11 Julho 2023
"Mas o que seria da teologia da ordenação de São Tomás de Aquino sem o preconceito da inferioridade natural da mulher na esfera pública? Poderia ser uma teologia do ministério de homines (de homens e de mulheres), não só de viri. Portanto, um ministério sem reservas: não só propter homines, mas também per homines".
A opinião é do teólogo italiano Andrea Grillo, professor do Pontifício Ateneu Santo Anselmo, em Roma, em artigo publicado por Come Se Non, 09-07-2023. A tradução é de Luisa Rabolini.
Pode haver uma universalidade não só dos destinatários, mas também dos chamados ao ministério segundo Tomás de Aquino?
Uma evolução da consciência eclesial, ao longo dos dois milénios de história da fé cristã, ganhou quase de imediato a surpreendente evidência do destino universal da salvação em Cristo: o Evangelho dirige-se a todos os homens, judeus e gregos, livres e escravos, homens e mulheres. Ao contrário, amadureceu muito mais lentamente a consciência da universalidade da mediação ministerial dessa salvação. Já as primeiras gerações cristãs entenderam que em Cristo as diferenças étnicas, religiosas, sociais e sexuais eram irrelevantes. O caminho sobre o ministério foi mais difícil. Sobre o sujeito ministerial pesou mais fortemente a convicção da necessidade da reserva masculina e, portanto, entre os impedimentos ao ministério, não a menoridade, não a escravidão, não o nascimento sem reconhecimento, não a delinquência, não a incapacidade ou a deficiência, mas o sexo feminino foi por séculos percebidos como insuperável.
Na recepção, valia o princípio "omnis sexus fidelis", na dispensa, porém, somente o sexo masculino era reconhecido como digno do ministério. Isso não impediu, porém, o reconhecimento de um âmbito de “ministerialidade feminina”, sobre o qual Tomás, como já ilustrei, defende a possibilidade de ser uma mulher quem batiza, embora apenas em caso da morte e de forma privada. Os argumentos que Tomás de Aquino usa no âmbito de seu tempo e sobre o caso extremo do batismo de necessidade podem nos ensinar algo importante hoje.
Não há dúvida de que a leitura que Tomás oferece da mulher, ao justificar a sua exclusão da ordenação, depende de graves preconceitos de caráter antropológico, sociológico e teológico, que comprometem a leitura do texto bíblico e a sua aplicação ao contexto eclesial da época. Mas na teologia de Tomás, embora gravemente marcada pelo sinal desses preconceitos, há traços de uma certa resistência ao preconceito. Esses rastros são importantes, pois abrem para leituras diferentes das suas. De fato, Tomás não era um professor que impedia que seus alunos pensassem diferente dele. Por isso podemos e devemos nos perguntar: o que diria Tomás se não tivesse compartilhado acriticamente o princípio (do senso comum, da tradição filosófica e também da tradição teológica) do natural estado da sujeição feminina?
Aqui gostaria de apresentar brevemente três "lugares" de reflexão profética, sobre os quais Tomás soube fazer exceção à leitura ideológica e preconceituosa, que trata a mulher "in contumacia" e lhe atribui uma identidade fixa e imutável, deslocando o preconceito para Deus. Pelo menos quatro são os pontos em que Tomás "sai" dessa lógica:
a) Quando repetia uma leitura que já estava presente em Pietro Lombardo (S. Tomás, I, q92 a3 co), que dizia que a criação de Eva da costela de Adão deve ser interpretada assim: se tivesse sido criada da cabeça, Eva seria chefe de Adão; se tivesse sido criada dos pés, seria serva de Adão; mas como foi criado a partir da costela, é "parceira" de Adão;
b) Quando, raciocinando para justificar a possibilidade da ministerialidade batismal da mulher (S. Tomás, III, 67, 4, c), invocava Gl 3,28, para sustentar que sendo Cristo quem batiza, não importa se o ministro é homem ou mulher;
c) Quando, em diálogo com a leitura que Agostinho propõe do Evangelho de João (S. Tomás, III, 67, 4, ad 3), distinguia entre geração natural (na qual, segundo Tomás, apenas o homem é ativo, enquanto a mulher é apenas passiva) e geração espiritual, na qual tanto o homem quanto a mulher têm função apenas instrumental;
d) Finalmente quando, na Summa contra Gentiles (IV, 4), concebe de maneira geral a relação entre os ministros e o Senhor:
“Minister autem comparatur ad dominum sicut instrumentum ad principale agens: sicut enim instrumentum movetur ab agente ad aliquid efficiendum, sic minister movetur imperio domini ad aliquid exequendum. Oportet autem instrumentum esse proportionatum agenti. Unde et ministros Christi oportet esse ei conformes. Christus autem, ut dominus, auctoritate et virtute propria nostram salutem operatus est, inquantum fuit Deus et homo: ut secundum id quod homo est, ad redemptionem nostram pateretur; secundum autem quod Deus, passio eius nobis fieret salutaris. Oportet igitur et ministros Christi homines esse, et aliquid divinitatis eius participare secundum aliquam spiritualem potestatem: nam et instrumentum aliquid participat de virtute principalis agentis.”
“O ministro está em relação ao Senhor como o instrumento para o agente principal: pois, assim como o instrumento é movido pelo agente para realizar algo, o ministro é movido pela autoridade do Senhor para realizar algo. O instrumento deve ser proporcional ao agente. Portanto, também os ministros de Cristo devem estar em conformidade com ele. No entanto, Cristo, como Senhor, realizou a nossa salvação com a sua autoridade e a sua graça, enquanto era Deus e homem: segundo a sua humanidade, sofreu pela nossa redenção; segundo sua divindade, para que sua paixão se tornasse para nós causa de salvação. Portanto, é necessário que também os ministros de Cristo sejam homens e que participem de sua divindade de acordo com um certo poder espiritual: pois o instrumento também participa da graça do agente principal.
A lógica do ministério, para Tomás, é uma lógica "instrumental": os ministros devem estar "em conformidade" com o agente principal. Por isso, eles devem ser "homens". A conformidade com o Senhor Jesus é, de fato, a humanidade e a divindade. A primeira é mediada pelo ter "nascido de mulher", a segunda pelo "receber o Espírito Santo". Na lógica argumentativa de Tomás, a mulher não pode ser ordenada, não porque não está em conformidade com a humanidade do Senhor, mas porque "carece de autoridade", pois é criaturalmente caracterizada por subordinação, inferioridade e passividade. O limite da mulher não é cristológico, mas antropológico. É o "conhecimento antropológico e sociológico" que guia Tomás nessa conclusão, não a cristologia ou a teoria geral do ministério.
Uma releitura desses 4 textos permite-nos encontrar, quase nas entrelinhas da tese principal de Tomás, uma espécie de "contracanto", que abre a possibilidades impensadas, precisamente no momento em que desaparece aquele preconceito cultural e social sobre a mulher, que tanto pesou nas soluções indicadas por Tomás e por toda a tradição posterior que mais ou menos explicitamente se referiu a ele.
Vejamos brevemente as principais consequências:
a) Uma releitura da narrativa bíblica da criação, que viu atrair sobre si a cultura comum de todos os tempos, como era inevitável, encontra no texto de Tomás uma surpreendente linha de interpretação, herdada de Pietro Lombardo, que, por sua vez, talvez a tenha extraído das leituras das comunidades judaicas de Paris do século XII. A não subordinação feminina como verdade do texto do Gênesis é a primeira solicitação.
b) Uma aplicação de Gl 3,28 não só em relação aos "destinatários" do evangelho, mas também para falar dos "ministros" da igreja parece ser uma profecia importante, embora limitada apenas ao sacramento do batismo e o estado de necessidade. Estendendo esse princípio, hoje é possível sair do “impasse” que bloqueia uma reflexão serena sobre a ministerialidade feminina.
c) Ainda mais relevante parece a correção que Tomás propõe às "analogias" demasiado fáceis entre paternidade e maternidade natural e espiritual, entre ministro esposo e igreja esposa, que muitas vezes esquecem que são "analogias imperfeitas" (AL 72-73) e que, quando pensados no plano espiritual, não permitem julgar de maneira muito direta a coerência entre papéis, funções, gênero e sexo.
d) Finalmente, a leitura que encontramos na ScG parece singularmente profética. Se aplicada a um mundo em que a mulher adquiriu um indiscutível "papel público", torna necessário reconsiderar as palavras-chave da tradição, a doutrina que as acompanha e a disciplina que as ordena.
Os textos da tradição falam dos ministros como homines, viri, circumcisi, galilaei. Na história conseguimos superar a limitação étnica e religiosa, depois aquela social. Foi mais difícil superar a diferença sexual. Mas o que seria da teologia da ordenação de São Tomás de Aquino sem o preconceito da inferioridade natural da mulher na esfera pública? Poderia ser uma teologia do ministério de homines (de homens e de mulheres), não só de viri. Portanto, um ministério sem reservas: não só propter homines, mas também per homines.
Acredito que essa universalidade, ofuscada por seus textos de cerca de 750 anos atrás, possa ser considerada, no plano sistemático, um desafio que Tomás ainda é capaz de nos lançar, quase malgré soi.
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"Ministeria propter homines et ministeria per homines." Artigo de Andrea Grillo - Instituto Humanitas Unisinos - IHU