25 Agosto 2021
As mulheres são as vítimas predestinadas do emirado instaurado em Cabul. Muitas procuram escapar, com razão, outras continuarão a lutar em seu país. Entre os que permanecem estão as ativistas da Rawa.
A entrevista com a ativista da Rawa é de Giuliana Sgrena, publicada por Il Manifesto, 24-08-2021. A tradução é de Luisa Rabolini.
Ouvimos uma delas (por motivos de segurança não podemos divulgar o nome). “Estamos preocupadas porque não sabemos como a situação vai evoluir. Não é a primeira vez que enfrentamos uma guerra, fizemos isso de 1992 a 1996 e, pior ainda, de 1996 a 2001, mas sobrevivemos. É quase impossível tentar analisar este cenário e prever o futuro, mas temos a certeza de que as forças no poder continuarão a formar e alimentar criminosos fanáticos, a perpetrar a guerra, e continuaremos a nossa luta e encontraremos formas de nos defender, vivendo e trabalhando clandestinamente no Afeganistão".
Agora, o mundo inteiro parece preocupado com o destino das mulheres afegãs ...
As mulheres sempre sofreram nos últimos 40 anos. A violência foi tremenda, as mulheres eram executadas publicamente e apedrejadas pelos talibãs, as escolas para meninas queimadas, estupros, sequestros e casamentos forçados e prematuros continuaram por anos. Também recentemente, escolas para meninas e as maternidades dos hospitais foram atacadas com bombas, várias crianças morreram antes de verem a luz e algumas mães mortas não puderam ver seus filhos. Centros de educação foram atacados provocando a morte de estudantes. Salões para casamento foram explodidos.
Com alguns projetos de “visibilidade”, superficiais, desprovidos de conteúdo e de uma falsa liberdade, os EUA enganaram o nosso povo e o mundo. Suas preocupações são falsas e demagógicas.
Eles sabiam o que estava acontecendo, mas continuaram a apoiar fundamentalistas misóginos e reacionários e devolveram o país a um bando de terroristas bárbaros. É uma brincadeira macabra argumentar que "direitos das mulheres", "democracia", "construção da nação", etc. faziam parte dos objetivos dos EUA e da OTAN. Os EUA estavam no Afeganistão para desestabilizar a região e se mostrar mais poderoso que seus rivais, especialmente as potências emergentes como China e Rússia, e atingir suas economias com guerras regionais.
Muitos apelos internacionais pedem aos talibãs que abram as fronteiras para aqueles que desejam deixar o país. Qual a melhor forma de ajudar vocês?
Vivemos um momento extremamente difícil e pensamos que as pessoas cujas vidas estão em perigo deveriam poder sair do país. No entanto, fugir do país nunca é a solução, temos de ficar e lutar contra o regime. Existem muitas maneiras de ajudar os afegãos e as mulheres em particular. Precisamos que o povo italiano faça ouvir sua voz contra as políticas belicistas dos Estados Unidos e de seus aliados e que apoie e fortaleça a luta do povo afegão contra a barbárie. A comunidade internacional deve cobrar explicações dos governos que traíram o povo afegão e colocá-los diante de suas responsabilidades.
Devem denunciar o jogo sujo dos EUA, OTAN e ONU, criaram o caos e depois declararam guerra. Uma vez que ocuparam o país, criaram mais conflitos e deixaram apenas ruínas e um caos total. Pedimos aos países ocidentais que não reconheçam o regime dos talibãs, mesmo que contem que mudaram em relação ao passado. Além disso, o apoio financeiro deve ser usado para ajudar os deslocados internos que estão sofrendo sem barracas, comida, roupas, banheiros e cuidados de saúde mínimos.
Vocês estavam prontas para enfrentar esta situação? Como imagina o futuro?
Tínhamos previsto essa evolução. Mas não tão repentina. Os talibãs entraram em Cabul em poucas horas. Em 11 de outubro de 2001, no início da ocupação, a Rawa havia declarado: "A continuação dos ataques dos Estados Unidos e o aumento das vítimas civis não só justificarão os talibãs, mas causarão um fortalecimento das forças fundamentalistas na região e no mundo". Esta ocupação trouxe apenas banhos de sangue, destruição e caos. Transformou o nosso país no mais corrupto, menos seguro, infestado pela máfia da droga e um lugar perigoso especialmente para as mulheres. Todas as forças imperialistas invadem países por seus interesses estratégicos, políticos e financeiros, mas através de mentiras e imagens falsas imagens de um Afeganistão "libertado" tentaram esconder os reais motivos.
Nos últimos 20 anos, a Rawa pediu o fim da ocupação dos EUA / OTAN para poder decidir o nosso futuro. O futuro é muito sombrio. E para as mulheres voltar para a burca depois de vinte anos, é quase impossível. Os talibãs tentam tomar tempo para se organizar. Tudo aconteceu tão rápido, agora eles têm que montar um governo, sua inteligência e instituir o Ministério da Propagação da Virtude e da Prevenção do Vício, responsável pelo controle de todos os detalhes: comprimento da barba, roupas e o Mahram (homem acompanhante) para as mulheres. Os talibãs afirmam não ser contra os direitos das mulheres no quadro da sharia (lei islâmica). Mas a Sharia é vaga e interpretada de forma diferente pelos regimes islâmicos de acordo com sua própria agenda política. Os talibãs querem o reconhecimento do Ocidente e tentam mostrar uma imagem mais aceitável. Talvez daqui a alguns meses dirão que vão realizar eleições, que acreditam na justiça e na democracia!
Essas falsas promessas não mudarão sua natureza e permanecerão fundamentalistas islâmicos: misóginos, desumanos, bárbaros, reacionários, antidemocráticos, antiprogressistas.
A mentalidade dos talibãs não mudou e nunca mudará. Continuaremos a lutar por um Afeganistão independente, livre, secular, democrático e justo. Essas aspirações parecem muito difíceis de realizar porque estamos cercados por inimigos poderosos, que têm seus próprios interesses a cumprir. As forças democráticas sempre foram eliminadas e isso torna nossa luta ainda mais difícil, mas estamos convencidas de que a resistência existe, ela se tornará mais forte e as próximas gerações acabarão vencendo. Sempre dissemos que nenhuma nação pode exportar os "direitos das mulheres" ou a "democracia". Acreditamos que as mulheres afegãs continuarão a lutar e nenhuma opressão, tirania ou violência poderá impedir a resistência.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
“Vocês criaram o caos, nós mulheres resistiremos” - Instituto Humanitas Unisinos - IHU