática isso não ocorre. Segundo reportagem do jornal Página 12, a OIM fez um chamado para arrecadar US$ 160 milhões de dólares com o objetivo de intervir na crise da Líbia. Mas recebeu apenas 68 milhões de euros. A guerra, entretanto, tem um custo exorbitante. Uma hora de voo do avião francês Rafale custa 16 mil dólares. Uma hora de voo do ultramoderno avião francês Mirage custa 13 mil dólares . Uma hora de navegação do porta-aviões Charles de Gaulle custa 60 mil dólares. As bombas e mísseis lançados contra Khadafi cada uma custa entre 320 mil e 450 mil dólares.
Confronto diplomático
Durante as semanas de confronto, autoridades europeias discutiram o destino de milhares de migrantes amontoados em abrigos improvisados na pequena ilha de Lampedusa. Diante de um "êxodo de proporções bíblicas", a UE estaria demonstrando "inércia", disseram ministros italianos, em reportagem publicado em abril de 2011 no jornal Deutsche Welle. Desde que o ex-presidente da Tunísia, Zine El-Abidine Ben Ali, foi deposto em janeiro de 2011, mais de 22 mil tunisianos chegaram a Lampedusa.
Recusa da UE em ajudar a Itália
Ainda em abril de 2011, quando os primeiros imigrantes assustados com os horrores dos enfrentamentos entre os a sociedade civil e o Estados do Norte África fugiam em massa em direção à Europa, a Itália pediu apoio à União Europeia – UE. Os 27 ministros do Interior do bloco se reuniram em Luxemburgo para discutir o destino dos mais de 22 mil refugiados na Itália, mas não chegaram a um consenso sobre um apoio em comum, explicou a comissária de Interior da UE, Cecília Malmström. Na Ilha de Lampedusa, a casa que tinha capacidade de abrigar 800 pessoas esteve novamente superlotada em grande parte do tempo com mais de mil refugiados, sendo que a todo instante chegavam barcos com mais de centenas a bordo.
Cemitério no mar
Quando, em março de 2011, 335 norte-africanos embarcaram em Cirenaica desejavam ir a Lampedusa, mas o destino final foi a morte. Eram etíopes, somalianos, eritreus. Todos, empilhados em um barco de madeira podre e fugiam da guerra civil, haviam conseguido subir a bordo depois de 13 dias de espera, o mar estava muito tranquilo, um deles, com o telefone via satélite, havia telefonado para Roma para avisar que finalmente haviam conseguido rumar em diração à Itália.
Do grupo que embarcou ninguém se salvou. Dos corpos, apenas 70 deles foram encontrados na costa líbia e foram enterrados sem identificação. A realidade, porém, não é nova. “Há anos, no Mediterrâneo, eles morrem aos milhares", relatou o Pe. Mosè, sacerdote negro e presidente da agência humanitária Habesha. “Na absoluta indiferença. Sem corpos, não há naufrágio. Sem náufragos, não há mortos que fazem estatísticas. Desaparecidos”, concluiu.
E eles, os tunisianos, com desprezo, escutavam o respiro do mar e diziam: "Est la merde du noir". Era o fedor dos cadáveres. Depois de poucos anos, o mar de Zarzis sempre libera esse cheiro. Mas não engole mais só os negros. Agora, engole todos.
Patrulha para interceptar imigrantes
Quando as viagens de refugiados ainda estavam no início, o Estado italiano convocou uma reunião de urgência com a União Europeia para discutir a "emergência" migratória do Norte da África e defendeu o envio de barcos de patrulha para as proximidades da costa tunisiana para interceptar os imigrantes. "Temos de mobilizar os países do Mediterrâneo que tenham frotas de avião, helicópteros e barcos", exortou o então chanceler Franco Frattini. Segundo ele, a Itália não poderia lidar sozinha com essa situação de forma eficiente.
Uma ilha sem problemas
Cerca de dois anos antes de iniciarem os conflitos no Norte da África o centro de recebimento de refugiados da ilha de Lampedusa ficou vazio. Isso por conta da severa política de imigração italiana na época. O ministro então italiano do Interior, Roberto Maroni, da Liga Norte, partido italiano de extrema direita, quis assim provar o sucesso de sua política xenófoba para refugiados, com o esvaziamento do centro de refugiados.
Nem mesmo a vice-diretora do campo de admissão de refugiados de Lampedusa, Paola Silvino, soube explicar oficialmente as razões pelas quais o campo se ficou vazio, embora elas sejam óbvias. A estratégia de Maroni, na ocasião, foi interceptar embarcações de refugiados em alto-mar pela guarda costeira e obrigá-las a se dirigirem à Líbia, antes que qualquer passageiro tenha posto os pés na Itália e adquira, assim, a possibilidade de requerer asilo.
A Itália, desta forma, transgrediu a Convenção para Refugiados de Genebra. Além disso, Lampedusa é um dos pontos nevrálgicos nessa questão. Se dali não saem imagens de refugiados para serem divulgadas pela mídia, isso significa, na lógica que Maroni vende como bem-sucedida, que não há mais refugiados no país.
Frases
"Muita gente diz que os imigrantes são criminosos, devido às fugas em massa de prisões africanas nos últimos dias, mas olhando aqueles rostos, não acho que sejam", Bernardino de Rubeis, prefeito de Lampedusa, em reportagem publicada no jornal Valor, 14-02-2011.
"Estão mortos, estão mortos. Afundaram diante dos nossos olhos, engolidos pelo mar agitado”, frase de refugiados sobreviventes ao chegarem no porto de Lampedusa, em reportagem publicada no jornal La Repubblica, 15-03-2011.
"Ficamos no mar por oito dias. No quinto, o motor ficou avariado. No sétimo, chegaram as ondas, nos apertávamos uns contra os outros. Também estava conosco um menino de 5-6 anos. E, de repente, acabamos na água", Ibrahim, somaliano, em reportagem ao jornal La Repubblica, 04-04-2011.
"Disseram-me que, entre aqueles 335, havia 20 mulheres e 20 crianças, que estavam bem, embora a embarcação tivesse pouco combustível. Depois, a conexão se interrompeu e não consegui mais contatá-los", Mosè Zerai, sacerdote negro e presidente da agência humanitária Habesha, reportagem publicada no jornal La Repubblica, 04-04-2011.
"O barco, com a sua carga de desesperados, recém havia virado, e todos os 300 haviam acabado na água", Francesco Rifiorito, 47 anos, capitão do pesqueiro a motor Cartagine, reportagem publicada no jornal La Repubblica, 07-04-2011.
“Esta ‘estragédia’ mostra que o regime não tem escrúpulos. Não hesita em colocar em risco centenas de vidas, permitindo que barcos completamente inadequados zarpem com o objetivo de provocar uma onda de migração na costa norte do Mediterrâneo", Laura Boldini, porta-voz do Alto Comissariado para os Refugiados - Acnur, em reportagem do jornal Página/12.
"Uma tragédia que nos deixa chocados. Pela enésima vez, encontramo-nos contando o número de mortos no Mediterrâneo, na tentativa desesperada de chegar à Europa”, padre Giovanni La Manna, presidente do Centro Astalli, em reportagem à revista Popoli, dos jesuítas italianos, 11-07-2012.
"Eu gostaria de pensar que as lágrimas dos seus olhos, que fluíram no momento da sua eleição, poderiam se encontrar com as lágrimas de todo homem e de toda mulher que sofrem nos quatro cantos do mundo", Stefano Nastasi, pároco de Lampedusa, em reportagem publicada no sítio National Catholic Reporter, 02-06-2013.
Leia também:
- Refugiados, uma diáspora em tempos globais. Revista IHU On-Line, edição 362, 23-05-2011.
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Papa Francisco visita Lampedusa, o inferno no Mediterrâneo - Instituto Humanitas Unisinos - IHU