01 Novembro 2019
“A fraqueza objetiva das argumentações do magistério libera o campo para uma busca de argumentações mais fortes e mais convincentes, que respondam realmente à questão levantada por João XXIII e que aceitem que, em relação ao feminino, algo de decisivo ocorreu entre os séculos XIX e XX, do qual o século XXI deve prestar contas, sem ambiguidade”.
A opinião é de Andrea Grillo, teólogo italiano, professor do Pontifício Ateneu Santo Anselmo, em Roma, do Instituto Teológico Marchigiano, em Ancona, e do Instituto de Liturgia Pastoral da Abadia de Santa Justina, em Pádua, publicada por Come Se Non, 30-10-2019. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Por uma gentil indicação de Paola Lazzarini Orrù, retomo a pergunta feita por uma teóloga inglesa, à qual tento dar uma resposta, com algum fundamento textual e reflexivo.
Tina Beattie escreve [disponível aqui, no original em inglês]:
“Assim como outros teólogos católicos que defenderam abertamente as mulheres sacerdotes, eu tenho sido repetidamente silenciada e banida pelos bispos e pela Congregação para a Doutrina da Fé. Sob a influência do Papa Francisco, agora é possível discutir essas questões sem medo de uma censura draconiana. No Sínodo sobre a Amazônia, foram levantadas questões sobre as diáconas que nunca poderiam ter sido sussurradas nos corredores há dez anos.
“No entanto, eu nunca recebi uma resposta de qualquer padre, bispo ou teólogo a uma pergunta que eu tenho feito de maneira persistente e repetida em diferentes contextos. Não há ninguém disposto a aceitá-la porque eu estou dizendo que há uma heresia em um documento oficial do ensino católico, a saber, a Inter insigniores? Aqui está:
‘[“Os sinais sacramentais, diz Santo Tomás de Aquino, representam aquilo que eles significam por uma semelhança natural.”] Esta mesma lei da semelhança natural tem valor tanto para as pessoas como para as coisas: quando se torna necessário traduzir na prática sacramentalmente o papel de Cristo na Eucaristia, não existiria uma tal ‘semelhança natural’, que deve existir entre Cristo e o seu ministro, se a função de Cristo não fosse desempenhada por um homem: caso contrário, dificilmente se veria no mesmo ministro a imagem de Cristo. Com efeito, o próprio Cristo foi e continua a ser um homem.’
Então, se você é um padre, um membro da Congregação para a Doutrina da Fé ou um teólogo melhor do que eu, pode me explicar isso? As mulheres são feitas à imagem de Cristo ou não? Caso contrário, toda a tradição do magistério católico está errada, e Gênesis 1 está errado? Ou a Inter insigniores está errada? E, finalmente, o que os homens na missa veem quando olham para uma mulher, se eles acham difícil ver a imagem de Cristo nela?
Esta é realmente uma pergunta que me preocupa. Gostaria de ter certeza de que há uma explicação, mas eu não tenho conseguido vê-la, porque eu sou uma ursa de cérebro muito pequeno. Eu tenho certeza de que alguns de vocês conhecem teólogos católicos brilhantes e doutrinalmente puros que poderiam me ajudar a enquadrar o círculo. Obrigada.”
A primeira observação que quero fazer, diz respeito, em geral, ao uso das citações das obras de São Tomás. Na maioria das vezes, é preciso desconfiar da assunção de um “princípio” retirado de uma obra de São Tomás, porque, frequentemente, se trata de uma aparência de princípio, que não corresponde à intenção do autor.
Também neste caso, o documento Inter insigniores usa um texto de Tomás sem aprofundar nem a sua fonte nem o seu contexto. Em um exame mais atento, de fato, é fácil reconhecer a fraqueza da argumentação magisterial, que recorre a um texto cujo conteúdo real, de fato, desmente as próprias premissas do documento magisterial. Tento expor com simplicidade o fruto da minha breve pesquisa:
a) A expressão de Tomás citada pela Inter insigniores aparece no “Comentário sobre as sentenças de Pedro Lombardo” (Super Sent., lib. 4 d. 25 q. 2 a. 2 qc. 1 ad 4) e faz parte de uma resposta à discussão que não diz respeito à ordenação da mulher, mas sim à do escravo (o artigo 2, de fato, intitula-se “Se a escravidão é um impedimento para a recepção da ordem”)! O texto da citação na íntegra, que é muito breve, soa assim:
“Ad quartum dicendum, quod signa sacramentalia ex naturali similitudine repraesentant; mulier autem ex natura habet subjectionem, et non servus; et ideo non est simile.”
b) Como é evidente, a referência à “semelhança” não se refere, por si só, à “semelhança masculina/feminina” em relação ao Senhor, mas sim à semelhança na “condição de escravidão” que o escravo tem por contrato ou por convenção, enquanto a mulher tem “por natureza”. Para entender melhor essa resposta, no entanto, é preciso ler a objeção à qual ela responde, que se encontra algumas páginas antes;
c) A posição que é refutada no “ad quartum” citado é a seguinte, que defende a não ordenabilidade do escravo, que seria um caso “mais grave” do que a mulher:
“Sed contra, videtur quod (servitus) impediat quantum ad necessitatem sacramenti. Quia mulier non potest suscipere sacramentum ratione subjectionis. Sed major subjectio est in servo; quia mulier non datur viro in ancillam, propter quod non est de pedibus sumpta. Ergo et servus sacramentum non suscipit.”
Esse texto, que constitui o objeto da refutação de Tomás, remete a uma passagem de interpretação da criação da mulher a partir da costela de Adão, que Tomás apresenta assim na Summa Theologiae:
“Era conveniente que a mulher fosse formada a partir da costela do homem. Primeiro, para indicar que, entre o homem e a mulher, deve haver um vínculo de amor. Por outro lado, a mulher ‘não deve dominar sobre o homem’ [1Tm 2,12], e por isso não foi formada a partir da cabeça. Tampouco deve ser desprezada pelo homem como uma escrava; por isso, ela não foi formada a partir dos pés. Segundo, por uma razão mística: pois, do lado de Cristo dormente na cruz, deviam surgir os sacramentos, isto é, o sangue e a água, com os quais se edificaria a Igreja” (S. Th. q92 a3 co).
Portanto, podemos descobrir que a “similitudo” de que se fala no texto de Tomás diz respeito não à relação entre Cristo e o seu ministro ordenado, como a Inter insigniores a entende, mas sim à semelhança entre a condição de escravo e a condição de mulher.
A “semelhança” negada por Tomás é a relação entre o escravo e a mulher acerca do “defectus eminentiae gradus”. E ela é contestada precisamente pelo fato de que a “carência de autoridade” para o escravo é reversível, mas, para a mulher, não. A natureza, para Tomás, coloca a mulher em uma sujeição insuperável.
d) Tem-se a contraprova da não pertinência do suposto princípio tomista invocado pela Inter insigniores lendo os textos que precedem aqueles a que nos referimos, ou seja, os do artigo 1, dedicado especificamente à questão “Se o sexo feminino é um impedimento para a recepção da ordem”.
Nessa parte do comentário, o princípio invocado pela Inter insigniores aparece de forma diferente, ou seja, com um raciocínio levemente mais amplo, mas que esclarece ainda melhor a “mens” de Tomás e a sua profunda diferença da intenção com a qual a Inter insigniores o assume, em uma perspectiva profundamente diferente.
e) Também nesse caso, a citação utiliza a lógica da “similitudo”, anexando também um exemplo, tirado do sacramento da unção dos enfermos. Leiamos a passagem:
“Unde etsi mulieri exhibeantur omnia quae in ordinibus fiunt, ordinem non suscipit: quia cum sacramentum sit signum, in his quae in sacramento aguntur, requiritur non solum res, sed significatio rei; sicut dictum est, quod in extrema unctione exigitur quod sit infirmus, ut significetur curatione indigens. Cum ergo in sexu femineo non possit significari aliqua eminentia gradus, quia mulier statum subjectionis habet; ideo non potest ordinis sacramentum suscipere” (Super Sent., lib. 4 d. 25 q. 2 a. 1 qc. 1 co.).
Como fica evidente a partir do raciocínio proposto por Tomás, a pergunta não só sobre a “res”, mas também sobre a “significatio rei”, que de algum modo equivale ao que foi defendido a propósito da “similitudo” no caso anterior, é argumentada exclusivamente em relação à “significatio” da “eminentia gradus”: o sexo feminino é excluído da ordenação por ser incapaz de “significar e exercer a autoridade”.
f) É claro que a citação utilizada pela Inter insigniores remete a argumentação de Tomás não à semelhança masculina, poderíamos dizer entendida no seu lado objetivo e formal, mas sim à semelhança de autoridade e de ausência de escravidão.
Assim, parece evidente a fraqueza da argumentação, que nada mais faz senão reiterar precisamente aquela abordagem clássica que assume a relação entre homem e mulher marcada não só por uma legítima diferença, mas também por uma subordinação estrutural da segunda em relação ao primeiro.
Eu acredito que essa breve investigação sobre uma fonte da Inter insigniores pode se concluir com algumas afirmações mais gerais:
- Como ocorre com alguma frequência, também neste caso um texto de Tomás, desvinculado do seu contexto original, serve para dar autoridade a uma posição objetivamente bastante fraca e, em todo o caso, muito diferente daquela defendida pelo Doutor Angélico. Tomás nunca utiliza, na discussão sobre os impedimentos à ordenação, o argumento da semelhança, senão a referindo ao “defeito de autoridade”. Em outras palavras, o escravo não pode ser ordenado porque é desprovido de autoridade. Mas o escravo pode superar esse impedimento, que não deriva da natureza, mas da tradição. Em vez disso, a mulher “tem a escravidão por natureza” e, por isso, não pode ser ordenada. A razão da dessemelhança não é a “forma” ou a “estrutura” feminina, mas sim o “defectus eminentiae gradus”.
- Se lida no seu contexto, portanto, a afirmação sobre a “semelhança” – reproposta pelo documento de 1976, reafirma apenas a perspectiva que, para Tomás, era decisiva: ou seja, a “falta de autoridade da mulher” como princípio antropológico e sociológico do seu tempo e que também se impunha à discussão teológica, que se deixa instruir por essa evidência cultural. Que nós, porém, superamos.
- Sendo a Inter insigniores introduzida pela citação com a qual o Papa João XXIII assinala na Pacem in terris a aquisição da “mulher no espaço público” como “sinal dos tempos”, parece realmente paradoxal que, para dar sequência a essa nova afirmação, fundamenta-se a solução em um texto medieval que confirma precisamente aquilo de que devemos nos libertar hoje. Se se reitera na premissa que “por natureza a mulher não pode comandar”, toda discussão teológica fica superada e sem qualquer espaço.
Uma simples exegese tomista, conduzida no contexto a partir do qual a Inter insigniores extrai a afirmação de Tomás, liberta o campo para argumentações realmente convincentes, que devem ser novas, pois surgem a partir de um mundo transformado pela liberdade e pela igualdade.
A fraqueza objetiva das argumentações do magistério, das quais o teólogo deve fazer uma resenha acurada, libera o campo para uma busca de argumentações mais fortes e mais convincentes, que respondam realmente à questão levantada por João XXIII e que aceitem que, em relação ao feminino, algo de decisivo ocorreu entre os séculos XIX e XX, do qual o século XXI deve prestar contas, sem ambiguidade.
A semelhança exigida por Tomás é a “ausência de escravidão”: possível para o escravo, mas impossível para a mulher. O seu texto, portanto, assume um horizonte que não é mais o nosso. As “insigniores notas” que o mundo nos oferece há 60 anos, das quais a Igreja deveria se dispor a aprender alguma coisa, e entre as quais está a participação das mulheres na “coisa pública”, exigem do magistério e dos teólogos “insigniores cogitationes”. Que devemos saber elaborar, com uma audácia tão paciente quanto exigente.
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“Quaestio de mulierum similitudine”: Tomás de Aquino, a mulher e o escravo. Artigo de Andrea Grillo - Instituto Humanitas Unisinos - IHU