04 Agosto 2023
O processo sinodal e a ordenação de mulheres.
O artigo é de Phyllis Zagano, Ph.D., pesquisadora e professora adjunta de religião na Universidade Hofstra, em Hempstead, no estado de Nova York, nomeada por Francisco para compor a Comissão de Estudo sobre o Diaconato Feminino, publicado pela revista Commonweal, 10-07-2023.
Em 20-06-2023, o Vaticano lançou o Instrumentum Laboris do Sínodo sobre a Sinodalidade. Descrito pelo cardeal Mario Grech, secretário-geral do Sínodo dos Bispos, como "fruto de uma experiência eclesial, de um caminho em que todos aprendemos mais caminhando juntos e nos questionando sobre o significado dessa experiência", o documento guiará o primeiro de dois encontros sinodais em outubro de 2023 e em outubro de 2024. O que o Instrumentum Laboris e todo o processo sinodal até agora dizem sobre as mulheres na Igreja e a possibilidade de ordenação de mulheres ao diaconato?
Durante a alta Idade Média, o diaconato tornou-se cada vez mais cerimonial, e no século XII a ordem foi principalmente um passo no caminho para o sacerdócio. Coincidentemente, as obras de caridade da Igreja desapareceram, mesmo quando a necessidade delas aumentou.
Com diferentes graus de formalidade, mulheres e homens atendiam a essas necessidades, como monges, freiras, eremitas, beguinas, terciários e anacoretas. Os séculos seguintes tiveram mais respostas, mas os apelos para a restauração do diaconato como vocação permanente não obtiveram apoio no Concílio de Trento. Enquanto isso, a inovação da vida religiosa apostólica (em oposição à monástica ou enclausurada) começou e cresceu. Religiosos e religiosas empreenderam trabalhos para prover ministérios diaconais da liturgia, da palavra e da caridade, especialmente às pessoas à margem.
Hoje, poucos dos 1,3 bilhão de católicos do mundo sabem o que significa "sinodalidade". No entanto, a criação de ordens e institutos de vida religiosa apostólica pode apresentar a explicação mais clara da sinodalidade. Respondendo às necessidades ministeriais da Igreja, um fundador reuniu-se com um pequeno grupo de homens ou mulheres para considerar as necessidades locais dos católicos da região, como educação, catequese, necessidades sociais ou todas elas. Eles oraram, discutiram e discerniram a melhor forma de concretizar a mensagem evangélica em seu próprio tempo e lugar.
Esse é justamente o processo que o Papa Francisco convidou toda a Igreja a iniciar em 17-10-2021. Até agosto de 2022, 112 (de 114) conferências episcopais nacionais enviaram os resultados de suas discussões sinodais a Roma. No fim de setembro, um grupo de redação multilíngue de 26 membros as considerou, juntamente com relatórios dos escritórios curiais, da USG e da UISG (organizações de superiores maiores de ordens e institutos religiosos masculinos e femininos), consultas de associações de leigos reunidas pelo Dicastério para os Leigos e o "Sínodo Digital" para criar o Documento para a Etapa Continental. Publicado em inglês, francês, italiano, português e espanhol no fim de outubro de 2022, o Documento para a Etapa Continental pediu as respostas de sete assembleias continentais. O Instrumentum Laboris sintetiza essas respostas.
O que esse projeto monumental apresentou? Desde o início, tornou-se óbvio que o Povo de Deus encontra no clericalismo um grande obstáculo à comunhão, à missão e à participação na vida e nas obras da Igreja. Relatórios diocesanos, regionais, nacionais e continentais mencionam o clericalismo de uma forma ou de outra, muitas vezes citando o flagelo dos abusos sexuais por parte do clero e respostas eclesiais inadequadas em todos os níveis como motivo de desânimo geral e descrença no processo sinodal e na própria Igreja.
Outros tópicos incluem transparência em todos os assuntos da Igreja, a formação do clero e o ministério laical. A inclusão de mulheres em todos os níveis de liderança da Igreja, particularmente naqueles que exigem ordenação, foi e é um ponto de discussão. Em resposta, o Documento para o Estágio Continental mencionou as mulheres no diaconato, mas não a ordenação de mulheres como sacerdotes.
Intitulado "Alarga o espaço de sua tenda", o Documento para a Etapa Continental foi o foco de sete Assembleias Sinodais Continentais realizadas entre janeiro e março de 2023. Cada uma delas, convocadas por suas respectivas conferências episcopais: América do Norte (USCCB & CCCB), América Latina e Caribe (Celam), Oceana (FCBCO), Europa (CCEE), Ásia (FABC), África e Madagascar (SECAM) e Oriente Médio (Assembleia Sinodal para o Oriente Médio) produziram uma resposta.
O Documento para a Etapa Continental fez perguntas semelhantes às consideradas pelos fundadores de institutos religiosos e ordens em séculos passados. Por exemplo: "Como esse 'caminhar juntos', que ocorre hoje em diferentes níveis (do local ao universal), permite que a Igreja proclame o Evangelho de acordo com a missão confiada a ela; e que passos o Espírito nos convida a dar para crescer como uma Igreja sinodal?" (Documento Preparatório, n. 2). Ou seja, quais são as necessidades da Igreja hoje e como podemos atendê-las juntos?
As respostas continentais apresentaram francamente questões sobre as mulheres na Igreja, muitas vezes citando a misoginia e o sexismo como problemas subjacentes. Com esses males como pano de fundo, os apelos por mulheres na liderança e no ministério eram urgentes. O primeiro (misoginia e sexismo) apresentou a necessidade do último (mulheres na liderança e no ministério) e deu explicação para a resistência contínua e óbvia. Os problemas apontaram para suas próprias soluções.
A ordenação de mulheres ao sacerdócio não é uma dessas soluções. O cardeal Mario Grech, secretário do Sínodo, disse que questões delicadas seriam "colocadas em segundo plano" e outras necessidades urgentes da Igreja seriam discutidas na reunião de outubro. A ordenação de mulheres como sacerdotes, embora solicitada em muitos países e mencionada ou sugerida nas respostas continentais, é claramente uma questão em segundo plano e é considerada por muitos como doutrinariamente fechada. No entanto, dado que nunca houve nenhum um abandono formal da prática de ordenar mulheres para o diaconato, essa questão será abordada e talvez respondida.
Dito isso, a questão das diáconas femininas teve apenas uma pequena aparição no Documento para a Etapa Continental, que parecia tomar partido no debate em curso ao mencionar, de forma um tanto ambígua, "a possibilidade de... um diaconato feminino". Os opositores à perspectiva de ordenar mulheres como diáconas afirmam que as mulheres que serviram como tais nos primeiros anos da Igreja não foram ordenadas sacramentalmente, mas apenas abençoadas para um "quarto grau" desconectado, ou seja, um "diaconato feminino". Defensores da restauração das mulheres ao diaconato observam cerimônias litúrgicas idênticas ou quase idênticas para ordenar homens e mulheres como diáconos.
É importante notar que, embora o processo sinodal esteja cada vez mais controlado pelo clero - os delegados dos vários encontros foram escolhidos pelos bispos diocesanos - cada resposta continental apresentou a inevitável questão do lugar das mulheres na Igreja.
O relatório da América do Norte, resultado de doze sessões por Zoom para delegados dos Estados Unidos e Canadá, dos quais 56% eram funcionários diocesanos, pediu que as mulheres "realmente assumam funções de liderança" e propôs um exame da "ordenação".
As respostas continentais apresentaram francamente questões sobre as mulheres na Igreja, muitas vezes citando a misoginia e o sexismo como problemas subjacentes. Em cada um dos quatro encontros regionais presenciais realizados pelo CELAM para a América do Sul, que incluíram delegados do México, muitos delegados apresentaram uma necessidade urgente da instituição do diaconato feminino, reconhecendo que esses ministérios já existem em várias comunidades. Eles também criticaram veementemente o fato de as mulheres serem usadas como "mão de obra barata" pela Igreja.
Como resultado do encontro presencial em Fiji, o relatório da Oceania denunciou as situações das mulheres que recebem salários abaixo do padrão e que sofrem violência física e emocional. Embora o relatório da Oceania tente minimizar os pedidos de ordenação de mulheres, especialmente os da Austrália e da Nova Zelândia, ele os incluiu.
Reunidos em Praga, os delegados europeus repetiram os apelos para "o reconhecimento da dignidade e vocação de todos os batizados", mencionando a ordenação feminina para o diaconato como uma "preocupação". Talvez porque seu grupo de trabalho de língua inglesa tenha considerado o diaconato e o sacerdócio como um tópico, suas opiniões sobre isso estavam divididas.
A assembleia da Ásia em Bangkok ecoou as preocupações mundiais sobre o lugar e o status das mulheres, que, segundo eles, eram insuficientemente incluídas, até mesmo alienadas, das decisões políticas. Eles pediram diretamente uma "reavaliação da participação das mulheres na vida da Igreja, considerando que as mulheres desempenharam um papel importante na Bíblia".
Os delegados africanos, reunidos na Etiópia, apresentaram seu apelo sinodal por "mais oportunidades e estruturas para mulheres" e a promoção da "inclusão" e "participação". Embora tenha pedido um fortalecimento da subsidiariedade em todos os níveis da vida da Igreja, não mencionou diretamente as diáconas.
Em Beirute, a assembleia do Oriente Médio apontou para a necessidade de "coragem profética" em relação à participação das mulheres: "Nossas respectivas Igrejas devem começar a refletir seriamente sobre o restabelecimento do diaconato feminino". A assembleia incluiu a Igreja Maronita, que determinou, no Sínodo do Monte Líbano em 1736, que os bispos poderiam ordenar mulheres como diáconas. Em 1746, seus cânones foram aprovados in forma specifica pelo Papa Bento XIV.
Em resumo, as sete respostas continentais ao Documento para a Etapa Continental deixaram claro que as mulheres são maltratadas, até mesmo ignoradas, pela Igreja. Cada uma observou que o clericalismo em todas as suas formas contribuiu para ou de fato foi a causa direta de tantas dificuldades. No topo da lista de antídotos está a melhoria da formação seminarística. E, de forma direta e indireta, as respostas apontaram para a restauração das mulheres ao diaconato.
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Mulheres diáconas? Parte I. Artigo de Phyllis Zagano - Instituto Humanitas Unisinos - IHU