08 Outubro 2019
Sem perder tempo, o relator geral do Sínodo dos Bispos sobre a Amazônia, convocado pelo Papa Francisco, deu o pontapé inicial do evento nessa segunda-feira de manhã, colocando as questões dos padres casados e do papel da mulher, muito disputadas, diretamente sobre a mesa da assembleia.
A reportagem é de John L. Allen Jr., publicada por Crux, 07-10-2019. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
“Outra questão é a carência de presbíteros a serviço das comunidades locais no território, com a consequente falta da Eucaristia ao menos dominical e de outros sacramentos”, disse o cardeal brasileiro Claudio Hummes, nomeado por Francisco para atuar como relator do encontro de 6 a 27 de outubro.
Isso “resulta numa pastoral de visitas esporádicas e não de uma adequada pastoral de presença quotidiana”, disse Hummes.
Embora norte-americanos e europeus costumem reclamar da falta de padres, as estatísticas da Igreja sugerem que há um padre para 1.300 católicos batizados em ambas as regiões. Na América Latina em geral, essa proporção é de um padre para 7.800 católicos e, em algumas partes da Amazônia, pode subir para um padre para 15.000 católicos ou mais.
“A participação na celebração da Eucaristia, ao menos aos domingos, é decisiva para o desenvolvimento progressivo e pleno das comunidades cristãs e para a vivência concreta da Palavra de Deus na vida das pessoas”, disse Hummes. “Será necessário definir novos caminhos para o futuro.”
Hummes, depois, entrou em questões mais concreta sobre quais seriam esses “novos caminhos”.
“Na fase da escuta, as comunidades locais, missionários e comunidades indígenas pediram que, reafirmando o grande valor do carisma do celibato na Igreja, contudo, diante da gritante necessidade da imensa maioria das comunidades católicas na Amazônia, ali se abra caminho para ordenação presbiteral de homens casados, que residam nas comunidades”, disse ele.
Hummes, então, indicou que essa reflexão não parará nos homens casados.
“Diante do grande número de mulheres que hoje dirigem comunidades na Amazônia, se reconheça este serviço e se procure consolidá-lo com um ministério adequado de mulheres dirigentes de comunidade”, disse ele, sem especificar qual poderia ser esse “ministério adequado”.
A referência às mulheres atraiu aplausos no Sínodo.
Em 2016, Francisco estabeleceu uma comissão para examinar a possibilidade de as mulheres serem diáconas. Essa comissão apresentou um relatório sem aparentemente chegar a um consenso, e, em maio, Francisco disse: “Eu não tenho medo do estudo, mas, até este momento, isso não procede”.
No período que antecedeu o Sínodo sobre a Amazônia, a questão dos padres casados – os chamados viri probati – esteve entre os pontos mais debatidos. Os críticos veem essas propostas como um cavalo de Troia que pode levar à abolição do celibato clerical em todos os lugares, enquanto os defensores tendem a considerá-las como uma resposta realista às exigências pastorais da região.
Em uma entrevista de 2017, Francisco disse que está aberto à ideia de ordenar viri probati para servirem em comunidades rurais isoladas e também mencionou o seu possível uso não apenas na Amazônia, mas também nas ilhas do Pacífico.
Recebendo o aplauso da Sala do Sínodo, Hummes começou anunciando que falaria em português, a língua do Brasil. Em termos gerais, ele exortou os participantes no Sínodo da Amazônia a não se deixarem atolar pelo “tradicionalismo”.
“Uma coisa é o tradicionalismo que fica preso no passado, outra é a verdadeira tradição que é a história viva da Igreja”, disse ele, argumentando que cada geração na Igreja “enriquece esta tradição com sua própria vivência e compreensão desta mesma fé em Jesus Cristo no tempo atual”.
“Deus traz sempre novidade e pede para confiar nele”, afirmou, citando uma homilia de Francisco.
Hummes também pediu que o Sínodo faça uma forte defesa das cerca de 400 comunidades nativas e indígenas da Amazônia.
“É preciso que aos povos indígenas seja devolvido e garantido o direito de serem sujeitos de sua história, protagonistas e não objetos do espírito e prática de colonialismo de quem quer que seja”, afirmou.
De acordo com o ethos “verde” do Sínodo, Hummes insistiu em uma forte tomada de posição ecológica.
“Igreja e ecologia integral no território estão interligados. Trata-se de uma Igreja consciente de que sua missão religiosa, em coerência com sua fé em Jesus Cristo, inclui necessariamente ‘o cuidado da casa comum’”, disse. “Tal interligação demonstra também que o grito da terra e o grito dos pobres na região é o mesmo grito.”
“O sínodo se realiza num contexto de uma grave e urgente crise climática e ecológica que atinge todo o nosso planeta”, disse Hummes. “Ao mesmo tempo, ocorre no planeta uma devastação, depredação e degradação galopante dos recursos da terra, promovidas por um paradigma tecnocrático globalizado.”
“A terra não aguenta mais”, disse Hummes.
O cardeal brasileiro, que estava sentado ao lado de Jorge Mario Bergoglio, da Argentina, durante o conclave de 2013 e sugeriu que ele tomasse o nome de “Francisco”, listou várias ameaças específicas que a Amazônia enfrenta hoje, as quais ele sugeriu que o Sínodo terá que levar em consideração:
- criminalização e assassinato de líderes e defensores do território;
- apropriação e privatização de bens da natureza, como a própria água;
- concessões madeireiras legais e pela entrada de madeireiras ilegais;
- caça e pesca predatórias, principalmente nos rios;
- megaprojetos: hidrelétricas, concessões florestais, desmatamento para produzir monoculturas, estradas e ferrovias, projetos mineiros e petroleiros;
- contaminação ocasionada por todas as indústrias extrativistas que causam problemas e enfermidades, principalmente para crianças e jovens;
- narcotráfico;
- consequentes problemas sociais associados a tais ameaças, como alcoolismo, violência contra a mulher, prostituição de menores, tráfico de pessoas, perda de sua cultura originária e de sua identidade e todas as condições de pobreza.
À luz de tudo isso, Hummes terminou mencionando vários “núcleos generativos” para o encontro:
- a Igreja em saída na Amazônia e seus novos caminhos;
- o rosto amazônico da Igreja: inculturação e interculturalidade em âmbito missionário-eclesial;
- a ministerialidade da Igreja na Amazônia: presbiterado, diaconato, ministérios, o papel da mulher;
- a ação da Igreja no cuidado com a Casa Comum: a escuta da Terra e dos pobres; ecologia integral ambiental, econômica, social e cultural;
- a Igreja amazônica na realidade urbana;
- a questão da água;
- outros.
Antes de Hummes, o cardeal italiano Lorenzo Baldisseri, secretário do Sínodo dos Bispos, fez uma longa visão geral da história e dos procedimentos do encontro. Baldisseri disse que o objetivo final do encontro é focar “aquele jardim de imensas riquezas e recursos naturais, terra mãe de povos indígenas com uma história e um rosto inconfundíveis, território muito ameaçado pela ambição desmedida do homem, em vez de ser cuidado”.
Como Baldisseri apresentou, o Sínodo alternará entre sessões gerais em que os participantes podem falar para toda a assembleia e grupos de trabalho menores, organizados por idioma, que permitam discussões mais livres. A primeira reunião desses pequenos grupos está marcada para quarta-feira.
Em um aceno ao século XXI, Baldisseri também disse aos participantes que, embora eles sejam livres para dar entrevistas e discutir o Sínodo publicamente durante seu tempo livre, ele lhes pedia para não usar as mídias sociais para compartilhar impressões durante o trabalho real das sessões.
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Dom Hummes coloca padres casados e mulheres em pauta no Sínodo sobre a Amazônia - Instituto Humanitas Unisinos - IHU