09 Agosto 2021
"O corolário mais pesado no plano social, a ausência de autoridade e, portanto, de poder, cujos mecanismos perversos são ilustrados também no âmbito eclesial. De fato, se é verdade que a mulher está submetida ao nível político e doméstico sob a égide patriarcal, é igualmente verdade que a Igreja concorda 'com a política em sancionar firmemente a dependência das mulheres'", escreve o cardeal italiano Gianfranco Ravasi, prefeito do Pontifício Conselho para a Cultura, em artigo publicado por Il Sole 24 Ore, 08-08-2021. A tradução é de Luisa Rabolini.
A outra metade do céu. Publicado o "Tratado" de Gabrielle Suchon, monja por obrigação, mas que conseguiu se libertar do hábito religioso
"A privação é um campo tão fértil e abundante de todo tipo de misérias, que seus produtos são infinitos e quem quisesse falar de todos os frutos amargos que ele obriga as mulheres a comerem, começaria um trabalho que nunca iria terminar”. Assim escrevia no século XVII francês uma representante do beau sexe (ou simplesmente sexe), como as mulheres eram então chamadas. Uma teóloga milanesa, Maria Pia Ghielmi, foi desencavar nos arquivos poeirentos da história o Traité de la moral e de la politique de Gabrielle Suchon, nascida na Borgonha em 1632, vítima talvez de um enclausuramento forçado do qual parece ter se libertado, que viveu em solidão em Dijon e morreu em 1703, e cujo funeral foi assistido apenas pelo sacristão e um criado.
Traduzido pela primeira vez para o italiano, o tratado, apesar de redigido segundo os cânones escolásticos tradicionais e apelando para referências bíblicas, patrísticas e clássicas, como era costume no gênero literário em questão, revela-se explosivo em sua tripartição marcada por uma tripla "privação" à qual a mulher é destinada na sociedade da época.
A primeira negação é aquela da liberdade, dom divino concedido a todas as criaturas humanas e sub-repticiamente proibido à classe feminina que, assim, não usufrui do status de pessoa autônoma em relação aos homens.
Disso decorre uma segunda amputação da dignidade, a do conhecimento, da ciência, isto é, do conhecimento científico e teológico. No entanto, também as mulheres são dotadas de razão e do batismo que as torna igualmente filhas de Deus. A perda desse direito inalienável faz com que a ignorância as faça cair em vícios como calúnia, vaidade, maldade, avareza, que os homens usam instrumentalmente em seu proveito como uma ferramenta para o desprezo e a prevaricação em relação ao mundo feminino.
Anne-Marie Pelletier, Una comunione di donne e di uomini, Qiqajon, pp. 265. | Delphine Horvilleur, Nudità e pudore, Qiqajon, pp. 154. | Gabrielle Suchon, Della morale e della politica, Paoline, pp. 340. (Fotos: Divulgação)
Enfim, o corolário mais pesado no plano social, a ausência de autoridade e, portanto, de poder, cujos mecanismos perversos são ilustrados também no âmbito eclesial. De fato, se é verdade que a mulher está submetida ao nível político e doméstico sob a égide patriarcal, é igualmente verdade que a Igreja concorda "com a política em sancionar firmemente a dependência das mulheres", impedindo a elas a educação teológica, relegando-as ao devocionismo e sujeitando-as à direção espiritual masculina e à confissão que é vivida de modo penoso pela vergonha de revelar as próprias fraquezas a sacerdotes homens. Neste último âmbito, Suchon mostra-se cautelosa e até tortuosa para evitar intervenções da censura, desenvolvendo suas aspirações com realismo e sem ilusões.
Essa obra é amplamente enquadrada pela curadora do século XVII francês que, em outros aspectos, era rico de fermentos: basta pensar nos salões literários e às "Preciosas", que se tornaram famosas por causa de Molière que, no entanto, as tinha conotado negativamente, ou mesmo à entrada de defensores da filosofia da igualdade.
No entanto, o Traité merece ser ampliado com uma espécie de apêndice integrativo por outro texto sugestivo de Gabrielle Suchon, dedicado ao celibato voluntário, publicado em Paris em 1700. Não se trata de escolha monástica, embora sempre sujeita a superiores eclesiásticos masculinos e sem posses pessoais, mas de uma condição "neutra" de independência da obediência aos maridos, da educação dos filhos, do regime doméstico, para poder ter o senhorio sobre si mesma e determinar o próprio dia. Claro, também pode ter um perfil religioso com "as doçuras da vida contemplativa" e um "viver no mundo como se estivesse no claustro". Mas, para a autora, esse estado de celibato livre é a melhor garantia daquela independência e autodeterminação que a sociedade tende a negar à mulher.
Com um salto de séculos, conduzimos nossos leitores a conhecer outra figura feminina insólita: é a rabina francesa Delphine Horvilleur, nascida em Nancy em 1974 e ativa na promoção de um pensamento judaico liberal. Realiza isso através de um texto com um tema provocativo como a nudez e o pudor e de uma trama bastante desorientadora porque a autora procede de forma impressionista e incessantemente mutável com surpreendentes afirmações. Vamos propor na sequência algumas selecionadas em uma ordem livre: a mulher "omni-genital", o hebraico língua dos alfaiates, posso apedrejar meu tio?, Adão e a tese andrógina, pequeno tratado de dermatologia bíblica, o Santo... dos seios, excesso de testosterona, o ser de orifício, pele de asno, pele de mulher, tomar esposa todas as manhãs, feminização do homem e assim por diante.
Na realidade, esse puzzle é remontado progressivamente, revelando que não se exclui nenhuma peça (mesmo aqueles com luzes vermelhas, como no caso da análise filológica da palavra 'erwah' que deixaremos descobrir a quem a encontrar na leitura) para entender o quanto seja relevante o tema da nudez, para além de qualquer prurido, como seja difícil e talvez impossível "revelar-se" totalmente e como seja estafante despir os textos sagrados das vestimentas impostas por séculos de incrustações hermenêuticas.
Delphine Horvilleur, para evitar dúvidas, no apêndice se declara "feminista e judia, mas não feminista judia".
De 04 de junho a 10 de dezembro de 2021, o IHU realiza o XX Simpósio Internacional IHU. A (I)Relevância pública do cristianismo num mundo em transição, que tem como objetivo debater transdisciplinarmente desafios e possibilidades para o cristianismo em meio às grandes transformações que caracterizam a sociedade e a cultura atual, no contexto da confluência de diversas crises de um mundo em transição.
XX Simpósio Internacional IHU. A (I)Relevância pública do cristianismo num mundo em transição
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