16 Agosto 2023
Em seu novo livro, Phyllis Zagano explora a tradição católica em busca de intuições que surgem quando entramos mais profundamente nas tensões e nas contradições da nossa realidade atual – principalmente a contradição do status periférico simultâneo das mulheres dentro da Igreja, apesar do fato de sermos o centro dela por meio de nossa presença desproporcional nos bancos das igrejas e do trabalho e do serviço feitos em sua missão.
O comentário é de Maureen O’Connell, professora de Ética Cristã na La Salle University, na Filadélfia, e uma das diretoras do projeto Discerning Deacons, que apoia o discernimento ativo na Igreja sobre as mulheres no diaconato.
A resenha foi publicada por National Catholic Reporter, 12-08-2023. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Estou tendo dificuldades em acompanhar a Igreja Católica Romana nos dias de hoje. Como eticista teológica católica com inclinação feminista, ninguém fica mais surpreso com esses desdobramentos do que eu. Bem, exceto talvez por Phyllis Zagano.
Zagano passou grande parte de sua vocação teológica argumentando de forma bíblica, histórica e até mesmo canônica sobre um tema retumbante que está vindo à tona no processo sinodal global sobre “Comunhão, Participação e Missão”: a plena participação das mulheres na vida da Igreja.
No entanto, ao ler seu último livro, intitulado “Just Church: Catholic Social Teaching, Synodality, and Women” [Igreja justa: ensino social católico, sinodalidade e mulheres], eu me pergunto se até mesmo Zagano – uma especialista em Vaticano na maioria das questões relacionadas às mulheres no diaconato à luz de seu serviço na primeira das duas comissões teológicas convocadas pelo Papa Francisco sobre o assunto – poderia imaginar as mudanças dramáticas em nossa atual realidade eclesial desde o lançamento do livro no início deste ano.
Estamos a apenas algumas semanas da XVI Assembleia Geral Ordinária do Sínodo dos Bispos, na qual, pela primeira vez na história da Igreja, mais de 50 mulheres terão o mesmo status de voto que seus irmãos bispos em questões centrais para a autocompreensão da Igreja no novo milênio.
ZAGANO, Phyllis. Just Church: Catholic Social Teaching, Synodality, and Women: Catholic Social Teaching, Synodality, and Women. Paulist Press, 2023. 128 páginas. (Foto: Divulgação)
Apesar do espanto (ou suspeita, ou até mesmo censura) sobre as decisões do Papa Francisco de puxar as mulheres e as nossas preocupações da periferia para o centro da Igreja nessa jornada sinodal, o livro “Just Church” demonstra que, de fato, não se trata de desdobramentos “esquerdistas”.
A visão geral e concisa de Zagano sobre três tópicos extensos – a tradição social da Igreja sobre justiça, a metodologia antiga e ainda reemergente da sinodalidade e a história moderna das mulheres no ministério eclesial –, através das lentes da experiência vivida pelas mulheres na Igreja, simultaneamente nos ajuda a entender como essa reviravolta deveria ser ordinária e como ela é realmente uma oportunidade extraordinária para se repensar a participação das mulheres na Igreja. Ela também capacita a todos nós a sermos participantes ativos nos discernimentos sinodais – também – sobre as mulheres que ocorrerão em Roma em outubro.
De certa forma, esse texto acessível pode ser lido como três resumos do “estado da questão”, semelhante à incrivelmente útil série “What are They Saying About”, da Paulist Press: o que eles estão dizendo sobre as mulheres na doutrina social católica, sobre as mulheres nos sínodos modernos (incluindo este sínodo) e sobre a liderança e a ordenação de mulheres, duas questões particularmente espinhosas que certamente forçarão os músculos do discernimento comunitário no sínodo atual.
Como tal, poderia servir como um estudo rápido dos delegados e delegadas da assembleia geral ou daquelas pessoas que buscam se engajar com ela a partir dos nossos contextos locais.
Embora ela relute em se identificar como uma teóloga feminista, Zagano não faz rodeios aqui, empregando uma hermenêutica feminista para responder à pergunta que ela faz no início do livro: “Como a Igreja pode ser justa?”. Podemos começar com uma aplicação ad intra da doutrina social católica, levantando a experiência vivida pelas mulheres (capítulo 1) tanto dentro quanto fora da Igreja.
Podemos atentar para o protagonismo feminino desencadeado nos sínodos do papado do Papa Francisco (capítulo 2).
Por fim, podemos examinar os precedentes históricos e os desenvolvimentos atuais em torno das “tensões laico-clericais” na governança e na jurisprudência eclesiais (capítulo 3).
Em seu estilo sensato, que é sua marca registrada, Zagano explora a tradição católica em busca de intuições que surgem quando entramos mais profundamente nas tensões e nas contradições da nossa realidade atual – principalmente a contradição do status periférico simultâneo das mulheres dentro da Igreja, apesar do fato de sermos o centro dela por meio de nossa presença desproporcional nos bancos das igrejas e do trabalho e do serviço feitos em sua missão.
O mais importante para mim, como uma organizadora comunitária emergente na Igreja, foi o “mapeamento do poder” do clericalismo feito por Zagano – por exemplo, suas fontes canônicas, quem o está exercendo e como, o próprio sentido evolutivo do Papa Francisco e as motivações das mulheres para interrompê-lo.
O texto não é simplesmente informativo, mas também formativo.
Eu me vi procurando um tecido conectivo mais encarnado, pessoal ou narrativo entre as três seções. A análise de Zagano sobre onde estamos e para onde poderíamos ir como Igreja global teria sido fortalecida ao incluir a experiência de um grupo específico de mulheres ou o testemunho de indivíduos que iluminam o poder das nossas histórias coletivas ao desencadearem o tipo de agência moral de que precisaremos para romper o impasse do clericalismo.
Por exemplo, Zagano poderia ter ampliado algumas de suas reivindicações centrais, demonstrando formas pelas quais as próprias mulheres avançaram ou ampliaram a tradição do ensino social católico ou um pouco mais das histórias das mulheres que ingressaram na Cúria desde que o Papa Francisco lançou sua reforma da Cúria na Praedicate Evangelium de março de 2022.
Dito isso, a professora que há em mim certamente usará “Just Church” em minhas aulas de Ética e de Teologia Feminista, pela clareza e concisão com que Zagano apresenta os fundamentos da doutrina social católica e suas implicações na feminização de todo tipo de injustiça, inclusive a eclesial. E seu capítulo sobre a sinodalidade é uma cartilha para todos nós que estamos lutando para entender que o “sínodo” não é uma forma ultramoderna e dialetal de “fazer sempre a mesma coisa”, mas, na verdade, é um método antigo de autorreflexão eclesial que pode desencadear mudanças por meio de reformas estruturais que ganham vida a partir de conversas individuais e coletivas no Espírito.
O livro já foi uma vantagem para mim para evangelizar sobre o sínodo junto aos meus colegas católicos, especialmente com as mulheres que são compreensivelmente cínicas quando se trata da capacidade de mudança da Igreja.
Mais uma vez, fico maravilhada ao pensar que Zagano preparou essa obra oportuna para nós apenas alguns meses antes de ela e o restante de nós sabermos que as mulheres serão incluídas como delegadas com direito a voto na assembleia geral e antes de todos os católicos serem convidados a se envolver com as 15 planilhas de trabalho do Instrumentum laboris para a assembleia geral, destinadas a nos levar a prestar atenção ao chamado do Espírito para uma comunhão mais inclusiva, para uma participação mais ampla e para uma missão que nos envia para as periferias.
Enquanto esperamos com grande expectativa o que pode acontecer em Roma, o aviso de Zagano me assombra um pouco: “As esperanças das mulheres na Igreja, no entanto, não podem depender de um único homem. Os papas vêm e vão... as discussões circulares continuam”.
Equipada com a perspectiva histórica e com o mapeamento do poder que ela fornece e impulsionada pelas contribuições que mais de 50 das nossas irmãs sem dúvida farão em virtude do Espírito Santo que agirá nelas e por meio delas em outubro, tenho esperança de que todos nós estaremos prontos para ver a nós mesmos, e não apenas a liderança hierárquica, no prognóstico de Zagano: “Como o Sínodo sobre a Sinodalidade pode afetar ou até mesmo mudar a Igreja agora e no futuro? Isso depende de como seus resultados serão recebidos e aplicados”.
“Just Church” nos dá o contexto, o conteúdo e a coragem para esse discernimento comunitário.
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Phyllis Zagano apresenta livro definitivo sobre mulheres e sinodalidade - Instituto Humanitas Unisinos - IHU