11 Outubro 2019
Ao exigir respeito pelas culturas dos povos indígenas, o Papa Francisco não está promovendo o panteísmo, mas – explorando suas raízes jesuítas – exigindo respeito por uma visão de mundo que vê Deus em todas as coisas.
A reportagem é de Barbara J. Fraser, publicada em Catholic News Service, 10-10-2019. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
No dia 9 de outubro, o papa disse ao Sínodo dos Bispos sobre a Amazônia que ficou decepcionado ao ver um jornal evocar as celebrações do Carnaval no Rio de Janeiro para descrever o rito de oração de abertura do Sínodo no dia 7 de outubro, com seus símbolos e cantos amazônicos.
Muitos dos membros do Sínodo, a maioria dos quais ministram na região amazônica, concordaram com o papa. O resumo do Vatican News sobre a discussão sobre o Sínodo, no dia 9 de outubro, dizia que “a visão da Sala sinodal se ampliou para a teologia da criação, na qual seria a Palavra de Deus à humanidade”.
Esse entendimento é compartilhado por muitos povos indígenas da Amazônia, que consideram o mundo natural sagrado porque Deus está presente em toda a criação. Isso é muito diferente do panteísmo, ou da crença de que os próprios elementos da natureza são deuses, disseram os especialistas.
“A nossa fé cristã e a Igreja nos ensinam a procurar e a encontrar Deus em todas as coisas, como diz Santo Inácio nos Exercícios Espirituais. Não há panteísmo nisso”, disse o padre jesuíta Adelson Araújo dos Santos, professor do Instituto de Espiritualidade da Pontifícia Universidade Gregoriana de Roma, ao Catholic News Service.
“O panteísmo significa acreditar que uma árvore é uma deusa, que o sol é um deus”, disse Moema Maria Marques de Miranda, uma leiga franciscana que é observadora no Sínodo.
A teologia da criação que está sendo discutida no Sínodo, em vez disso, reflete aquilo que São Boaventura, um franciscano, chamava de “panenteísmo”, o “reconhecimento de que toda a criação é uma expressão do amor de Deus”, disse ela ao CNS.
Quando São Francisco renunciou a uma vida de luxo e foi descalço rumo ao campo, o despertar dos seus sentidos ao mundo natural “o fez perceber que todas as coisas, humanas e não humanas, têm um único e mesmo Pai”, disse Miranda. “Existe uma conexão profunda, porque o amor de Deus está presente em todos os seres criados por Deus, assim como o amor dos pais está presente em cada um de seus filhos.”
Quando os europeus chegaram à América do Sul quatro séculos depois que São Francisco recebeu a sua revelação e 300 anos depois que São Boaventura escreveu sobre o panenteísmo, eles interpretaram mal a relação dos povos indígenas da Amazônia com o mundo natural, disse ela.
“Os povos amazônicos se relacionam com o cosmos como parte dele, e isso os faz parte da terra”, disse o arcebispo Roque Paloschi, de Porto Velho, Brasil. “A terra, a água, o ar, as florestas fazem parte deles e fazem com que eles sejam parte do todo. Tudo é sagrado, e é aí que reside a manifestação do sagrado.”
Enquanto São Boaventura escrevia sobre o panenteísmo como um conceito teológico, o povo Munduruku do Brasil o vive, disse o padre franciscano João Messias Sousa, que trabalha com os Munduruku no Brasil.
Para eles, “Deus está em todas as coisas, mas essas coisas não são deuses”, disse ele. Isso significa que “Deus não está distante. Ele está perto”.
Quando os missionários constroem capelas nas comunidades de Munduruku, disse ele, as pessoas aceitam, mas se perguntam por que é necessário ter um edifício para prestar culto.
“A dimensão sagrada, para eles, não tem um muro em volta”, afirmou. “Como você vai construir um lugar para Deus se Deus está em tudo?”
Muitos povos amazônicos também acreditam que cada elemento da criação tem um espírito, muitas vezes traduzido para o espanhol ou o português com a palavra “mãe”. Isso não significa que eles veem as árvores ou os animais como deuses, mas reflete a crença de que o sagrado está presente no mundo, disse o Pe. Sousa.
Reconhecer o sagrado, afirmou, significa “amar a presença do Criador em tudo. Quando você fala da mãe dos peixes, da floresta, dos animais, é (uma expressão de) respeito, porque eles são sagrados, da mesma forma que uma pessoa é sagrada”.
Por causa dessa presença divina na criação, uma pessoa não pode ser a dona dessas coisas e não deve destruí-las ou usá-las de forma irresponsável, acrescentou ele.
O apelo de Francisco pelo fim da destruição do ambiente para obter lucros econômicos, portanto, é apoiado pelo entendimento cristão da criação e pela crença indígena de que Deus está presente em todas as coisas.
O desmatamento e os danos à terra e aos rios pelas indústrias extrativas, como a exploração madeireira e a mineração, e de grandes projetos de infraestrutura, como as barragens hidrelétricas, estiveram entre os problemas mais frequentemente mencionados durante as consultas pré-sinodais realizadas nas jurisdições eclesiais em toda a região amazônica.
Essas preocupações se refletem no documento de trabalho do Sínodo, que também observa que a sabedoria ancestral passada de geração em geração entre os povos indígenas da Amazônia “inspira cuidado e respeito pela criação” e proíbe o abuso do ambiente.
O documento “simplesmente reconhece que alguns dos valores presentes nas cosmovisões indígenas, que envolvem um maior cuidado, preservação e proteção da natureza, nos ajudam a lembrar que, como cristãos, temos que perceber o mundo como criação, em que o homem e a mulher contemplam as características de Deus”, disse o Pe. Santos.
Por fim, disse Paloschi, a teologia da criação, da presença de Deus em tudo, percorre toda a história da Igreja.
“Santo Agostinho diz que o primeiro livro escrito foi a criação”, disse, “por isso, não há contradição entre a fé cristã e a espiritualidade dos povos da Amazônia”.
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Deus em todas as coisas: o Sínodo e a “teologia da criação” indígena - Instituto Humanitas Unisinos - IHU