“Nada me deixa mais feliz do que ver as meninas crescerem na nossa terra. Construir um lugar que é nosso há milênios, que voltará a ser nosso, porque é assim que tem que ser”. Akiva Van Koningsveld nasceu e cresceu em Haia, estudou jornalismo e direito em Utrecht e começou a trabalhar no Centro para a Informação e Documentação israelense, centro que promove a difusão dos valores da cultura judaica. Ele visitou Israel diversas vezes, até a decisão em 2020 de se mudar para Eli, um assentamento na Cisjordânia, com Rachel, uma texana de Dallas, com quem se casou um ano depois. Hoje eles têm duas filhas, moram em casa alugada e recentemente compraram uma, ainda no papel, que faz parte dos projetos de expansão do assentamento.
A reportagem é de Francesca Mannocchi, publicada por La Stampa, 09-03-2024. A tradução é de Luisa Rabolini.
O site em que Rachel conta sobre sua decisão de se mudar para Israel se chama: My Aliyah Story [a história da minha Aliyah]. A palavra "aliyah" em hebraico significa ascensão, representa a imigração dos judeus da diáspora para a Terra de Israel, e é um dos princípios fundamentais do sionismo.
“Estamos aqui para colocar em prática o nosso projeto sionista – conta Akiva – já não era mais suficiente proteger os nossos valores do exterior. Como muitos, viemos aqui para nos estabelecermos para sempre”. Para isso seguiram o procedimento, preencheram um requerimento, foram designados a um consultor-aliyah, reuniram os documentos, passaram pelas entrevistas com o Shaliach, o representante da agência judaica, recebram um visto, reservaram o voo e voltaram para casa.
Desde o início da guerra, centenas de "olim" como eles, os novos imigrados, multiplicaram-se, especialmente da França, Grã-Bretanha, Estados Unidos e Canadá. Somente no último trimestre do ano mais de 4 mil estadunidenses apresentaram pedidos para os procedimentos de chegada e inserção de trabalho, segundo dados da organização Nefesh B'Nefesh, que presta assistência aos judeus da América do Norte para fazer a aliyah em Israel, um aumento de 142% em relação ao ano anterior.
Akiva nunca acreditou na solução de dois Estados, acredita ainda menos depois do 7 de outubro. Também não acredita nos números dos massacres em Gaza e pensa que as vítimas civis não são civis, porque na Faixa de Gaza todos apoiam o Hamas e as vítimas colaterais são o preço da vitória.
Ele também não tolera críticas aos ministros de extrema direita, como o ministro das Finanças, Bezalel. Smotrich, membro do partido de extrema-direita Sionismo Religioso, “porque ele é o único que diz o que as pessoas realmente pensam, ou seja, que temos que pegar o que é nosso, é por isso que estamos aqui". Não é por acaso que foi o próprio Smotrich, há poucos dias, quem afirmou que dos três pilares do sionismo “segurança, assentamentos e aliyah”, o último tinha sido demasiado negligenciado. Por isso, juntamente com o ministro da integração, Ofir Sofer, anunciou um plano de ajuda financeira aos novos “olim” lançando as bases para “duplicar em pouco tempo a população dos colonos" na Cisjordânia. Um plano de 70 milhões de shekels (pouco mais de 19 milhões de dólares) para garantir uma quantia mensal durante dois anos para cada imigrante que escolha viver na “Judeia, Samaria, e além da Linha Verde”.
No final de fevereiro, no posto de serviço na entrada do assentamento de Eli, um palestino matou um rabino e um garoto de 16 anos. É o segundo ataque fatal em menos de um ano perto de Eli e soma-se aos já elevados números da violência e das vítimas na Cisjordânia, que estão em aumento após o massacre de 7 de outubro. Ataques palestinos contra colonos e ataques de colonos nas comunidades palestinas. Colonos hoje armados. Após o ataque do Hamas, foi o ministro da Segurança Nacional, Itamar Ben Gvir, a anunciar a distribuição de 10 mil fuzis de assalto no país. Yossi Dagan, chefe do Conselho de Samaria, já havia declarado no final de outubro que havia recolheu “milhões de shekels” de doadores de todo o mundo para distribuir armas a “equipes de segurança civil na região de Samaria", no norte da Cisjordânia.
“É a nossa parte na defesa dos assentamentos, assim seremos parte integrante da vitória de Estado de Israel", declarou durante a distribuição dos primeiros 300 fuzis. Akiva também tem uma arma e está orgulhoso disso. Ele não se assusta com a possibilidade de utilizá-la, na verdade pensa que a decisão de distribuir armas a civis deveria ser “ampliada na Judeia e Samaria” para tornar os assentamentos postos avançados da proteção de Tel Aviv e de todo o Estado de Israel.
An Israeli military bulldozer chases Palestinian civilians and vehicles during the ongoing raid of Jenin in the occupied West Bank. pic.twitter.com/OpGvexELRE
— Quds News Network (@QudsNen) March 12, 2024
Ele diz isso enquanto caminha no monte mais alto de Eli, foi lá em 2020 que se casou com sua esposa Raquel. De lá se pode ver os quatro novos blocos de edifícios em construção, nas áreas de expansão do assentamento, todos realizados depois de 7 de outubro. “É a nossa forma de mostrar que estamos aqui para ficar e que quanto mais construirmos na nossa terra mais poderemos garantir segurança para todo o país”.
Como muitos aqui, ele desaprova a lei internacional que considera as colônias ilegais e defende a sua legitimidade. Ele não se sente insultado quando o chamam de colono, porque “os judeus receberam de Deus a chamado para se estabelecer em Israel”. Os palestinos do outro lado das colinas só podem ficar se aceitarem viver em um estado judaico. O único problema, diz ele, é que até quatro meses atrás “permitíamos que entrassem em Eli para trabalhar na construção e hoje não os deixamos mais entrar". Por isso que os colonos estão pedindo ao governo que facilite a entrada de outros trabalhadores do exterior.
Em 22 de fevereiro, poucas horas depois de três homens armados palestinos dispararem contra os carros em uma rua perto de Ma'ale Adumim, Smotrich apresentou um plano para novos assentamentos. Smotrich declarou que somente no ano passado foi aprovada a construção de 18 mil novas casas nos assentamentos na Cisjordânia e será ele quem apresentará os planos para a construção de mais de duas mil unidades em Ma'ale Adumim, a leste de Jerusalém, 300 em Keidar e 694 em Efrat, que juntar-se-ão aos 160 assentamentos construídos pelos colonos desde 1967 na Cisjordânia e nos quais, até o momento, vivem aproximadamente 700 mil pessoas. Para ele, assim como para os demais expoentes políticos que representam os colonos, a expansão dos assentamentos é um dos meios para garantir a segurança do estado de Israel: “Os inimigos tentam nos prejudicar e enfraquecer, mas continuaremos a construir e nos estabelecer nessa terra", é assim que explicou o novo plano de expansão após o ataque a Ma'ale Adumim. Palavras que provocaram mais um distanciamento da administração estadunidense, depois das sanções contra os colonos responsáveis por violências contra os palestinos. O Secretário de Estado estadunidense Antony Blinken reiterou a "firme oposição dos Estados Unidos à expansão dos assentamentos porque isso apenas enfraquece e não fortalece a segurança de Israel”.
Gaza, na visão da extrema direita sionista, faz parte do projeto. Não são apenas os apoiadores, mas também os ministros que pedem que os palestinos deixem Gaza e que os judeus possam reconstruir os assentamentos deixados em 2005.
Pouco mais de um mês se passou desde que se realizou em Jerusalém a "Conferência para a vitória de Israel". A tese do encontro era que só existe uma solução para garantir a segurança, ou seja, o retorno dos judeus “tanto à Faixa de Gaza como à Judeia e Samaria” (Cisjordânia).
O plano é expulsar a população local e restaurar os assentamentos. O encontro teve um amplo eco não só pela violência das declarações dos colonos presentes contra os civis em Gaza, mas também porque as palavras dos políticos presentes foram ainda mais inflamadas: dez ministros de quatro partidos – Likud, Sionismo Religioso, Otzma Yeduhit e Judaísmo da Torá Unida – e 27 parlamentares, um número que corresponde a um quarto do parlamento iraelense.
“Só a transferência da população garantirá a paz” foi um dos slogans mais repetidos, juntamente com citações do Livro dos Números: “Então expulsarão todos os habitantes da terra”, “Mas se vocês não expulsarem os habitantes da terra eles vão hostilizar vocês na terra em que vocês vão habitar”.
Segundo Gayil Talshir, cientista política da Universidade Hebraica de Jerusalém, entrevistada pelo New Yorker “a direita deu aos versículos uma interpretação literal, isto é: se você permitir que seus inimigos permaneçam ao seu lado, eles o matarão, portanto, os palestinos devem ser mortos na guerra ou expulsos”.
Na prática, o projeto de Smotrich, que escreveu em 2017 no seu “Plano Decisivo”: “O modelo dos ‘dois estados’ levou Israel a um beco sem saída. A alternativa a isso é uma nova disponibilidade de sociedade israelense para vencer o conflito, em vez de simplesmente geri-lo – uma vitória baseada na consciência de que não há espaço na Terra de Israel para dois movimentos nacionais em conflito”. E, sobre o destino dos palestinos: “Aqueles que optam por não abandonar as suas ambições nacionais receberão ajuda para emigrar para um dos muitos países onde os árabes realizam as suas ambições nacionais, ou para qualquer outro destino no mundo”. Em outras palavras: um aviso de expulsão coletiva. Os analistas consideram que a ideia dos reassentamentos em Gaza é uma opinião minoritária e um projeto com resultado improvável. O próprio Netanyahu, que não pode se dar ao luxo de perder o apoio diplomático na guerra e sabe que os Estados Unidos estão cada vez mais críticos em relação à expansão dos assentamentos na Cisjordânia e às declarações dos ministros da extrema direita, depois do encontro de Jerusalém escreveu que “Israel não tem intenção de ocupar permanentemente Gaza ou deslocar a sua população civil”. Seus ministros, no entanto, continuar a encorajar a deslocação como parte da “solução justa para o conflito”.
Há uma semana, cem colonos assaltaram a passagem de Erez, na fronteira norte com Gaza hoje considerada uma “zona militar fechada” pelo exército israelense. Cerca de vinte deles conseguiram avançar algumas centenas de metros, construindo um posto avançado como aqueles que, na Cisjordânia, se tornam um prelúdio para novos grandes assentamentos. Depois de meia hora, um veículo militar os trouxe de volta entre aplausos e os gritos dos outros manifestantes “é a nossa terra”, “os filhos vão voltar para sua terra”. Fazem parte dos grupos que chegam regularmente aos locais de passagem para se manifestarem contra o acesso das ajudas humanitárias em Gaza.
Estavam lá também dois dias atrás. David, 18 anos, chegou de ônibus do assentamento de Shilo, é um ativista do Fórum Tikva, a alternativa de direita ao principal grupo que pede o cessar-fogo para a libertação dos reféns. Eles, sionistas religiosos pró-governo, são de outra tendência.
Primeiro o Estado, depois os sequestrados. O mesmo que dizer que não podem se antepor os compreensíveis desejos dos familiares de rever seus entes queridos que ainda estão nas mãos do Hamas à segurança do país. Segurança que coincide com a continuação da guerra até a vitória total.
Na camiseta de David está a palavra Tikva, que significa Esperança e que para ele tem muitos significados. O primeiro é destruir o Hamas. O segundo é que os judeus retornem o mais rápido possível para recuperar a terra que lhes pertence, ou seja, a Faixa de Gaza, porque “o povo de Israel pertence à Terra de Israel”. Para ele, assim como para os demais apoiadores dos protestos, o bloqueio da ajuda humanitária e o reassentamento nos territórios deixados em 2005 fazem parte da mesma vitória.
Para ele, tal como para muitos eleitores israelenses, a decisão de evacuar 21 assentamentos e 9.000 civis em 2005 é uma injustiça histórica que deve ser remediada.
Tzivka Mor, o fundador do Fórum, tem um filho sequestrado em Gaza, Eitan. Ele também não tem dúvidas:
“É necessário criar uma crise humanitária na Faixa”, diz ele. Só assim será possível forçar o Hamas a render-se, atacar Rafah mais “rapidamente, empurrar os palestinos para o Egito ou expulsá-los para os países” que os apoiam e retomar a terra. A qualquer custo. Mesmo considerando os entes queridos, até mesmo os filhos, parte do preço da guerra. “As pessoas sentem o que nós pensamos, é hora que governo entenda isso”.