09 Julho 2020
O alto número de abandonos da Igreja Católica (e Evangélica) na Alemanha exige uma profunda reavaliação.
A reportagem é de Antonio Dall’Osto, publicada ppr Settimana News, 08-07-2020. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Sem dúvida, foi um forte choque para os bispos alemães ler os dados relativos aos abandonos da Igreja Católica, publicados nas estatísticas anuais de 2019 pela Conferência Episcopal, no dia 26 de junho passado: foram 272.771 aqueles que foram embora.
“Decepcionamos profundamente a confiança do povo”, comentou desconsolado Dom Heiner Wilmer, bispo de Hildesheim. E Dom Peter Kohlgraf, bispo de Mainz: “A obviedade da nossa presença cristã na sociedade está desaparecendo”.
Por sua parte, o vigário geral de Trier, Ulrich Graf von Plettenberg, acrescentou: “Os dados demonstram dolorosamente que, com as nossas propostas, não conseguimos mais ir ao encontro de muitas pessoas na sua situação de vida”.
Procurando as razões desse fenômeno, muitos mencionaram os recentes escândalos dos abusos sexuais, as riquezas da Igreja e o respectivo imposto a pagar (Kirchensteuer), mas principalmente a falta de reformas e a perda de esperança de que elas sejam feitas.
Mas – disse H. Wilmer – fenômenos como os casos de abuso, a estrutura da Igreja e o imposto são apenas causas superficiais para explicar esses abandono. O problema é a perda de relevância. “Como Igreja Católica, estamos perdendo importância na interpretação do significado da vida das pessoas.” A Igreja Católica representa apenas uma das propostas ao lado de muitas outras alternativas na sociedade.
Para recuperar a confiança perdida, segundo o vigário geral da Diocese de Fulda, Christof Steinert, nos atuais “tempos de crise”, é importante que a Igreja esteja próxima e presente entre as pessoas e se interrogue sobre o significado da fé que é transmitida e que se vive.
Segundo o auxiliar da Diocese de Rottenburg, Matthäus Karrer, é decisiva a imagem que a Igreja oferece de si mesma. Na opinião dele, muitos vão embora porque perderam a paciência e não veem nenhuma vontade de reforma na Igreja.
Georg Bätzing, presidente da Conferência dos Bispos da Alemanha, enfatizou que “não há nada a ser dito sobre os números apresentados”. A Igreja deve se perguntar se ela ainda fala a linguagem certa para ir ao encontro das pessoas hoje. Após uma notável perda de transparência e de honestidade, ela deve agora tentar recuperar a confiança e explorar novas formas de transmissão da fé e de relações entre fiéis e sacerdotes. Nesse sentido, ele enfatizou a importância e a sua confiança no Caminho Sinodal.
Mas, de acordo com a reflexão do teólogo von Jan Loffeld (leia abaixo), o problema subjacente a tantos abandonos não é apenas a falta de reformas, mas também depende do fato de que hoje está aumentando cada vez mais – especialmente entre os jovens – uma atitude de desinteresse em relação a tudo o que diz respeito à religião e à Igreja. Esse é o ponto crucial.
Jan Loffeld é professor de Teologia Prática na universidade holandesa de Utrecht e exerce seu sacerdócio na Alemanha na Diocese de Münster.
Em primeiro lugar, apresentaremos o quadro geral dos abandonos, que diz respeito não apenas à Igreja Católica, mas também à Evangélica. E, em seguida, a reflexão de Jan Loffeld.
Em 2019, saíram da Igreja Católica alemã 272.771 fiéis, cerca de 26,2% a mais do que no ano anterior (216.078). A Igreja Evangélica, no mesmo período, registrou 270.000 abandonos, ou seja, 23,3% a mais do que em 2018 (220.000)
Atualmente, são 22,6 milhões de pessoas que fazem parte da Igreja Católica em suas 27 dioceses. Elas representam 27,2% da população total do país, calculada em 83,1 milhões. Em 2018, havia 23 milhões de católicos (27,9%). Isso significa que o número total de católicos diminuiu cerca de 400.000 em 2019.
As 20 Igrejas evangélicas, em 2019, contavam com um total de 20.713.213 membros, ou seja, 24,9% da população do país. Em 2018, eram pouco mais de 21 milhões. Portanto, o seu número também diminuiu 400.000 em 2019.
No geral, no fim de 2019, 43,3 milhões, ou seja, 52,1% da população total da Alemanha eram membros de uma das grandes Igrejas. No fim de 2018, eram 53,2%.
De acordo com as informações mais recentes da Igreja Evangélica (EKD), somam-se a esses dados, em 2018, mais de 1,5 milhão de cristãos ortodoxos e cerca de 900.000 membros de outras Igrejas e comunidades cristãs livres. O total de cristãos na Alemanha, portanto, em 2018, era de 45,7 milhões, ou seja, 55% de toda a população. Em 2018, eram 56,1%.
A frequência semanal média na Igreja entre os católicos diminuiu, passando de 9,3 para 9,1%. Isso significa apenas 2,1 milhões de presenças.
A Igreja Evangélica, de acordo com os dados relativos a 2017, registra, em média, cerca de 978.000 participantes, ou seja, 4,7%.
O número de paróquias católicas também diminuiu ainda mais, passando de 10.045 para 9.936. No fim de 2018, a Igreja Evangélica contava com 13.792 comunidades.
Quanto aos matrimônios, na Igreja Católica, o seu número diminuiu de 42.789 para 38.537. Na Igreja Evangélica, de acordo com os dados referentes a 2017, foram 42.987.
O número anual de batismos também caiu, passando de 167.787 para 159.043. O número também diminuiu na Igreja Protestante: de 170.000 no ano anterior, caiu para 160.000.
No ano passado, a Igreja Católica registrou 2.330 ingressos (2.442 em 2018) e 5.339 retornos (6.303 em 2018), e a Igreja Evangélica contou com cerca de 25.000 acolhidas.
O número de funerais católicos também diminuiu, passando de 243.705 para 233.937, superando assim o número de batismos, de inscrições e de retornos em aproximadamente 67.200 unidades. Na Igreja Evangélica, o número de funerais – cerca de 340.000 – também foi claramente mais alto do que os batismos e a acolhida (KNA, 26-06-2020).
Permitam-me uma breve introdução, relatando duas recordações pessoais: em maio de 2003, um mês antes de que o nosso curso de ordenandos em Münster, formando então por 16 membros, recebesse a ordenação presbiteral, ocorreu em Mainz a primeira reunião dos seminaristas alemães.
Na discussão final na Rheingoldhalle (reservada devido ao então grande número de candidatos), o comentário dos participantes foi unânime: “O mundo precisa de assistência pastoral, precisa de sacerdotes que administrem os sacramentos. Vocês estão se encaminhando para um futuro promissor”. “Consagrados a Deus e enviados” era o slogan do encontro em Mainz, que fornecia, ao mesmo tempo, a sua receita.
Mudança de cenário: no ano passado, quando comecei a minha atividade aqui em Utrecht, a colega de Pedagogia Religiosa, no encontro de apresentação, disse mais ou menos assim: “Aqui na Holanda, ninguém nos espera”. Ela absolutamente não disse isso com pesar ou com um tom particularmente deprimido.
Nas últimas décadas, a discussão sobre a desculturação eclesial e religiosa parece se mover entre essas duas perspectivas. A primeira tem como pressuposto a natureza religiosa dos seres humanos. Todo ser humano sente uma necessidade religiosa, e é dever das comunidades religiosas responder a ela adequadamente. Portanto, a atenção se concentra na adequação, na qualidade e na compreensibilidade da resposta.
A segunda considera que o problema religioso não existe mais – embora não para todos. Isso não significa que cada um não tenha um potencial religioso, mas sim que um número crescente de pessoas não sente necessidade alguma de ativá-lo ou de cultivá-lo constantemente, sequer em tempos de demandas clássicas de sentido e de vida. Muitas experiências pastorais em tempo de coronavírus parecem ir exatamente nessa direção.
O atual forte pedido de análise do grande número de pedidos para sair da Igreja certamente não é o único motivo ou a única razão que possa servir para esclarecer tudo.
E também é certo que não existe “a” solução. A demanda por reformas, em particular para a Igreja Católica, é imprescindível. No entanto, elas não devem ser instrumentalizadas como “performances” da Igreja e não devem ser associadas a algo de “messiânico” na esperança de que a tendência de ir embora da Igreja seja totalmente interrompida.
Sem dúvida, há a necessidade de reformas, mas por razões de justiça, para um sério discernimento dos “sinais dos tempos” e para responder melhor ao ser humano de hoje e às suas interrogações em sentido evangélico.
À luz dos novos dados estatísticos, muitas coisas indicam que eles também refletem um desenvolvimento, descrito por alguns setores da atual sociologia internacional das religiões como um retorno às abordagens secularizadas. Trata-se de uma secularização não como uma tendência universal (essa é a diferença da tese clássica da secularização), mas sim de uma megatendência.
Ao lado de um (pequeno) “âmbito religioso” às vezes muito variado e animado, cresce um mercado de propostas de sentido não religioso ou que se assemelham às religiosas.
Há muitos que sequer se fazem mais explicitamente a demanda de significado. Pode-se constatar isso entre as pessoas com menos de 40 anos: quanto mais jovens, menos são tocadas por interrogações religiosas, muito menos do que os seus pais na sua idade. Ou, como uma jovem professora holandesa de Filosofia disse aos seus alunos, “aqui não existe nenhum problema religioso”.
Por isso, encontramos diante não apenas de um problema referente à religião ou à demografia, mas também de um desinteresse fundamental pela religião. Na maioria das vezes, não sabemos se aqueles que abandonam a Igreja abraçam outra prática religiosa ou entram em outra comunidade eclesial. Simplesmente, para eles, não falta nada, mesmo sem Deus e sem a Igreja.
A lista das razões e das análises a esse respeito é longa. E a Igreja oferece uma boa dose de motivos de irritação contra ela, tanto que as pessoas se afastam dela. No entanto, também é oportuno ouvir alguns agentes de pastoral especializados. Muitos, diante dos dados de uma participação em declínio, se perguntam – para além do “problema-Igreja” – o que eles fizeram de errado nas propostas em nível paroquial. Párocos muito apreciados observam que os “fundamentos” do engajamento com os jovens na comunidade desaparecem quando, por exemplo, os jovens vão para a universidade. E, quando passam a viver em um contexto urbano, costumam abandonar a prática religiosa, até o ponto de sair da Igreja.
Isso, na maioria das vezes, não significa que eles não sejam gratos pelos “bons tempos passados na comunidade”, mas sim que a Igreja e a fé se tornam exigentes demais, de modo que eles preferem não ter nenhuma.
Muitos párocos sentem a sua prática pastoral como paradoxal: mesmo onde tudo parecia ir bem, e a Igreja fez um bom trabalho, os jovens escolhem algo que os atraia com mais força.
Esses poucos exemplos mostram que deveremos nos fazer uma forte pergunta sobre a Igreja. Para muitos, os chamados escândalos são apenas a gota que faz transbordar o copo. Ao mesmo tempo, as pessoas mais intimamente unidas à Igreja também se afastam, porque perderam a esperança nas mudanças. Isso deve ser levado a sério nas reflexões sobre a reforma.
Diante dos grandes números, parece apropriada a pergunta que o semanário Der Spiegel expressa sinteticamente nas seguintes afirmações: “O produto religioso do cristianismo parece ter perdido sua atratividade a 2.000 anos do seu aparecimento”. Não estamos vivendo hoje, talvez, uma “crise de relevância” do Evangelho?
Os homens e mulheres do século XXI ainda precisam de um Deus que deu o seu Filho “pela remissão dos pecados” – por mais que se tente traduzir essa mensagem em termos razoáveis e compreensíveis?
O problema da culpa não costuma ser resolvido de outras maneiras, talvez dizendo “sou inocente”, ou recusando qualquer responsabilidade, ou aplicando a fórmula “o fato não subsiste” (O. Marquardt)? E o imperativo do nosso tempo não é, talvez, concordar sempre (palavra-chave: “cultura da curtida”)?
O estudioso da cultura Byung-Chul Han interpreta esses fenômenos com o conceito de “sociedade positiva”, que tenta banir tudo o que é negativo, torná-lo facilmente controlável ou mascará-lo, e interpretar até a morte simplesmente como o “fim mudo da produção social”.
Uma tarefa importante seria a de oferecer a fé como algo que é “mais do que o necessário” (E. Jüngel) e, portanto, algo enriquecedor, mesmo que um número cada vez menor de pessoas sinta a necessidade dela.
O teólogo pastoralista Ottmar Fuchs usou uma bela comparação: a nossa pastoral (popular) é muito modelada sobre as imagens bíblicas da “primavera da Galileia”. Diz-se: “A cidade inteira se reuniu na frente da casa” (Mc 1,33), ou “Todos te buscam” (Mc 1,37). Isso era verdade em tempos de efetivo poder pastoral.
Observamos, no entanto, que essas imagens, por um lado, são muito eficazes no nível pastoral, mas, ao mesmo tempo, a realidade fala outra linguagem. Não há, talvez, a necessidade de outras imagens para a nossa pastoral e para as nossas Igrejas, pensando também na responsabilidade daqueles que ainda hoje querem se preparar para uma “profissão pastoral”?
O bispo de Magdeburgo, Gerhard, em seu livro publicado no ano passado, “Anders katholisch” (Diferentemente católico), para a Igreja da Alemanha central e oriental, usou a expressão “minoria criativa”. Esse parece ser um modelo adequado também para a Holanda e talvez também para outros países europeus em médio e longo prazo.
Quem provém das imagens de “plenitude”, portanto, deve engolir esse pedaço amargo. No entanto, os dados mais recentes, assim como a busca de décadas, em grande parte malsucedida, de criar pontos firmes, poderiam oferecer uma oportunidade para abordar o múltiplo diálogo sobre as reformas.
Isso não deve significar nem um “pequeno rebanho” que, temeroso do mundo, olha para o céu, fortalecido na fé e consciente da própria escolha (é assim que às vezes é compreendida a imagem de “minoria criativa”), nem uma espécie de “cristianismo em retirada”, tentado a percorrer o caminho de um novo papel na sociedade. Em vez disso, poderia significar a gestão aberta e criativa da situação assim como ela é, sem medo.
Seria necessário discutir sobre isso, fazendo-se as seguintes perguntas: para quem devemos ser relevantes? Para um tipo qualquer de “sistema” ou porque cremos que a mensagem que nós portamos é realmente um enriquecimento? Além disso, como são julgados os cristãos e as cristãs em relação à sua “catolicidade”, mesmo na sua diversidade (a Igreja primitiva também conhecia cristãos que permaneciam distantes da Eucaristia), no seu agir diaconal e na tentativa de interceptar a realidade?
Em última análise, trata-se do desafio de permanecer socialmente significativos e eficazes, mesmo que numericamente mais reduzidos e com poucos recursos financeiros. Seguramente, os processos de transformação do papel da Igreja são acompanhados pelo sofrimento. Slogans como “salvar o salvável e conservar o que pode ser conservado” (G. Greshake) não devem ser a única diretriz.
Concluindo: o lema da jornada dos seminaristas em Mainz em 2003 também poderia ser bom para uma futura imagem da Igreja: “Consagrados a Deus e dedicados ao mundo”, a ser aplicado, porém, a todo o povo de Deus.
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Igreja alemã: o trauma dos abandonos - Instituto Humanitas Unisinos - IHU