10 Mai 2023
O cardeal Tolentino traça as linhas programáticas do novo Dicastério para a cultura e a educação: “O cristianismo precisa da esperança para se tornar generativo”.
A entrevista é de Edoardo Castagna, publicada por Avvenire, 09-05-2023. A tradução é de Luisa Rabolini.
O perfil intelectual de José Tolentino Mendonça, poeta e cardeal, é tão complexo e articulado quanto o empenho que enfrenta desde o segundo semestre passado, quando o Papa Francisco o nomeou prefeito do Dicastério para a Cultura e a Educação que herdou do antigo Pontifício Conselho para a Cultura e Congregação para a Educação Católica.
Mas a voz do escritor, uma das vozes mais claras da literatura portuguesa contemporânea, e aquela do tecelão de redes culturais não se separam, pelo contrário: “Como dizia Rimbaud – explica – o poeta é um vidente. Aqui está, a visão: esta é a contribuição que posso oferecer dentro da missão da Igreja, porque é preciso construir a partir de uma visão da pessoa e da história; uma visão cultural, uma visão do destino humano, uma visão do horizonte de sentido de nossa existência. Se tudo parte de uma visão, não causa assombro que um poeta manifeste uma grande paixão pela criação de redes culturais. Cultura e educação são duas vozes, cada uma das quais é um locus teológico onde o humano se entende em profundidade; na cultura e na educação podemos realmente apreender o que é a generatividade vital do cristianismo. Não são instrumentos, não são meios para nos levar a construir o cristianismo em outro lugar: não, nosso desejo é construir a esperança cristã dentro do modo educativo, dentro do mundo cultural".
Uma construção que, amadureceu nestes meses de organização do novo dicastério, leva agora a uma série de iniciativas de alto nível, que se sucederão nas próximas semanas. Em Veneza, na Bienal de Arquitetura, retornará o Pavilhão do Vaticano “no espírito do Papa Francisco" – explica Tolentino. "Ou seja, olha para o futuro e para a amizade social, na esteira das encíclicas Laudato si' e Fratelli tutti: as obras de Álvaro Siza e do Studio Albori constituirão um encontro a meio caminho entre a arquitetura e a natureza; uma arquitetura móvel, em caminho, participativa, feita de reaproveitamento e, portanto, de restituição: arte para acolher a vitalidade do homem no seu cotidiano”.
Ao mesmo tempo, na Feira do Livro de Turim, começarão os diálogos com o mundo literário, começando com o questionamento "Quem você acha que eu sou?" colocando Sandro Veronesi e Antonio Spadaro frente a frente. Também aqui seguindo o ensinamento do Papa Francisco: “A Igreja precisa de contadores de histórias, poetas, diretores capazes de repensar a pessoa de Jesus – continua Tolentino. Organizaremos diálogos partindo do mesmo questionamento em todas as grandes feiras, de Guadalajara a Frankfurt, para falar de Jesus junto com os escritores justamente ali onde o livro é o protagonista”.
Além disso, haverá as iniciativas do Dicastério para a cultura e a educação por ocasião dos aniversários de Pascal e da Coleção de arte moderna e contemporânea dos Museus do Vaticano, em junho, e em agosto a JMJ de Lisboa, "um evento educacional global” onde correrá um debate sobre o papel e as perspectivas das escolas católicas, com a participação de alunos e professores, bem como um encontro do Papa com o mundo da cultura portuguesa e internacional.
A impressão é de um longo período de preparação que finalmente chega à maturação.
Sim, essas iniciativas se encadeiam bem próximas porque traduzem um percurso interno realizado durante o ano passado. Um ano, em grande parte, de construção, dedicado à criação de equipes, ao desenvolvimento de relações internas, mas sobretudo à construção coletiva de uma visão. Quando a visão existe, então a criatividade é liberada e se torna ação, tanto no campo educacional quanto no campo cultural.
De onde começar?
A primeira reunião que tivemos foi sobre o fechamento de tantas escolas católicas. Uma escola fechada é uma parte da Igreja que se torna inativa. A crise da vida religiosa, o declínio da educação católica, a perda de força de tantos institutos religiosos são todas variantes desse problema. Devemos encontrar juntos soluções: para isso precisamos motivar a rede católica, mesmo quando o projeto não parece mais sustentável. Podem ser compartilhadas as responsabilidades, mesmo os fracassos, mas a Igreja não pode abandonar o campo educativo: por um lado, porque é uma presença vital de sua história de evangelização, por outro, porque a Igreja ainda tem em si as forças e possibilidades de reorganizar as diferentes estruturas para torná-las mais atualizados e mais fortes, com maior capacidade para atender às necessidades da vida das famílias contemporâneas.
Como essa ação se insere no momento histórico atual?
Este é um tempo de escuta: este é o nosso convite aos agentes da cultura e da educação.
É aquele de um encontro livre, para depois chegar a programar um trabalho comum. Não temos uma solução já pronta, mas a vontade de fazer um caminho juntos. A maior dificuldade cultural hoje para a missão da Igreja é o pessimismo antropológico, tão difundido no mundo da ciência e da cultura; ao contrário, o cristianismo é a arte da esperança, como ensina São Paulo: spes contra spem. O cristianismo precisa da esperança para se tornar generativo: hoje o discurso do cristão no campo cultural deve ser contracorrente, somos chamados não só a enumerar feridas, mas devemos arriscar uma palavra de consolação, capaz de ver além dos problemas. As respostas nunca vêm de fora, mas apenas do fundo do homem, que precisa ser inspirado pela esperança.
Nosso tempo precisa deixar-se insuflar pelo espírito, assim como Deus insuflou vida em Adão. Hoje sentimos a necessidade desse sopro: artistas, poetas, educadores sabem disso.
Às vezes parece que se observa artistas ou escritores aparentemente interessados apenas no efeito e no clamor que as suas obras podem suscitar, sem que seja possível apreender uma inspiração tão atenta ao humano.
Claro, também existem essas formas de expressão. Mas acho que temos que aceitar o que o artista é capaz de interpretar do nosso tempo: porque o artista é um pneumatóforo, é aquele que traz o espírito. Alguns artistas tentam dialogar com o momento, com o instante; são sincrônicos, então o seu papel é nos ajudar a ler criticamente o momento presente. Outros, ao contrário, aceitam que sua contribuição seja diacrônica, que venha de mais longe, para além do momento; sua obra nasce no silêncio e sabemos que a arte que sobrevive no tempo é justamente aquela que se abre ao mistério.
Como ajudar a entender essa necessidade de aceitar a complexidade da realidade do mundo cultural e artístico que temos diante de nós, sem nos fecharmos?
Devemos reconhecer que na sensibilidade católica às vezes há uma incapacidade de ler o próprio tempo, até mesmo uma forma de analfabetismo cultural. Se considerarmos como realmente cristãs apenas as formas artísticas medievais ou barrocas, então não conseguiremos entender nada da contemporaneidade. Precisamos de uma reconciliação com o contemporâneo. O Papa Bento recordava, precisamente no encontro com o mundo da cultura, que a Igreja ensina a verdade, aprende a verdade e escuta a verdade: a Igreja não é mestra da verdade, é serva da verdade, deixa-se medir e habitar por ela. Se adotarmos essa atitude, estaremos disponíveis para fazer perguntas, para nos aproximar de novas formas, para escutar vozes que ainda não ouvimos, para ter uma justa curiosidade pela produção de sentido que a contemporaneidade realiza.
Registramos diferenças na resposta a esse tipo de proposta cultural e no diálogo entre o cristianismo europeu e dos países mais jovens?
Alguns problemas são tipicamente europeus, outros contextos têm problemas diferentes. O catolicismo é abraço da universalidade na diversidade: é por isso que o Papa Francisco usa imagens como o poliedro e comenta como a harmonia consegue manter as diferenças. E até os conflitos.
O debate cultural olha muito, e também com preocupação, para a tecnologia em movimento, e em particular àquela inteligência artificial que não conseguimos entender plenamente. O que fazer, com viés positivo ou negativo?
Também aqui é necessário um confronto educacional e cultural com a modernidade que já está entre nós. Não podemos excluir a tecnologia, mas devemos estar bem conscientes de que nossa tarefa é fazer com que a tecnologia se torne uma aliada da humanidade e dos grandes valores do humanismo, o grande antídoto contra as distopias: precisamos fortalecer a educação, o pensamento político e a cultura. O amor. Dante continua a ter razão, porque nos diz o que nos fala o nosso coração: é sempre "o amor que move o sol e as outras estrelas".
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“É tempo de escuta, visão e criatividade”. Entrevista com José Tolentino Mendonça - Instituto Humanitas Unisinos - IHU