18 Julho 2023
Nesta entrevista exclusiva, o cardeal Jean-Claude Hollerich fala sobre o Sínodo da Sinodalidade que será aberto no Vaticano em 4 de outubro, assembleia em que, primeira vez, as mulheres participarão como membros plenos com direito a voto.
A reportagem é de Gerard O'Connell, publicada por America, 13-07-2023.
Em 08-07-2021, o Papa Francisco nomeou o cardeal Jean-Claude Hollerich para o papel principal de relator geral do sínodo. Isso significa que ele será uma das figuras mais influentes do encontro. Como relator geral, ele fará o discurso principal na assembleia plenária em 5 de outubro e também fará uma palestra inicial na abertura da discussão sobre cada um dos cinco “segmentos” do Documento de Trabalho (Uma igreja sinodal, comunhão, Missão, Participação e conclusão). Ele também presidirá a redação do texto que reunirá os frutos do sínodo de outubro de 2023 e lançará os trabalhos para a segunda sessão, a ser aberta em outubro de 2024.
Nascido no sudoeste de Luxemburgo em 1958, o poliglota Hollerich, de 64 anos, é membro da província japonesa dos jesuítas e viveu no Japão de 1985 a 1989 e novamente de 1994 a 2011, quando ocupou cargos de professor e outros na Universidade Sophia, em Tokyo. O Papa Bento XVI o nomeou arcebispo de Luxemburgo em 2011, e o Papa Francisco o nomeou cardeal em 2019, tornando-o relator geral do sínodo dois anos depois. Em 2023, o papa o nomeou para seu Conselho dos Cardeais, composto de nove prelados.
Sentei-me com o cardeal na Cúria jesuíta em Roma na tarde de 30 de junho. Mais cedo naquele dia, ele e o cardeal Mario Grech, secretário geral do sínodo, haviam se encontrado com o Papa Francisco e recebido dele a lista de nomes de alguns 400 participantes que o papa havia aprovado para o sínodo. Conversamos em inglês por mais de uma hora. O artigo a seguir, publicado em duas partes, é baseado nessa conversa.
Ao iniciarmos nossa conversa, o cardeal Hollerich revelou que Francisco está acompanhando de perto todo o processo sinodal. “É um prazer ver o quanto ele se interessa e acompanha. Ele leu tudo. Ele está muito envolvido e conhece todos os detalhes”, disse o cardeal.
O cardeal admitiu que às vezes ele mesmo se preocupou com o fato de o processo sinodal não funcionar, “mas depois vejo como o Espírito Santo nos guiou” durante as duas primeiras fases do processo sinodal – a fase de escuta na reunião diocesana e nacional (2021-2022), e a fase continental (2023). “É realmente incrível o que foi feito em tão pouco tempo, e como todas as pessoas que participaram disso se sentem parte disso e são um pouco mais felizes como católicos, como cristãos, e se sentem mais em comunhão não só uns com os outros, mas também com Deus nosso Pai. Isso é, para mim, um verdadeiro sinal. E isso é mais forte do que as preocupações que eu tinha no começo”, disse ele.
Como relator geral, o cardeal Hollerich participou das assembleias continentais pela Europa em Praga, pela Ásia em Bangkok, pela África em Adis Abeba e pela América Latina em Bogotá. Ele não pôde assistir à assembleia da Oceania em Suva, Fiji, porque coincidiu com a europeia. No entanto, a subsecretária do sínodo Nathalie Becquart, XMCJ, estava presente lá, assim como o bispo australiano, o dom Timothy Costelloe, a quem o cardeal Hollerich chamou de “um de nossos colaboradores próximos”, e eles o informaram sobre o que aconteceu.
“Senti que deveria estar presente nos sínodos continentais e ouvir o povo de Deus”, disse o cardeal Hollerich. “Era importante ouvir as diferentes vozes, para fazer justiça às pessoas; caso contrário, existe o perigo de você ter seu próprio conceito e tentar forçá-lo. Então, como relator, você tem que ouvir as pessoas, o povo de Deus e os diferentes continentes”.
Refletindo sobre essas assembleias, ele disse: “Vi tantas pessoas em todo o mundo se reunindo, orando e saindo com o mesmo sentimento. Para mim isso é incrível. Eu – nós – pudemos sentir a presença do Espírito Santo, a orientação de Deus. Portanto, estou confiante de que Deus continuará nos inspirando nesta jornada sinodal”.
Ele relatou ao Papa Francisco e, de suas conversas com o papa, concluiu: “Acho que o Papa Francisco está muito confiante… Mas ele não está confiante demais no sentido de que também vê as dificuldades…. Isso mexeu com as coisas”.
O cardeal Hollerich concorda que o Sínodo da Sinodalidade é muito diferente de qualquer outro sínodo que ocorreu desde que Paulo VI estabeleceu a instituição pela primeira vez em 15-09-1965, a pedido do Concílio Vaticano II (1962-1965). “É um desenvolvimento”, comentou. “Paulo VI já indicou que poderia haver mais desenvolvimento na sinodalidade”.
Desde que Francisco se tornou papa, disse ele, “vemos um desenvolvimento em todos os sínodos” em termos de consultas antes da assembleia sinodal. No Sínodo da Família (2014-2015), “existiram algumas questões que ainda são muito complicadas até para as pessoas entenderem”. Para o Sínodo Mundial da Juventude (2018), “houve um pré-sínodo dos jovens, e muito do que esses jovens disseram entrou no documento de trabalho desse sínodo”. Depois, para o Sínodo da Amazônia (2019), “você tinha a REPAM [Rede Eclesial Pan-Amazônica] e toda uma rede de preparação”. E agora para este Sínodo, disse o cardeal Hollerich, “mais um passo foi dado; houve todo um processo que faz parte do sínodo, e o sínodo dos bispos que será realizado em outubro de 2023 e outubro de 2024 é apenas a conclusão de todo esse processo”.
Embora leigos e homens, clérigos e religiosos e religiosas – em outras palavras, "não bispos" – participem como participantes do sínodo com direito a voto ao lado dos bispos, o cardeal Hollerich disse que ainda será chamado de “Sínodo dos Bispos”. Ele explicou que os leigos, clérigos e religiosos dos diversos países e continentes presentes “têm uma função especial: são os testemunhos do processo [sinodal]” que já ocorreu. “Os bispos, por sua vez, têm toda a tarefa pastoral do discernimento final, mas não podem discernir sobre nada. Há um método de discernimento, e há primeiro uma experiência de escuta antes do discernimento. E assim esses testemunhos de fato garantem que o sínodo dos bispos é um processo [em continuidade] com o que aconteceu antes”.
O Papa Francisco decretou que os leigos/as, os religiosos/as e os clérigos que participam como membros do sínodo podem votar pela primeira vez. O cardeal Hollerich, no entanto, sugeriu que a votação pode não ser um fator importante no encontro do sínodo de 2023. “Não sei se votar será tão importante, pelo menos no Sínodo deste outubro. Teremos mesas redondas [de pequenos grupos reunidos por idioma]. Haverá muita partilha, discernimento no Espírito. Nunca devemos esquecer que é um sínodo em duas sessões. Portanto, talvez não haja necessidade de votar nada nesta primeira sessão. Mas veremos, porque estamos abertos a todas as eventualidades”.
Ele explicou que o sínodo é “um evento espiritual” que começa com a oração. Haverá um serviço de oração ecumênica na Praça São Pedro em 30 de setembro e um retiro de três dias de 1 a 3 de outubro. Durante a assembleia geral de 4 a 29 de outubro, haverá algumas sessões plenárias e muitas sessões em pequenos grupos, e cada sessão começará com uma oração. “O processo espiritual deve ser feito, porque, caso contrário, estaremos muito próximos do que se chama de parlamento”, disse o cardeal.
Ele acrescentou:
Acho que devemos encontrar, também por experiência, uma sinodalidade católica típica que seja diferente da sinodalidade ortodoxa e protestante, o que não significa que queremos degradar o que eles estão fazendo. Terá que incluir a colegialidade dos bispos; deverá incluir também o Primado de Pedro no convencionalismo católico. E é baseado em um processo de discernimento. Portanto, será muito diferente, digamos, da Igreja Luterana alemã, onde alguns até chamam o sínodo de “parlamento da Igreja”. E é isso que não é.
O prelado sublinhou que “existem processos a serem seguidos. Cada pequeno grupo, cada mesa redonda, terá um facilitador para auxiliar o grupo. Mas não posso predeterminar como cada grupo reagirá porque os participantes são livres. Então não é que nós projetamos uma maneira específica de acordo com a qual os participantes devem se comportar de forma que certas conclusões devam ser tiradas. Não! É realmente um processo aberto sob a orientação do Espírito Santo, e é assim que deve ser”.
Lembrei que houve uma ampla consulta antes do Sínodo para a Amazônia, mas, no fim, o Papa Francisco sentiu que não havia discernimento suficiente sobre algumas questões no próprio sínodo. Hollerich, que participou desse sínodo, lembrou que houve uma questão que “acabou de obter a maioria de dois terços dos votos” e “o papa não parecia tão feliz”. Embora o cardeal não tenha mencionado qual era a “questão”, a proposta do sínodo de ordenar homens maduros e casados na região amazônica teve uma votação de 128 a 41. Embora tenha obtido uma maioria de dois terços, também teve o maior número de votos “não” de qualquer proposta naquele sínodo. O cardeal explicou que a sinodalidade não é uma questão de “voto da maioria” ou “unanimidade”; em vez disso, o Papa Francisco quer que a assembleia “se convença de alguma coisa”.
Ele concordou que este sínodo será diferente de qualquer sínodo anterior, onde as pessoas costumavam vir com posições preparadas, muitas vezes até textos escritos, sobre certas questões. Ele diz que existe um movimento no cenário continental para realizar uma reunião com os delegados antes do sínodo como “uma espécie de formação à sinodalidade”, porque “o problema é que nem todos os bispos que são delegados têm participado muito ativamente o sínodo. Então, tem que ter uma certa formação”.
Ao mesmo tempo, ele disse: “Acreditamos no Espírito Santo, que o Espírito Santo trabalhará até no coração desses bispos”. O cardeal Hollerich não se referiu especificamente a nenhum bispo, mas alguns dos indicados, como o cardeal Gerhard Müller, criticaram publicamente o Sínodo da Sinodalidade e não participaram do processo até agora.
A metodologia a ser usada no sínodo de outubro é um fator-chave para ajudar os membros do sínodo a discernir, disse o cardeal. Chama-se “diálogo no Espírito” e é um dos frutos que resultou das fases de escuta e participação do sínodo desde o início do processo em outubro de 2021.
Ele lembrou que “no começo falávamos sobre 'diálogo espiritual', mas agora falamos sobre 'diálogo no Espírito'”. Ele lembrou que em todas as assembleias continentais que foram realizadas pessoalmente (apenas a assembleia continental para os Estados Unidos e Canadá foi realizada on-line), “as pessoas mencionaram essa nova maneira de dialogar”. Na assembleia para a Ásia realizada em Bangkok, por exemplo, “eles tiveram que votar nas prioridades do texto final, e votaram por mesa (pequeno grupo) após sua partilha, não por voto individual”. Ele reconheceu que “é mais fácil trabalhar dessa maneira na Ásia porque o grupo é mais importante [culturalmente] lá, e as decisões do grupo são mais importantes do que na Europa ou nos Estados Unidos”. Ele disse: “Isso mostra o que já é possível. Todo mundo ficou feliz com isso. Ninguém reclamou. Todos sentiram que o que ela disse foi levado a sério, mesmo que não houvesse voto individual”.
Essa metodologia de “diálogo no Espírito” é “fruto da sinodalidade”, disse. “É fruto da experiência que as pessoas tiveram no processo sinodal desde o seu início. O método surgiu como resultado, o método faz parte do resultado e como o Povo de Deus pode chegar a algumas posturas comuns”.
A parte II desta entrevista pode ser acessada aqui.
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Cardeal Hollerich sobre como a sinodalidade se desenvolveu – e como o Papa Francisco está envolvido - Instituto Humanitas Unisinos - IHU