15 Outubro 2022
Estimadas amigas e estimados amigos, nos últimos meses nós da Comissão Justiça e Paz de Brasília temos nos dedicado ao tema do reencantamento da política. Inspirados e em comunhão ao projeto organizado por muitas entidades católicas denominado “Encantar a Política”, propomos a reflexão e a retomada da participação cidadã cristã na política, nas discussões de temas sociais e comunitários e na tomada de decisão das nossas cidades.
A reportagem é de Eduardo X. Lemos, presidente da Comissão Justiça e Paz de Brasília, e Ana Paula D. Barbalho, vice-presidente da Comissão Justiça e Paz de Brasília, publicada por Jornal Brasil Popular/DF, 13-10-2022.
O “Encantar a Política” permeia nossas colunas anteriores, intervenções semanais dos Programas de Justiça e Paz, veiculados na Rádio Nova Aliança e nas redes sociais, e em nossas Conversas Justiça e Paz, mensais e disponíveis em nosso canal do YouTube cjpbrasilia. Demonstrou-se fundamental sua propagação e o apelo de convocarmos os cristãos e cristãs para retomarem sua participação na polis.
Por reconhecermos e tratarmos reiteradamente de tão importante tema é que nos dirigimos à toda coletividade para denunciar e para demonstrar nossa repulsa àqueles que abusam do poder religioso. Os que manipulam a vontade dos cidadãos, utilizando-se de símbolos e festas religiosas, de missas e de cultos, invocando a autoridade ou formação religiosa de maneira maniqueísta, tergiversando o texto sagrado com a finalidade de forçar eleitores a votarem em candidatura favorável aos próprios interesses.
Entidades da sociedade civil procuraram a Comissão Justiça e Paz de Brasília e a Comissão Brasileira Justiça e Paz preocupadas com estas manipulações e com os recentes atos violentos realizados durante as comemorações da Padroeira do Brasil Nossa Senhora Aparecida, em ataques ao Santuário Nacional de Nossa Senhora de Aparecida e ao Arcebispo de Aparecida Dom Orlando Brandes.
As orientações e exortações do Papa Francisco e da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil – CNBB ecoam a renovação da Igreja, a paz e a solidariedade, a responsabilidade e organização da sociedade civil em respostas novas, urgentes à construção de um mundo melhor.
Em importante reunião com representantes de mais de 200 entidades da sociedade civil organizada, entre Sindicatos, Associações, ONGs, OSCIPs, somados a representantes da Igreja Católica e a lideranças do Conselho Nacional de Igrejas Cristãs do Brasil, foi reforçada a percepção de que a intolerância religiosa jamais pode ser estimulada no país e deve ser especialmente coibida como estratégia político-eleitoreira. A instrumentalização e potencialização de uma “guerra santa” conduzida por lideranças religiosas provoca danos irreparáveis na democracia brasileira, dividindo famílias, incitando o ódio e estimulando atos violentos, com consequências transgeracionais.
Recentemente a Presidência da CNBB, em nota, preocupada com a manipulação religiosa para fins políticos, expressou repudio à tão nociva prática: “Lamentamos, neste momento de campanha eleitoral, a intensificação da exploração da fé e da religião como caminho para angariar votos no segundo turno. Momentos especificamente religiosos não podem ser usados por candidatos para apresentarem suas propostas de campanha e demais assuntos relacionados às eleições.” (Nota da Presidência da CNBB, 11 de outubro de 2022)
Reforçamos que tais práticas não tratam de mero desvio moral, mas de condutas legalmente reprimidas por serem caracterizadas como abuso do poder religioso, um crime eleitoral. Os cristãos e cristãs brasileiros devem estar atentos e vigilantes, reprimindo essas atuações e a utilização de shows, cultos e missas como palanque eleitoral, que configuram o ilícito da vedação de showmício, devendo ser denunciados com base nos artigos 24, VIII, e 37, § 4º da Lei nº 9.504/97; e art. 237 do Código Eleitoral.
A utilização de locais sagrados, de fé e profissão como nossos templos, casa de Deus, para negociatas politiqueiras e interesses tacanhos é algo que envergonha toda Igreja e que afasta o povo de seu Deus, pois elimina o mais basilar elemento da cristandade, que é a Fé Pura em Cristo, verdadeira, transparente e inegociável, pois é suprema. Ao amarmos Cristo, amamos a vida, e ao negociarmos Cristo repulsamos a humanidade.
Nossa Comissão Justiça e Paz segue pregando o bom uso da política, a “Política como forma sublime da caridade” (Papa Pio XI, Paulo VI, Papa Francisco), que é suprapartidária, vai muito além dos períodos eleitorais e se faz na boa vizinhança, na tolerância política e religiosa, no respeito ao próximo e é baseada no amor cristão, na solidariedade, na fraternidade e na Justiça Social.
Como se percebe, a política que defendemos, jamais poderá ser confundida com voto imposto por qualquer tipo de abuso de autoridade. O Brasil superou as práticas coloniais típicas do voto de cabresto, imposto à população mais humilde por autoridades locais que tratavam os cidadãos como seus subordinados, exercendo poder político, econômico, permeado por ameaças de demissão, perseguição, excomunhão, e por diferentes tipos de violência moral, física e econômica. Tais práticas devem permanecer no passado, colocadas em páginas sangrentas da história como lição, recordando aos cidadãos e às cidadãs de extintos tempos nefastos.
Rogamos aos dirigentes das múltiplas religiões, que coexistem de maneira harmônica no território brasileiro, que orientem seus líderes no sentido de que os templos são espaços públicos nos quais é vedado o proselitismo político-partidário. Tal orientação está fundamentada sob o manto constitucional da laicidade do Estado, no respeito aos direitos fundamentais à cidadania, à liberdade de opinião e à autodeterminação dos fiéis.
A laicidade do Estado, princípio fundamental constitucional do qual decorre o dever estatal de proteção à liberdade e à pluralidade religiosa, como expressões democráticas fundamentais, conforme previsto na Constituição Federal, artigo 5, inciso VI, que trata da liberdade religiosa:
VI – é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias;
Junto com a CNBB, recordamos o ensinamento bíblico “Existe um tempo para cada coisa” (Ecl. 3,1), e, como Dom Orlando Brandes, Arcebispo de Aparecida, explicitou na homilia da celebração do dia 12 de outubro de 2022, é tempo de combater, por meio da cidadania, o ódio, a mentira, o desemprego, a fome e a incredulidade:
“Maria venceu o dragão. Temos muitos dragões que ela vai vencer. O dragão, que é o tentador. O dragão, que já foi vencido, a pandemia, mas temos o dragão do ódio, que faz tanto mal, e o dragão da mentira. E a mentira não é de Deus, é do maligno. E o dragão do desemprego, o dragão da fome, o dragão da incredulidade. Com Maria, vamos vencer o mal e vamos dar prioridade ao bem, à verdade e à justiça, que o povo merece, porque tem fé e ama Nossa Senhora Aparecida.”
Nós da Comissão Justiça e Paz de Brasília ratificamos nosso compromisso com o “Encantar a Política”, reiterando o repúdio à manipulação e ao uso maniqueísta da religião para fins políticos. Somos cristãos e cristãs em ambiente democrático e devemos primar pela garantia da realização de pleito justo, legítimo e com compromisso para o bem comum. Nossa Constituição Federal de 1988 preconiza a laicidade do Estado para que toda e qualquer representação religiosa tenha a oportunidade e a liberdade de manifestação necessárias ao bem viver da fé individual e coletivamente. Todos e todas temos o dever de construção de mundo melhor, com paz e Justiça também para as religiões, de maneira que sejam reflexo das crenças verdadeiras e que haja a garantia dignidade da pessoa humana e a busca por um país mais justo, fraterno e solidário.
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O abuso do poder religioso: intolerável manipulação da religião, da fé e da política - Instituto Humanitas Unisinos - IHU