02 Junho 2017
O Sínodo para a Amazônia sugerido pelo Papa Francisco aos bispos peruanos está em marcha. Acima de tudo, para definir os conteúdos temáticos da assembleia inédita. Entre os bispos da Igreja amazônica brasileira, a discussão está aberta e, nas palavras de alguns deles, evidenciam-se quatro problemáticas predominantes sobre as outras: a falta de sacerdotes e, portanto, de funções magisteriais e litúrgicas em várias regiões; o aumento da presença de evangélicos entre as comunidades; a ameaça de destruição da floresta amazônica e a violência que alguns povos indígenas que lá vivem estão sofrendo.
A reportagem é de Rafael Marcoccia, publicada por Vatican Insider, 01-06-2017. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Os quatro eixos temáticos, evidentemente, estão interligados: a dramática escassez de clero em uma área tão vasta faz com que as celebrações litúrgicas em certas comunidades sejam igualmente escassas, que a catequese seja praticamente inexistente e que a presença evangélica seja incontestada. Também por isso, na cúpula da Igreja amazônica, ganhou espaço a ideia da formação de um clero autóctone indígena.
Dom Edson Damian, bispo de São Gabriel da Cachoeira, no estado do Amazonas, pede que, no hipotético Sínodo, aprofundem-se três pontos, na sua opinião, centrais: a formação de padres nascidos na região; a formação de índios que sejam sujeitos da evangelização; a instituição de ministérios e de ritos próprios para os sacramentos e as bênçãos praticados pelas culturas indígenas.
Quanto à formação de padres autóctones, o Sínodo deveria considerar a possibilidade de identificar um itinerário de formação sacerdotal mais rápido do que o tradicional, com cursos periódicos realizados na mesma comunidade onde vivem os jovens interessados, para facilitar a participação daqueles que não têm as possibilidades financeiras ou de tempo para deixar a região de residência por um longo período de tempo.
“Sem levar em conta – argumenta o bispo Edson Damian – que os jovens que cresceram no local conhecem melhor do que ninguém a cultura e o estilo de vida daquela comunidade específica, e é muito melhor apontar para eles do que importar alguém de fora, que deveria suportar às vezes um período longo e difícil de adaptação.”
Para Dom Edson, a formação de lideranças indígenas é um passo decisivo para a Igreja da Amazônia: “Só formando um clero local é que os índios podem assumir um papel de protagonistas na evangelização nas suas aldeias”.
Ao tema do clero indígena, está unido o da liturgia nas línguas indígenas locais e a possibilidade de eleger índios casados para desempenhar alguns serviços religiosos na comunidade, temas que também foram proposto para a agenda do Sínodo. A cultura indígena – observa o bispo de São Gabriel da Cachoeira – não contempla o celibato.
A eventualidade de um próximo Sínodo para a Amazônia sugerida pelo papa começou a animar também a discussão de algumas autoridades indígenas das comunidades católicas. Justino Sarmento Rezende, ordenado há 23 anos e pertencente ao povo Tuyuka, de São Gabriel da Cachoeira, não perdeu as suas raízes no encontro com a fé cristã. “Nós acreditamos em Deus criador e temos o nosso modo de viver a fé”, afirma. “Um Sínodo ajudaria a fazer com que muitas particularidades culturais e rituais sejam reconhecidas e valorizadas.”
Leonardo Ferraz Penteado, membro do povo Tukano e coordenador do conselho paroquial de Lauaretê, uma aldeia de São Gabriel da Cachoeira, está convencido de que um Sínodo focado na realidade da Amazônia “uniria a Igreja indígena e ajudaria enormemente sua missão entre os seus semelhantes”.
Um ponto quente que o Sínodo da Amazônia não poderia evitar é o dos ministros ordenados locais, casados ou não, habilitados a distribuir os sacramentos e guiar as comunidades. Uma indicação que já pode ser dada é de que eles devem ser identificados diretamente pela sua comunidade e apoiados pelos bispos. Trata-se de uma estrada que deve ser tomada com convicção, da qual depende uma presença capilar dos sacramentos e do ensino cristão. Uma forma direta de enfrentar também a invasão cada vez mais maciça dos evangélicos neopentecostais.
Dom José Araújo de Albuquerque, bispo de Manaus (Amazonas), observa que “o pastor evangélico tem a sua família e está perto da pessoa em dificuldade na situação mais periférica, está logo ao seu lado quando surge qualquer problema”. Um ponto de força que, de acordo com o bispo, deve ser imitado: “Em certos lugares, esperar que as pessoas nos procurem é um método que não funciona”. E acrescenta: “Dar força e autonomia aos ministros ordenados locais certamente ajudaria nesse processo, tornaria a Igreja mais dinâmica e ‘em saída’ como quer o Papa Francisco”.
Proteção do ambiente e dos povos que o habitam: outro ponto importante na agenda do futuro Sínodo é a floresta amazônica e os riscos da sua destruição. Uma ameaça que é sinalizada por várias vozes eclesiais da região é representada pelos projetos de mineração em contínuo desenvolvimento.
Um deles – a maior mina de ouro do Brasil – é gerido pela sociedade de mineração canadense Belo Sun, na localidade de Altamira, no estado do Pará. A mina ocupa uma área de 600 hectares, 300 dos quais já estão desmatados, com uma população de 1.320 habitantes de duas reservas indígenas e cinco aldeias expulsas das suas terras em tempos diferentes.
Fontes da Igreja local denunciam que os resíduos químicos – mais de 35 milhões de metros cúbicos de resíduos químicos de mineração – são despejados no Rio Xingu. Uma situação – lembram – que já havia sido verificada quando foi construída a usina de Belo Monte, em 2011, que reduziu em 80% do fluxo das águas fluviais, comprometendo a flora e a fauna locais.
Dom Erwin Kräutler, bispo emérito do Xingu (Pará), denuncia que estão sendo infligidas feridas profundas ao ecossistema: “Quem é da região conhece perfeitamente o absurdo do que está acontecendo. Aquilo que construíram não é nada mais do que um monumento à loucura”.
É da mesma opinião o teólogo Ivo Poletto, ex-secretário executivo da Comissão Pastoral da Terra, também ele envolvido com os povos da Amazônia: “Os rios, a floresta, o solo, a biodiversidade, os povos pedem ajuda. Eles estão sofrendo contínuas agressões por parte daquilo que é falsamente chamado de progresso”, afirma. “Trata-se de uma economia baseada na prática da extração predatória, e o que sobra é um desequilíbrio do ecossistema onde vivem esses povos e uma precária sobrevivência, já que os seus territórios devem enfrentar invasões e ameaças violentas por parte daqueles que querem controlar e explorar tudo e todos.”
Por essa razão, o teólogo Poletto também apoia um Sínodo que enfrente o problema e as possíveis soluções: “Ele teria um peso notável, muito mais do que os encontros e os muitos congressos realizados periodicamente”.
Dom Sebastião Lima Duarte, bispo de Viana, no estado do Maranhão, pede veementemente que um eventual Sínodo analise com atenção a condição dos povos amazônicos. E observa que várias situações de conflito são produzidas por uma ausência de delimitação das terras indígenas. Um caso de destaque particular diz respeito à sua diocese, onde o povo indígena Gamela é vítima de ocupações ilegais.
Outro caso é o do povo Jaminawa Arará, no estado do Acre. “A Igreja – defende Dom Sebastião – deve intervir com um processo de reorganização dos povos indígenas e dos quilombolas para a recuperação das suas terras e a reafirmação das suas culturas.”
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Amazônia, uma agenda para o Sínodo - Instituto Humanitas Unisinos - IHU