02 Abril 2019
Cinco especialistas alemães explicam as bases ideológicas da ditadura nazista, que era centrada no racismo, no antissemitismo e no nacionalismo e contrária ao comunismo e aos sindicatos.
A reportagem é de Gabriel Bonis, publicada por Deutsche Welle, 29-03-2019.
Basta uma rápida olhada nas origens do movimento nazista para descartar completamente a ideia de que o Partido Nacional-Socialista dos Trabalhadores Alemães (NSDAP) fosse de esquerda, afirma o historiador Jürgen Zarusky, do Instituto para História Contemporânea Munique-Berlim. "[O nazismo] era profundamente enraizado em tendências extremistas de direita que já existiam ao fim da Primeira Guerra Mundial", explica.
E essa é uma posição há muito consolidada entre especialistas. "Nenhum historiador profissional classificaria a ditadura nazista como de esquerda. O Nacional-Socialismo e o conceito de volksgemeinschaft (comunidade nacional) eram antiliberais, racistas e nacionalistas", diz o historiador André Postert, do Instituto Hannah Arendt, de Dresden.
O debate sobre a orientação ideológica do nazismo se espalhou pelas redes sociais nos últimos anos, e ganhou força no contexto da polarização política no Brasil durante as eleições. A teoria de que o nacional-socialismo teria sido um fenômeno de esquerda, que é considerada um absurdo na Alemanha, chegou a ser ecoada pelo atual ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo.
O movimento nazista era contra o capitalismo praticado nos EUA, mas críticas a esse modelo econômico eram comuns na época devido à crise financeira de 1929. O nazismo também se opunha fortemente ao marxismo e ao bolchevismo por associá-los – assim como o capitalismo liberal – à "luta dos judeus pelo poder mundial". "Não tinha nada que ver com ideologias de esquerda", afirma Zarusky.
Logo, apesar de carregar o termo socialista em seu nome, o NSDAP estava bem distante do socialismo. "O rótulo 'socialista' e o tom amigável ao trabalhador ajudaram Hitler a ganhar amplo apoio entre essa parcela da população", conta o pesquisador Paul-M. Rabe, do Centro de Documentação de Munique para a História do Nacional-Socialismo.
O Deutsche Arbeiterpartei (Partido dos Trabalhadores Alemães), que antecedeu o NSDAP, foi criado em 1919 inspirado pela Sociedade Thule para solucionar um "problema": a classe trabalhadora pendia para a esquerda. "O começo do Nacional-Socialismo está numa sociedade secreta, claramente de direita e que tinha entre seus membros integrantes da aristocracia alemã", diz Zarusky.
Adolf Hitler entrou no partido e logo se tornou sua figura principal, transformando-o no NSDAP. Sob o seu comando, o partido se opôs à teoria marxista da luta de classes e defendeu a formação de uma comunidade nacional alemã que integrasse os trabalhadores. "Na visão fascista, marxistas e comunistas dividiam a comunidade nacional, cuja construção era o objetivo político nazista", afirma o historiador Michael Wildt, professor da Universidade Humboldt, de Berlim.
O partido nazista até possuía correntes à esquerda, mas todas elas concordavam com a abolição do sistema liberal da República de Weimar, com o antissemitismo e com o nacionalismo. Nesse núcleo estavam Gregor e Otto Strasser e, inicialmente, Joseph Goebbels, o poderoso ministro da propaganda da Alemanha nazista.
Nos 1920, o programa do NSDAP incluía elementos mais radicais ao capitalismo para atrair os trabalhadores. Contudo, antes mesmo de chegarem ao poder, em 1933, os nazistas eliminaram essa ala à esquerda. O então chanceler Kurt von Schleicher buscou rachar o movimento nazista em 1932, tentando formar uma ponte entre o setor de Gregor Strasser, visto como um competidor de Hitler, e os sindicatos, os social-democratas e partes dos militares.
A estratégia falhou. "Gregor Strasser, Ernst Röhm e muitos outros, que se apresentaram como revolucionários sociais, foram mortos na Noite das Facas Longas, em junho de 1934. Hitler sabia que precisava das elites conservadoras, das classes médias altas e dos industriais para seus planos expansionistas", diz Postert.
Após chegar ao poder, Hitler passou leis emergenciais para restringir a liberdade pessoal, o que lhe permitiu perseguir e prender líderes comunistas e banir deputados comunistas, sindicatos e todos os demais partidos políticos.
O conceito de socialismo de Hitler era completamente oposto ao da União Soviética, tendo a raça como base. Em 1932, o líder nazista disse: "O comunismo não é socialismo. O marxismo não é socialismo. Os marxistas roubaram o termo e confundiram seu significado. O socialismo é uma antiga instituição ariana e germânica […] Para nós, Estado e raça são um."
A volksgemeinschaft seria, assim, algo exclusivo da etnia germânica. Esse racismo estava presente também na tentativa de implementar um Estado de bem-estar social, usado como ferramenta para garantir apoio entre os trabalhadores. O sistema excluía imigrantes, judeus, opositores e aqueles considerados "sem valor", como deficientes e homossexuais.
Antes mesmo de 1933 foram criadas organizações de massa, como a Frente dos Trabalhadores Alemães e a Força pela Alegria, para garantir a lealdade dos trabalhadores. Entrar para o partido nazista também abria oportunidades. "Ainda que o regime não tenha tocado na propriedade privada e a situação da classe trabalhadora não tenha mudado fundamentalmente, os nazistas integraram grande parte dos trabalhadores em sua utopia social, enquanto destruíam as estruturas e organizações da esquerda política", diz Postert.
Uma das tentativas de consolidação da comunidade nacional foi a construção de pequenas casas e apartamentos nos anos 1930. "Quem quisesse essa habitação tinha que provar nunca ter sido membro de organizações de esquerda ou não ser de origem judia", explica Zarusky.
Mas, na realidade, completa o historiador, esse tipo de projeto não era a prioridade dos nazistas. O mais importante era a guerra, e o conflito logo resultaria na destruição dessas casas.
A ideologia racista, o antissemitismo e o imperialismo (a única forma de aumentar as exportações alemãs, segundo Hitler, era a conquista de território) superavam o sentimento anticapitalista. A ditadura nazista impôs algumas medidas para centralizar a economia e focá-la na preparação para a Segunda Guerra mundial, mas não confiscou propriedade privada de alemães, não proibiu o acúmulo de riqueza nem aboliu o capitalismo.
"Essas 'credenciais' socialistas do regime nazista baseavam-se na rejeição do capitalismo financeiro e não no socialismo", afirma o historiador Arnd Bauerkämper, da Universidade Livre de Berlim.
O regime pretendia construir um modelo que funcionasse para a Alemanha e, naquele momento, a prioridade era aumentar a capacidade bélica do país. Assim, a ditadura nazista aliou-se aos industrialistas para produzir armamentos e consolidar seu poderio militar.
O sistema econômico foi, contudo, "arianizado", com o confisco de propriedades de judeus. "Numa abordagem racista, não importa se alguém é capitalista. É muito mais relevante que esse capitalista seja alemão e não judeu", diz Wildt.
Dessa forma, os nazistas poderiam ser contra os "capitalistas judeus malvados", ao mesmo tempo em que incluíam os "bons empresários e mercadores alemães" na volksgemeinschaft. "A maioria das grandes companhias e empresários não demonstrou dúvidas razoáveis sobre o regime. A resistência ao nazismo veio dos antigos partidos da classe trabalhadora, dos comunistas, dos social-democratas e da esquerda", conclui Zarusky.
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As origens ideológicas do nazismo - Instituto Humanitas Unisinos - IHU