29 Junho 2023
É preciso reconhecer que o ideal de uma “teologia de joelhos” nem sempre é totalmente justificado. Dobrar o joelho somente diante do nome do Senhor significa não dobrá-lo diante dos ídolos que pretendem substituí-lo. Entre os quais se encontram também aqueles preconceitos que, na mulher, confundem a diferença com a inferioridade e que, para defender sua diferença, negam sua autoridade eclesial, a ponto de fazer dessa negação até mesmo um objeto de fé.
A reflexão é do teólogo italiano Andrea Grillo, professor do Pontifício Ateneu Santo Anselmo, em Roma. O artigo foi publicado em Come Se Non, 28-06-2023. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
De que modo o magistério católico abordou nas últimas décadas a questão do acesso da mulher ao ministério ordenado? Com singular determinação, retomou com audácia o debate secular: este conhecera métodos, estratégias argumentativas e posições bastante diferenciadas para justificar a exclusão da mulher e, por sua vez, havia sido profundamente modificado pela constatação da entrada tardo-moderna da mulher na vida pública, mas agora se transforma em uma teologia positiva e em uma teologia de autoridade.
Poderíamos dizer assim: enquanto culturalmente a mulher adquiria uma nova autoridade no nível público, a Igreja (pelo menos aparentemente) considerava que devia se despojar de toda autoridade e se reconhecer privada da faculdade de conceder à mulher o acesso ao ofício sacerdotal (não ao ministério ordenado).
Curioso paralelismo: enquanto a mulher era culturalmente subordinada, a Igreja manteve em seu interior uma discussão sobre os motivos dessa exclusão. No momento em que a cultura comum saiu dessa compreensão minorada do feminino no nível público, a Igreja Católica concentrou a própria atenção apenas em dois níveis:
- por um lado, no “fato” da reserva masculina atestada por uma longa tradição e atribuída até a uma “livre escolha” do Senhor Jesus (com uma redução “positiva” da questão como a tradição anterior nunca tinha feito);
- por outro, na “autoridade” com que esse fato é declarado como pertencente à “constituição divina da Igreja” e, portanto, devendo ser considerado definitivo (sem, porém, se comprometer com uma “definição infalível”).
Esse duplo registro, no qual se situam primeiro a Inter insigniores e depois a Ordinatio sacerdotalis, desloca a questão da “dignidade da mulher no exercício da autoridade eclesial” para o plano oposto: por um lado, para a constatação de que a história nos dá um modelo exclusivamente masculino de ministério sacerdotal; por outro, na natureza “doutrinal” e “definitivamente vinculante” de tal reserva masculina.
Desse modo, para confirmar a Igreja na fé, o magistério transforma a discussão sobre o papel da mulher em uma discussão sobre a obediência da fé. Desde 1994, é fácil ver que quem discute a possibilidade de a mulher ter acesso ao ministério ordenado é, mais cedo ou mais tarde, considerado suspeito de não ser coerente com a fé católica. Se a “reserva masculina” é de “direito divino”, toda discussão parece ameaçar a “constituição divina da Igreja”. Isso parece objetivamente exagerado, porque tende a colocar no mesmo plano a Imaculada Conceição, a Assunção e a exclusão do sexo feminino da ordenação sacerdotal.
Essa abordagem, ao mesmo tempo de “teologia positiva” e de “teologia de autoridade”, corre o risco, com efeito, de ter um efeito distorcido na discussão em torno do diaconato feminino, porque, por um lado, “pesquisa apenas dados históricos” e, por outro, “teme comprometer o princípio doutrinal da reserva masculina”. Tentemos considerar esses dois aspectos.
Não há dúvida de que o fato da presença da “reserva masculina” é muito antigo e muito coerente por muitos séculos. Mas o “fato” em si, privado de sua interpretação, torna-se bastante vago. Não se pode trazer como “prova”, em 1976, os fatos do século III, XII ou XVII, sem recordar a interpretação fortemente misógina que acompanhava esses fatos.
Lemos em Tertuliano, em Tomás, em Suarez ou em Scheeben palavras irrepetíveis contra a dignidade da mulher e das quais hoje nos envergonhamos sem hesitação. A questão da mulher como possível “sujeito ministerial” aparece apenas quando esses preconceitos contra sua autoridade em público começam a declinar.
Não é por acaso que esse fenômeno é chamado por João XXIII de “sinal dos tempos”, ou seja, um elemento da cultura comum que muda profundamente a compreensão da mulher em todos os âmbitos, privado assim como público, civil assim como eclesial. Em uma consideração meramente positiva da “reserva masculina”, não se pode ter a menor percepção dessa novidade: o olhar permanece estrábico. Em outras palavras, a história que importa, em uma argumentação positiva, é a dos últimos 200 anos, nos quais a evidência da reserva masculina não goza mais de uma verdadeira autoridade, senão se refugiando em um passado, dominado, porém, pelo preconceito misógino.
A segunda passagem é a reivindicação com que a autoridade eclesial considera a “reserva masculina” como pertencente à “constituição divina da Igreja” e, portanto, como um dado originário que deve ser considerado e reconhecido como definitivo. Aqui se levantam algumas questões que merecem uma cuidadosa discussão:
- a tradição desenvolveu a discussão teológica sobre o tema da “ordenação da mulher” com dois estilos diferentes: por um lado, incluindo o sexo feminino entre os impedimentos à ordenação; por outro, fazendo do sexo masculino um requisito da substância do sacramento da ordem. Mas sempre argumentando o impedimento ou o requisito, e não o assumindo simplesmente como um fato.
- Uma “teologia de autoridade”, tal como adotada pela Ordinatio sacerdotalis, conhece dois graves limites: por um lado, tende a deixar “de cabeça vazia” quem pede razões (como diz Tomás de Aquino); por outro, exige, mesmo assim, razões em sustento do dado histórico (como já dizia Joseph Ratzinger em 1994).
- O efeito direto dessa solução é a pretensão de orientar a reflexão apenas para justificar a reserva masculina. Mas aqui, devemos admitir, as pequenas tentativas que encontramos na Inter insigniores e as construções doutrinais que foram oferecidas na época ou posteriormente (por von Balthasar, ou por Menke, ou por Müller) nos deixam bastante decepcionados: os princípios elaborados são apenas reelaborações dos preconceitos clássicos e deixam isolado e muito exposto o radicalismo da posição magisterial sobre a reserva masculina, que aparece “posta”, mas não “justificada”.
A doutrinalização da reserva masculina e o constrangimento em justificar a “diferença feminina” como não discriminatória deixam em aberto o campo intermediário do diaconato, sobre o qual é possível elaborar um pensamento mais acurado, por ser menos preconceituoso. Vejamos o porquê.
Em primeiro lugar, devemos especificar que o diaconato, como o grau mais baixo do ministério ordenado, constitui um caso de “ordenação” em sentido estrito. Ordenar uma mulher diácona significa superar a ideia clássica segundo a qual a mulher não pode receber a ordenação. Esta, porém, não sendo uma “ordinatio sacerdotalis”, não se enquadra na declaração de definitividade da “reserva masculina” assumida pela Ordinario sacerdotalis. Inventar um “diaconato feminino” diferente e não ordenado, para não alterar a reserva masculina para todo o “ministério ordenado”, pareceria uma escamotagem muito semelhante a uma insuportável guetização eclesial e teológica.
Em segundo lugar, a ordenação diaconal das mulheres pode se valer do precedente do motu proprio Spiritus Domini, com o qual caiu a reserva masculina para os “ministérios instituídos”. Quando os antigos falavam de “reserva masculina”, pensavam de modo unitário todo o campo das ordens, da tonsura à ordenação sacerdotal: todas as ordens eram reservadas aos “viri”.
Hoje temos, no mesmo campo, uma grande diferenciação: os graus iniciais são sem reserva, os dois últimos (presbiterado e episcopado) são reservados, mas, sobre o diaconato, é possível definir a acessibilidade feminina, não sendo uma “ordenação sacerdotal”. É preciso notar que a superação da “reserva masculina” para os ministérios instituídos não é fundamentada historicamente, mas sistematicamente. Uma nova evidência da autoridade feminina torna isso possível.
Em terceiro lugar, o espaço intermediário do diaconato poderia permitir reler toda a história do século passado como uma complexa mediação entre uma noção de mulher, que a cultura contemporânea modificou e enriqueceu profundamente, e uma leitura “apologética” com a qual a Igreja Católica, não encontrando mais razões convincentes para justificar a reserva masculina, transcreveu-a no nível do mistério, pedindo obediência de fé sobre o fundamento de uma práxis histórica, em vez de uma compreensão teológica em relação às evidências do presente e do futuro.
É preciso reconhecer que o ideal de uma “teologia de joelhos” nem sempre é totalmente justificado. Dobrar o joelho somente diante do nome do Senhor significa não dobrá-lo diante dos ídolos que pretendem substituí-lo. Entre os quais se encontram também aqueles preconceitos que, na mulher, confundem a diferença com a inferioridade e que, para defender sua diferença, negam sua autoridade eclesial, a ponto de fazer dessa negação até mesmo um objeto de fé.
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Sínodo e mulher: o espaço do diaconato entre autoridade feminina e magistério sobre a reserva masculina. Artigo de Andrea Grillo - Instituto Humanitas Unisinos - IHU