25 Novembro 2019
Um povo que se torna escudo de seus próprios sofrimentos e solidão com o rigor, a ordem e a eficiência, onde os jovens experimentam a diluição de sua identidade no título de estudo e na posição social e a Igreja é anestesiada contra todo impulso missionário. Um povo que, portanto, necessita de esperança e do anúncio do Evangelho. É o quadro do Japão que o Papa Francisco encontrará, em viagem para a Terra do Sol Nascente de 23 a 26 de novembro. Quem delineia isso é Dom Antonello Iapicca, padre italiano há trinta anos em missão a Takamatsu, que ajuda a entrar nos gânglios de um tecido social minado por uma alta taxa de suicídios e pelo fenômeno dos "Hikikomori” e de um aparato eclesial enfraquecido por ideologia e por um conceito questionável de inculturação.
A entrevista é de Salvatore Cernuzio, publicada por La Stampa, 22-11-2019. A tradução é de Luisa Rabolini.
Trinta e oito anos após a visita de João Paulo II, qual Japão encontrará o Papa Francisco?
Todos sabemos que o Papa Francisco se preocupa com o Japão, onde queria ser missionário quando jovem. Em mim e em muitos irmãos da pequena comunidade cristã japonesa, esta visita está despertando a maravilha e a admiração gerada há mais de 150 anos em todo o Ocidente pela descoberta da existência de um grupo considerável de cristãos no Japão, apesar da feroz perseguição que durou mais de dois séculos. É como se a experiência daqueles cristãos viesse se unir à nossa, através do fogo da misericórdia aceso com zelo apaixonado pelo Papa. Não é difícil encontrar hoje, nesse vislumbre da história, as pegadas luminosas das testemunhas e mártires que nos precederam.
Como essas experiências de martírio e perseguição se refletem hoje na Igreja?
Ainda somos perseguidos, hoje ainda mais do que nos primeiros séculos, como o Papa Francisco sempre diz, e não apenas naqueles fragmentos do mundo em que o ódio fanático por crueldade procura fiéis para serem mortos. No Ocidente e no Oriente, a perseguição é tão violenta quanto sutil e disfarçada. Em particular, o Japão é uma terra difícil: ao lado das raízes religiosas que são mais do que milenares, ao isolamento que caracterizou o país por muitos séculos e marcou profundamente seus costumes e mentalidade, existe hoje uma indiferença religiosa nas novas gerações. A Igreja parece quase desligada diante da urgência missionária: os fracassos enfraqueceram seu zelo, antropologia e eclesiologia foram minadas por tantas influências ideológicas que, por um lado, insuflaram as chamas do nacionalismo, pelo outro, paralisaram todas as iniciativas de anunciação do Evangelho.
A Igreja consegue, por exemplo, estabelecer um diálogo com os jovens? Considerando que o Japão se destaca pelo alto percentual de suicídios entre os menores, inclusive de 10 a 12 anos.
Os suicídios são apenas a ponta do iceberg. A sociedade japonesa, assim como a ocidental, está se decompondo rapidamente. Aqui também a esperança é a necessidade real de cada pessoa e coincide com a vitória de Cristo sobre a morte e o pecado. É acima de tudo uma questão antropológica que surge da fé católica e que, infelizmente, nessa fase parece não resolvida, camuflada com o problema da inculturação. Por trás da cultura está o homem, as necessidades são as mesmas em todos os lugares, assim como são idênticos os pecados. Mas pouco se fala disso, aliás, tudo é diluído em uma espécie de pseudo-otimismo que vê na realização da inculturação do Evangelho no Japão a resolução de todas as dificuldades da evangelização. O resultado é uma lenta anestesia dos impulsos missionários.
Na Tailândia, o Papa Francisco exortou a "inculturar o Evangelho". Portanto, a inculturação pode ser um problema?
É diferente. Inculturação não significa imitação profana da esperança cristã. Em vários aspectos, a Igreja no Japão destaca, em vez disso, uma preocupação latente, a de ser acolhidos, entendidos, sintonizados sobre as ondas das religiões e das culturas. Surge uma espécie de complexo, uma ânsia de mea culpa pelo que, numericamente, acaba sendo um fracasso. As reuniões e seminários sobre inculturação, os encontros inter-religiosos que às vezes se resolvem em festivais sincréticos são como silenciadores aplicados ao zelo pela proclamação do Evangelho. O medo de serem rejeitados corta as asas.
O que se deveria fazer, em sua opinião?
Minha experiência de quase trinta anos de missão no Japão me leva a afirmar o quão urgente e improcrastinável é arregaçar as mangas e ensinar aos japoneses tudo o que o Senhor nos ordenou. A ponto de aceitar a rejeição. O coração ferido dessas pessoas o conhecemos bem, sua dor bate à porta das casas de nós sacerdotes e famílias enviados em missão: o encontramos nos filhos na escola; o descobrimos nos escritórios e nas lojas onde, com eles, trabalhamos; nos hospitais onde, com eles, vamos nos tratar; nos shopping centers onde, com eles, procuramos ofertas adequadas para nossos pobres bolsos; nas esquinas das ruas onde, com eles, vamos jogar o lixo, rigorosamente separado. Isso se tornou resignação, dificultando a missão. O sofrimento sempre encontra um cantinho onde se esconder; às vezes é tão forte que pega os mais fracos, jovens ou velhos, prepotentemente, e os joga nos braços do demônio suicida. Devemos ir às escolas, aos escritórios, nos infiltrar na teia das relações sociais. É necessário olhar nos olhos os jovens, os adultos e os idosos. Somente assim podemos perceber a realidade por trás da forma, inacessível fronteira que separa o honne do tatemae, o autêntico do aparente”.
O eficientismo, a ordem e a medida que fazem do Japão um modelo social a ser imitado são, portanto, como você sugere, quase uma forma de proteção contra a solidão e o sofrimento ...
Fechados os sentimentos, as ideias e as intuições no abrigos antiatômicos de seu íntimo, os japoneses se sentem protegidos justamente pela uniformidade estabelecida pelas regras que governam as relações, da família à sociedade. Medida, ordem e eficiência são tampões colocados sobre a ferida, não a cicatrizam. O espetáculo oferecido pelo Japão nos dias seguintes ao devastador terremoto e tsunami de Fukushima são o emblema desse povo: não há catástrofe da qual não tenham se reerguido, com esforço e diligência quase sobre-humanos. Casas, escolas e fábricas são reconstruídas, terras pobres são revolvidas para voltar a semear, mas o que é destruído, lá no fundo, no coração, não há ninguém para curá-lo. Ordem lá fora, que exige uma entrega muito alta de tempo e compromisso às pessoas e às famílias, mas por dentro, cada japonês que não conheceu Cristo está profundamente sozinho.
Tudo isso que peso tem nas novas gerações? Já mencionamos os suicídios, mas o fenômeno dos Hikikomori também é generalizado, conforme os argumentos de reflexão citados durante o Sínodo dos jovens de 2018.
Os jovens japoneses experimentam a dureza da educação transmitida, a cauterização de qualquer sentimento, mesmo os maternos e paternos; vivenciam a diluição de sua própria pessoa no título de estudo, na função profissional, na posição social e, assim, perdem identidade, caráter e personalidade. Quase todo mundo tem um amigo ou parente suicida sob o peso da insustentável pressão voltada ao resultado e à eficiência. Em cada cidade, você pode ver filas de gerentes e simples funcionários tropeçar pelas calçadas encharcados de álcool nos fim de semana, tentativas extremas de se livrar de ansiedades, frustrações e assédios. Centenas de milhares de meninas se vendem para homens que querem carne fresca, e as estudantes em uniformes e minissaia curtíssimas são exaltadas como campeãs de feminilidade. Depois, sim, existem os "hikikomori", enxames de garotos que se eclipsam em seus quartos para não sair mais, com o rosto colado na tela do PC jogando juventude e esperanças em uma existência aprisionada em três metros quadrados. Eles estão em todo lugar no país.
O quadro é apenas negativo?
Não, Deus não se esqueceu desse povo. Os cristãos no Japão são menos que um grão de areia em uma praia do Pacífico; muitos deles esqueceram o endereço da paróquia e só voltam acompanhados pela funerária. No entanto, sob as cinzas as brasas ardem, um pequeno resquício de zelo crepitante, graças às famílias que estão aqui em missão que, juntamente com muitas pequenas comunidades cristãs, testemunham o amor que supera toda barreira. Tenho visto e vejo todos os dias as sementes do Evangelho semeadas ao longo dos séculos, neste tempo de pregação, crescer e dar frutos da vida eterna. Vi jovens se tornarem homens e mulheres livres, capazes de trabalhar aceitando suas fraquezas psicológicas, ou garotos que deixaram inúmeras atividades extracurriculares que os mantinham ocupados até a noite, separando-os de sua família e entes queridos para depois se aturdirem com álcool e sexo barato. Vi filhos parar de deixar os pais em clínicas por causa do horário de trabalho, desistindo de carreiras e dinheiro. Muitos funcionários tiveram a coragem de colocar o trabalho em segundo plano para voltar para casa e cuidar dos filhos. É tudo graças a Deus: com ele na Igreja, ressurgiram e continuam ressurgindo japoneses que não têm mais medo da precariedade e terremotos, fraquezas e tsunamis.
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Japão. Alta taxa de suicídios e o ‘Hikikomori’. “As pessoas precisam de esperança, por trás da eficiência há grande sofrimento”, constata missionário - Instituto Humanitas Unisinos - IHU