Uma década antes de a encíclica Laudato Si’ ser publicada, nas terras de Anapu, na Amazônia brasileira, era “plantada em solo brasileiro” a semente de um modo de pensar, de se relacionar com o mundo, com a construção de novos valores, partindo da perspectiva de que "Deus está em todas coisas" e caminha com os desfavorecidos. Em 12 de fevereiro de 2005, a missionária estadunidense Dorothy Stang foi vítima daquilo que enfrentava: a exploração da terra e dos pobres em favor do lucro e da ganância de poucos. O seu legado ainda brota e se constitui como inspiração para o ponto de inflexão que se encontra a Igreja e todo o mundo.
Dorothy Stang com as populações da floresta
Dorothy Stang nasceu em 1931, em Dayton, Ohio, Estados Unidos. Chegou ao Brasil na década de 1960, era missionária da Congregação das Irmãs de Notre Dame de Namur. A irmã Dorothy desempenhou seu trabalho diretamente nas comunidades amazônicas, reconhecendo a realidade marcada pela desigualdade e pelas relações construídas pela exploração da floresta e das populações empobrecidas, indígenas, ribeirinhos e trabalhadores.
Documentário "Amazônia: o combate de Dorothy Stang", de Net for God (França, 2016)
Dorothy Stang foi uma religiosa fruto de uma Igreja que se faz pobre com os pobres. Em entrevista especial à IHU On-Line, David Stang, irmão de Dorothy e também missionário, relata que "nós dois tínhamos o desejo de ajudar os pobres e aqueles que tinham muito pouco, os desejos do Vaticano II de que abríssemos os nossos corações às pessoas e descobríssemos com elas as suas necessidades, tanto físicas quanto espirituais".
Na entrevista concedida em 2009, David destacava as percepções da mística de Dorothy Stang, que antes de entrar no centro do debate da Igreja com a encíclica Laudato Si', compreendia a necessidade de uma mística associada com a ecologia. "Dorothy acreditava que o divino está em todo o lugar, que Deus nos deu esta grande terra para ser compartilhada por todos nós".
Mural em homenagem aos mártires do campo e da floresta: em destaque junto à cruz, representações de Irmã Dorothy Stang e Padre Josimo
Irmã Dorothy não construiu um legado apenas místico, mas teve na sua ação pastoral uma ação transformadora. A irmã Margarida Montoja, do Comitê Dorothy Stang, que concedeu entrevista à IHU On-Line em 2011, apontou a capacidade de organização e articulação política de Dorothy:
"1. Mapeou toda área de seu interesse e andava com estes mapas sempre em sua “boroca” (sacola de pano);
2. Fez levantamento dos possíveis donos dos lotes, descobriu onde havia grilagens e denunciou aos órgãos competentes;
3. Não trabalhava sozinha;
4. Descobriu o Projeto, Plano de Desenvolvimento Sustentável – PDS, que foi elaborado pelo governo FHC. Portanto, PDS não é invenção de Dorothy, é coisa de governo, pensado por uma equipe técnica. Ela descobriu isso que estava guardadinho em algum lugar e fez o governo executá-lo;
5. Escrevia tudo que acontecia, mesmo documentos, tudo com sua letrinha trêmula de idosa, mas, “tá tudo lá registrado, pra quem quiser ver e comprovar”, até citando nomes de seus algozes com muita antecedência;
6. Informava aos interessados toda caminhada feita pelo seu povo e pelos fazendeiros e madeireiros;
7. Ia à delegacia, ao Ibama, no MPF e estadual e onde pudesse denunciar os crimes;
8. Fazia parcerias com entidades e pessoas estratégicas para suas lutas e para realizar seus sonhos;
9. Sempre se colocava ao lado do povo e do meio ambiente;
10. Andava somente com o necessário em suas viagens;
11. Conhecia muito bem o alvo de sua luta;
12. Era minuciosa em suas anotações
13. Era uma grande mística que, aliada a seu espírito de luta, fez dela uma grande mulher, soube unir ação e oração".
Procissão do velório de Dorothy Stang
A religiosa, portanto, soube conciliar a espiritualidade e a ação política. Em uma de suas frases marcantes expressava: "Não vou fugir nem abandonar a luta desses trabalhadores que estão desprotegidos no meio da floresta. Eles têm o sagrado direito a uma vida melhor, numa terra onde possam viver e produzir com dignidade, sem devastar". Em entrevista à IHU On-Line, o procurador Felício Pontes Júnior definiu Dorothy como o "Anjo da Amazônia". "Tudo que ela tentou estabelecer foi o desenvolvimento integral dos povos da floresta. Isso implica também na relação do homem com a natureza. Ela trouxe para a prática a Teologia da Libertação em pleno século XXI", afirmou Felício.
O reconhecimento do trabalho de Dorothy foi mundial. Nos Estados Unidos, após a sua morte, foi premiada em diversas universidades com o título honoris causa, teve proclamado o "Dia Dorothy Stang", no estado do Colorado, e recebeu o prêmio de Direitos Humanos da ONU. Em memória dos 12 anos de sua morte, o portal National Catholic Reporter publicou um editorial intitulado "Dorothy Stang. A mais rara coragem cristã". A publicação fazia referência ao envolvimento direto de Dorothy com as populações amazônicas, destacando que "Suas sementes já brotaram, é o compromisso do Brasil em acelerar os acordos de terra para locais de desenvolvimento sustentável a agricultores pobres". Anos mais tarde, padre Amaro Lopes, também em Anapu, foi preso acusado de incitar conflitos de terra na região amazônica. Amaro, em entrevista ao Portal das CEBs, em fevereiro de 2019, declarou que a irmã Dorothy "ajudou-me a entender como se vive na prática o Evangelho. Defendendo os pequenos e pequenas em qualquer situação que ameaça a sua integridade física e de sobrevivência. Para mim foi uma mãe".
Túmulo de Ir. Dorothy. Foto: MST
A declaração de Amaro é um exemplo do quão impossível é deter a semente que foi plantada na Amazônia brasileira com a irmã Dorothy Stang. Seus assassinos tentaram pará-la com seis tiros, em 14 de fevereiro de 2005. Embora cinco pessoas tenham sido condenadas como mandantes ou participantes do crime, hoje nenhum deles está preso. No entanto, nem Dorothy está morta. De 06 de outubro a 27 de outubro de 2019, toda luta que empenhou por três décadas na Amazônia é o centro das atenções da Igreja. Como destaca o jornalista espanhol Luis Miguel Modino: "Dorothy está viva na memória de quem continua lutando em defesa da Amazônia. Quem a matou nunca pensou que se converteria em um símbolo de novos caminhos, um legado que está sendo posto em pauta através do processo sinodal".
Documentário Mataram Irmã Dorothy, de Daniel Junge (EUA, 2008)
A série Vozes que Desafiam. Mulheres na Igreja produzida pela equipe de Teologia Pública do Instituto Humanitas Unisinos tem como objetivo recuperar e visibilizar figuras de mulheres e contribuir no reconhecimento do lugar delas na vida da Igreja. Abaixo, compartilhamos entrevistas, artigos e reportagens publicadas pelo Instituto Humanitas Unisinos que resgatam o legado profético de Dorothy Stang.
Irmã Dorothy: mártir, profeta, mística e santa proclamada pelo povo. Entrevista especial com David Stang
Relembrando alguns episódios de sua infância com a Irmã e sua irmã Dorothy, David Stang, em entrevista exclusiva por e-mail à página IHU On-Line, testemunha toda a admiração pela vida e pela entrega de Dorothy, derramando seu sangue “que corre nas terras brasileiras que ela tanto amou, levantando-se em nome dos que não têm direito e em nome da Floresta Amazônica”.
Ex-missionário católico no Quênia e na Tanzânia, e hoje residente no Colorado, EUA, David Stang critica ainda a justiça e alguns setores da imprensa brasileira, por seu preconceito em retratar sua irmã como uma revolucionária e traficante de armas, uma “agente norte-americana” – sem levar em consideração a sua cidadania brasileira e o seu trabalho de mais de 30 anos no Brasil – e por insultar a sua fé católica e “a bela e simples cruz católica que ela sempre trazia ao redor de seu pescoço”. E afirma que a família Stang ainda luta para que o caso seja federalizado.
Mas muito além dos limites da justiça terrena, David Stang relata a sua esperança naquilo que sua irmã, com o seu martírio, plantou na sociedade e na Igreja brasileiras. “Nós dois tínhamos o desejo de ajudar os pobres, os desejos do Vaticano II de que abríssemos os nossos corações às pessoas e descobríssemos com elas as suas necessidades”, afirma. “Ambos sentíamos o Espírito Santo dentro de nós e o Reino de Deus em nossos corações. Com a grandeza de Deus dentro de nós, não tínhamos por que ter medo”.
E é daí que surge a sua convicção em afirmar que sua Irmã Dorothy o “encorajou a estar vivo” e a dizer, sem hesitar, que Dorothy é uma mártir, uma profeta, uma mística e uma santa, tão proclamada pelo povo.
Sínodo para a Amazônia: tornar realidade 14 anos depois os novos caminhos de Dorothy Stang
São muitos os personagens que ao longo da história sofreram isso. O próprio Jesus de Nazaré quis estabelecer um novo caminho para se relacionar com Deus e o poder político e religioso se aliou para que ele tivesse uma morte própria de um criminoso.
Com a irmã Dorothy aconteceu algo parecido, pois nos quase quarenta anos em que ela desenvolveu sua missão no Brasil foi convivendo com as pessoas, sobretudo com os mais pobres, e descobriu que o futuro da Amazônia e de seus povos passava por um novo caminho, que naquele tempo parecia ficção científica, o desenvolvimento sustentável, que começou como algo local, mas que foi conquistando um reconhecimento nacional e internacional.
Podemos dizer que com o Papa Francisco a situação é semelhante, pois em seus quase seis anos de pontificado não se cansou de tomar iniciativas surpreendentes. Agora quer buscar novos caminhos para a Igreja e para uma ecologia integral, e com isso está incomodando, como ele mesmo dizia aos jovens argentinos na Jornada Mundial da Juventude, no Rio de Janeiro, em 2013.
Buscar novos caminhos para a Igreja faz com que quem vive só preocupado com o que acontece dentro da sacristia seja contrário a uma Igreja em saída, de portas abertas, hospital de campanha, uma Igreja ministerial, sinodal, que não só ensina, mas quer escutar e aprender com todos.
Os novos caminhos para a ecologia integral alarmam as grandes corporações empresariais e os governos que as apoiam. Todos fazem parte de um mesmo bando, o daqueles que sempre viram a Casa Comum a partir da ânsia predatória de quem põe o lucro pessoal acima do bem coletivo.
O artigo é de Luis Miguel Modino.
“Irmã Dorothy Ajudou-me a entender como se vive na prática o Evangelho”. Entrevista com Padre Amaro Lopes
O assassinato da Irmã Dorothy completa neste 12 de fevereiro 14 anos. Sua morte ocorre num cenário de grande disputa por terras, destruição ambiental e violação de direitos dos povos ribeirinhos e indígenas. Essa disputa, na qual a irmã Dorothy foi mais uma vítima é antiga no Brasil e a justiça anda distante desse processo. Dorothy lutava bravamente em defesa dos mais empobrecidos, pela reforma agrária e foi esse o motivo que a fez ser vítima brutal dos interesses dos grileiros e fazendeiros do Norte do Brasil.
A história de violência contra Dorothy Stang percorreu o mundo e chocou as pessoas pela forma covarde com que tentaram calar a idosa de 73 anos. Mas o efeito foi ao contrário: o assassinato ecoou ainda mais a luta entre os desiguais desse país.
Ao lado da Irmã Dorothy, esteve por anos promovendo também o trabalho pastoral, o Padre José Amaro, hoje com 52 anos. Ameaçado de morte e perseguido pelos mesmo grupos poderosos que mandaram matar Dorothy Stang, foi preso com acusações infundadas em 27 de março de 2017. Passou 92 dias no Centro de Recuperação de Altamira-Pará, e como ele mesmo afirma: “Se eu fiz alguma coisa de errado, foi ajudar a garantir um pedacinho de terra na mão de trabalhadores e trabalhadoras para dar o sustento do pão de cada dia a sua família”.
Em memória aos 14 anos da morte da Irmã Dorothy, o Portal das CEBs entrevistou Padre José Amaro Lopes de Souza, 52 anos. Ele fala da atual situação dos conflitos na região do Pará e chama atenção para tantas mortes ocorridas nesses 14 anos. Lamenta a injustiça do caso da Irmã Dorothy e sua missão de continuar o trabalho mesmo diante de tantas ameaças.
Padre Amaro nasceu em Itapecuru Mirim – MA. Trabalhou por 20 anos na Paróquia Santa Luzia de Anapu e coordenou Comissão Pastoral da Terra. Graduado em Filosofia e Teologia, atua incansavelmente na defesa da vida e dos direitos do trabalhador e da trabalhadora do campo.
Dorothy Stang. A mais rara coragem cristã. Editorial da National Catholic Reporter
Cruz erguida no local onde Dorothy Stang, religiosa americana da Congregação das Irmãs de Notre Dame de Namur, foi assassinada em 12-02-2005, numa estrada isolada próxima do município de Anapu, Pará.
Dificilmente exista um católico americano com mais de 45 anos que não conheça a Irmã Dorothy Stang. Isto é, eles conheceram a freira americana arquetipicamente alegre, sorridente e disposta a prestar ajuda, uma pessoa que se colocava tão firme quanto o Rochedo de Gibraltar quando a justiça aos pobres era ameaçada e que se organizava de forma mais rápida do que os governos eram capazes.
Leia na íntegra.
Agora mais do que nunca: Irmã Dorothy Stang
A Irmã Dorothy contestou com coragem. Durante várias décadas, exigiu a proteção dos pobres da região rural do Brasil, em especial daqueles que viviam na Amazônia. Por causa de seu trabalho em favor da justiça, ela entrou para uma lista negra e acabou sendo assassinada.
É assim que suas irmãs contam a história: “no dia 12 de fevereiro de 2005, numa estrada de chão do acampamento de Boa Esperança, em uma zona rural do Pará, dois matadores de aluguel dispararam seis tiros e mataram a Irmã Dorothy… Quando os atiradores se aproximaram da Irmã Dorothy, ela tirou sua Bíblia da bolsa e começou a ler as Bem-aventuranças: Bem-aventurados os que têm fome e sede de justiça .”
A Irmã Dorothy disse que “apenas uma profunda mudança em nosso modo de vida – nossos valores e atitudes – pode trazer uma nova vida ao nosso mundo”.
O manifesto é do Movimento Católico Global pelo Clima.
O sangue ainda corre na floresta. Artigo do Greenpeace pelos dez anos do assassinato de Dorothy Stang
Neste 12 de fevereiro, o assassinato de Dorothy Stang completa dez anos, sem que os mandantes pelo crime tenham sido, de fato, presos. Depois de sucessivos julgamentos e do polêmico cancelamento do veredicto que condenou Vitalmiro Bastos de Moura a 30 anos de prisão, tanto ele como o outro mandante, Regivaldo Pereira Galvão, continuam livres. O caso, ao invés de exceção, infelizmente é a regra e retrato fiel da violência e impunidade que assolam comunidades rurais de todo o Brasil e especialmente da Amazônia.
De acordo com dados da Comissão Pastoral da Terra (CPT), de 2005 a 2014, 325 pessoas foram vítimas de assassinatos motivados por conflitos agrários. Mais da metade destes casos (67,3%) aconteceram na Amazônia Legal. O que mostra que, passados dez anos da morte de Dorothy, o sangue continua a correr na floresta.
Não bastasse o horror da violência, as famílias que sobrevivem às ameaças e os parentes das vítimas assassinadas ainda têm que conviver com seus algozes às soltas. De 1985 a 2013, a justiça recebeu 768 inquéritos de assassinatos no campo na região amazônica. Apenas 5% deste total chegou a julgamento, segundo a CPT. Pior: somente 19 mandantes receberam algum tipo de punição, sendo que a maioria responde às acusações em liberdade.
O grande levante social e religioso de Irmã Dorothy. Entrevista especial com Margarida Pantoja
Ao completarem-se quatro anos da morte da Irmã Dorothy Mae Stang, assassinada em 2005 com seis tiros a queima-roupa, aos 73 anos de idade, em uma estrada de terra de difícil acesso no interior do município de Anapu, no Estado do Pará. Seu assassinato ocorreu a mando de grileiros e madeireiros da região que já a ameaçavam há muito tempo por seu compromisso com a defesa da terra e dos direitos humanos.
Nesta entrevista, IHU On-Line conversou com a Irmã Margarida Pantoja, das Missionárias de Santa Teresinha, de Belém do Pará. Ir. Margarida é coordenadora do Comitê Dorothy Stang, grupo formado por religiosos e religiosas de diversas congregações, ativistas dos direitos humanos e jovens de Belém. Uma das fundadoras do Comitê, criado com o apoio da Conferência dos Religiosos do Brasil (CRB), Ir. Margarida nos fala sobre as celebrações em homenagem a Ir. Dorothy, as iniciativas tomadas pelo Comitê para que a justiça seja feita no caso dos assassinos e também sobre o “banho de conscientização” provocado por Dorothy, uma mulher que “levou muito a sério o profetismo e a missão dentro da Igreja”.
Irmã Dorothy é o Anjo da Amazônia. Entrevista especial com Felício Pontes Junior
Ao relembrar sua participação no Fórum Mundial de Teologia e Libertação, realizado em Belém do Pará de 21 a 24 de janeiro últimos, o procurador da República, Felício Pontes Junior, afirma que “causou enorme comoção o depoimento de defensores dos direitos humanos que estão ameaçados de morte no Pará. No total são 204 pessoas. Todos por defenderem os povos da floresta, como índios, quilombolas, seringueiros, ribeirinhos. Eles temem ter o mesmo fim que Irmã Dorothy”.
Ao refletir sobre a importância da missionária Dorothy Stang, assassinada a tiros, em 2005, no Pará, o procurador declara: “tudo que ela tentou estabelecer foi o desenvolvimento integral dos povos da floresta. Isso implica também na relação do homem com a natureza. Ela trouxe para a prática a Teologia da Libertação em pleno século XXI, mostrando que ainda é o caminho a ser seguido”.
Felício Pontes Junior é procurador da República junto ao Ministério Público Federal em Belém com atuação na área indígena, ambiental e ribeirinha, e é mestre em Teoria do Estado e Direito Constitucional pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio).
"A sagrada herança de Ir. Dorothy precisa ser defendida e multiplicada". Entrevista especial com Zenilda Petry, Margarida Pantoja e Jane Dwyer
“Um martírio é sempre gerador de ressurreição”. É com essas palavras de entusiasmo e esperança que a Ir. Zenilda Petry, lembra do falecimento da missionária católica Dorothy Stang, assassinada em 12 de fevereiro de 2005, depois de sofrer diversas ameaças de morte de grileiros e madeireiros da região. Dorothy foi morta com tiros a queima-roupa, aos 73 anos de idade, em Anapu.
Embora o martírio da Ir. Dorothy tenha evidenciado “ainda mais a força e a ganância cobiçosa de grupos e pessoas movidas por projetos opostos, por outro lado, esta morte despertou também a consciência, talvez um tanto adormecida de muitas pessoas. Isto resultou em resistência, solidariedade e certeza do caminho a prosseguir daquelas famílias e de uma rede maior de solidariedade. Igualmente, fortifica o povo de Anapu”, constata Zenilda, em entrevista à IHU On-Line concedida por e-mail.
Ir. Jane Dwyer, que trabalhou na Comissão Pastoral da Terra (CPT) e conviveu com Dorothy em 2005, diz que a situação na região é complicada. “Em 2010, tentaram tomar conta do projeto, desfazer o PDS e aproveitar a madeira para fins pessoais. (...) No Pará é difícil a lei ser observada e comprida. O poder local se une com o Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais, cujo tesoureiro é também o presidente da Câmara Municipal. O poder público, junto com o sindicato, aliou-se com os madeireiros do município, principalmente o vice-prefeito, que é madeireiro e fazendeiro”.
Para a Ir. Margarida Pantoja, “Ir. Dorothy não é para ser lembrada; é para ser imitada. Ela nos deu lições de organização, parceiras, persistência. (...) Impotente. Sim, impotente por perceber que ainda temos pessoas praticando a exploração ilegal de madeira sem uma preocupação com o futuro do planeta”.
Dorothy Stang. "Nenhum dos condenados por serem mandantes de crime cumpre pena até hoje". Entrevista especial com José Batista Gonçalves Afonso
Em 40 anos, mais de 800 pessoas foram assassinadas no Estado do Pará por seu comprometimento com a luta pelos direitos humanos. De todos os criminosos envolvidos – geralmente fazendeiros –, somente sete mandantes foram levados a júri popular. E apenas seis foram condenados. O outro foi absolvido. Justamente o que mandou matar a irmã Dorothy Stang.
Nesta entrevista concedida por telefone à IHU On-Line, um dos advogados de acusação do Caso Dorothy, que condenou os pistoleiros e um dos mandantes do assassinato da missionária anglobrasileira, José Batista Gonçalves Afonso apresenta detalhes do processo judicial dos cinco envolvidos no crime, ocorrido em 2005.
Teólogo e membro da coordenação nacional da Comissão Pastoral da Terra (CPT), José Batista trabalha desde 1996 junto à Comissão na diocese de Marabá, sudeste do Pará, e recebeu, no ano passado, o Prêmio João Canuto, do Movimento Humanos Direitos. Para ele, “a impunidade tem sido a marca principal da atuação do poder judiciário” em relação aos casos de crimes no campo contra lideranças sociais. “Levar um mandante de crime ao banco dos réus, condená-lo e mantê-lo preso tem sido uma tarefa extremamente difícil”, assume.