05 Novembro 2016
"A Igreja não é mais ‘societas inaequalis’. A igualdade civil e social não muda o Evangelho, mas permite compreendê-lo melhor."
O opinião é do teólogo italiano Andrea Grillo, leigo, professor do Pontifício Ateneu S. Anselmo, em Roma, do Instituto Teológico Marchigiano, em Ancona, e do Instituto de Liturgia Pastoral da Abadia de Santa Giustina, em Pádua.
O artigo foi publicado no seu blog Come Se Non, 30-10-2016. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
No sábado, 29 de outubro, em Vicenza, por iniciativa de Presenza Donna, Pia Società San Gaetano, Comunità del Diaconato e Coordenação das Teólogas Italianas, foi realizada uma jornada de estudos intitulada "Mulheres diáconos: um ministério im-possível?". Tratou-se de um dia intenso, aberto, com debates serenos e com uma forte harmonia entre memória e profecia. Relato aqui abaixo o meu discurso, seguido por algumas conclusões gerais.
Cum ergo in sexu femineo
non possit significari aliqua eminentia gradus,
quia mulier statum subjectionis habet;
ideo non potest ordinis sacramentum suscipere.
(S. Thomae, Super Sent., lib. 4 d. 25 q. 2 a. 1 qc. 1 co.)
Na minha breve intervenção, gostaria de propor uma demonstração teológica paradoxal. Como alguns autores de relevo (como Müller, Menke e Hauke) utilizaram como "argumento decisivo" a definição da exclusão da ordenação da mulher "de necessitate sacramenti", tirando tal argumentação diretamente de São Tomás (a partir do "Comentário às Sentenças" e do "Suplemento" à Summa theologica), gostaria de mostrar que esse procedimento de argumentação é contraproducente para eles mesmos, porque, se for seguido de acordo com a coerência interna ao próprio texto, tal como concebido e proposto por Tomás, ele leva hoje à conclusão oposta àquela proposta por Tomás e desposada, acriticamente, pelos autores contemporâneos.
Portanto, a fidelidade ao bom senso de Tomás leva a conclusões opostas em relação às suas. Porque Tomás não é um martelo, mas um farol. E não é um mestre que impede que os seus alunos cheguem a conclusões diferentes das suas!
Aqueles que consideram "impossível" a ordenação das mulheres procedem com uma soma de argumentos quase apenas de autoridade:
- a Ordinatio sacerdotalis seria aplicável também ao diaconato;
- A história de uma "ausência" de legitimação do diaconato feminino;
- O redimensionamento de "toda presença" atestada;
- A assunção de um "princípio de impedimento", amadurecido pelo pensamento de Tomás de Aquino.
Aqui, um primeiro ponto a ser adquirido é: não se pode fazer com que a "tradição pré-moderna" diga aquilo que foi obtido apenas com a tradição tardo-moderna. Se, desde o fim do século XVIII, começa uma mudança cultural e social, essa mudança condiciona também a leitura das fontes históricas.
Considero que a citação decisiva, para compreender a posição "negativa" sobre as mulheres diáconos, é aquela que faz decorrer a negação "de necessitate sacramenti". Como que dizendo que a impossibilidade de inserir o "sexo feminino" na ordem sagrada não é contingente, mas decorre de uma exigência "de direito divino", que a Igreja não poderia modificar. Eis o texto de Tomás na dupla versão do "Comentário às Sentenças" e do Supplementum à Summa theologiae:
Cum ergo in sexu femineo non possit significari aliqua eminentia gradus, quia mulier statum subjectionis habet; ideo non potest ordinis sacramentum suscipere. (Super Sent., lib. 4 d. 25 q. 2 a. 1 qc. 1 co.)
"No sexo feminino, não pode ser significada uma ‘eminência de grau’, porque a mulher tem uma condição de sujeição e, por isso, não pode receber o sacramento da ordem." (Tomás de Aquino, S.Th., Suppl, 39, 1, c)
É muito interessante o destino disso, assim como de muitos outros textos de Tomás. Eles são citados fora de contexto, muitas vezes contra a sua própria argumentação. Nesse caso, é útil ter em mente que:
a) a "necessitas sacramenti" é distinguida da "necessitas praecepti".
b) a solução negativa reservada à "mulher" está em um contexto em que são abordados, em sucessão, os seguintes "impedimentos à ordenação":
- sexo feminino;
- minoridade ou incapacidade no uso da razão;
- condição de escravidão;
- ter sido condenado por assassinato;
- ser filho ilegítimo;
- ser fisicamente incapacitado.
Cada um desses "impedimentos" é julgado em relação às duas "necessidades".
c) A "condição feminina" é lida, no entanto, exclusivamente no plano da recepção cultural e social da "mulher como sinal de autoridade": "quod mulier statum subjectionis habet".
d) Com base nessa constatação cultural e social – que muitos poucos hoje se arriscariam a definir como "de direito divino" – Tomás exclui "de necessitate sacramenti" que uma mulher possa ser objeto de ordenação.
Seguindo hoje o mesmo procedimento de Tomás, ou seja, considerando o horizonte cultural e social em que se insere a "questão", muitas outras seriam as leituras de todos esses diversos impedimentos. Partindo do fim, do deficiente, do filho ilegítimo, do criminoso e do escravo, podemos avaliar com grande simplicidade quão diferente é o mundo em que vivemos hoje!
Se hoje considerarmos a mesma questão, com a mesma lucidez de Tomás, mas sem ter mais ao nosso redor a mesma sociedade de Tomás, deve-se acrescentar a conclusão oposta. Poderíamos, então, dizer assim, colocando em paralelo o ano de 1274 com 2016:
- em 1274: a ordenação das mulheres é impossível "de necessitate sacramenti", com base na constatação de "conveniência" segundo a qual, na sociedade, o sexo feminino não pode significar qualquer "eminência de grau", dada a condição de sujeição da mulher. É a condição de sujeição que impõe uma solução unívoca e, em certos aspectos, perfeitamente coerente.
- em 2016: a ordenação de mulheres é possível "de necessitate sacramenti" com base na constatação de conveniência segundo a qual, na sociedade, o sexo feminino pode significar uma "eminência de grau", dado que a condição de sujeição foi "cultural e civilmente julgada como inadequada, injusta e, portanto, superada". É a "igualdade" conquistada que aconselha, com prudência e clarividência, que se insira gradualmente o "sexo feminino" na articulação ministerial e sacramental da Igreja.
O que verdadeiramente não é tradicional é atribuir "poder" à mulher fora da estrutura sacramental. Se ela tem autoridade, ela deve tê-la no sacramento. Se ela não a tem no sacramento, não lhe é realmente reconhecida, mesmo que fosse elevada ao título de cardeal. Sem nada tirar da liberdade do Espírito e das outras formas de autoridade que a Igreja conhece, aquém e além da ordem sagrada, eu acredito que um verdadeiro reconhecimento da subjetividade feminina na Igreja deve passar "de necessitate sacramenti" por meio de uma ordenação "igual". A Igreja não é mais "societas inaequalis". O ministério de Cristo não é mais controlável, nem "ratione repraesentationis", nem "ratione significationis": a igualdade civil e social não muda o Evangelho, mas permite compreendê-lo melhor.
a) Por trás da solução proposta por Müller, Menke e Hauke, há não apenas a falta de reconhecimento da questão feminina, mas também aparece claramente o perfil inconfundível daquele teorema da "renúncia à autoridade" elaborado pela Cúria e por teólogos da corte para manter o poder intacto e inalterado. As mulheres, hoje, não pedem poder, mas o reconhecimento da autoridade. Não faz sentido cair na armadilha de uma "atribuição de poder sem autoridade". Ela seria a confirmação do teorema que Francisco demonstra querer superar. O diaconato espera poder ser enriquecido pela autoridade que a mulher demonstrou saber exercer na cultura, na política, na economia, na pesquisa e na arte de uma "sociedade aberta". A estratégia de se "negar autoridade" para se conceder ainda um "monopólio masculino do poder" não responde nem ao primado do tempo sobre o espaço, nem ao primado da realidade sobre a ideia. A ordem sagrada é a forma do exercício da autoridade na Igreja. Atribuir às mulheres um poder somente se "diferente do ordo" – com base em uma projeção anacrônica da sociedade medieval sobre o terceiro milênio – significaria não querer sair de uma concepção da Igreja como "societas inaequalis" e "estrutura autorreferencial".
b) Quando Tomás de Aquino resolve a questão da "não ordenabilidade" da mulher, ele raciocina segundo lógicas sociais e culturais, antropológicas e institucionais. Talvez, poderá ser surpreendente, mas Tomás, há mais de 700 anos, sabia identificar cuidadosamente o nível da questão da autoridade na Igreja. Ele não se colocava "no ar", mas referia-se diretamente às experiências de poder, de autoridade e de exercício institucional. As soluções que Boaventura e Tomás elaboram no século XIII estão ou no plano da "representação" e da "mediação", ou no plano do "significado" e da "relevância". De um lado, avalia-se a possibilidade da mulher ser mediação de Cristo; de outro, a possibilidade para ela de significar uma "eminência de grau"; em ambos os casos, a argumentação é "de conveniência". Ambas as argumentações, elaboradas no século XIII, não podem ser repetidas hoje sem cair em formas grosseiras de ingenuidade ou de injustiça. O raciocínio sobre a "ordenabilidade das mulheres" não pode ser subtraído das avaliações comuns sobre a capacidade de "mediação" e de "significado" do sexo feminino. Esse é um nível de avaliação que existe na Igreja há mais de 700 anos e que não foi inventado nas últimas décadas. O que mudou, nos últimos dois séculos, foi a posição cultural, social e institucional da mulher. A teologia não pode deixar de levar em conta essas mudanças, recebendo a sua novidade. Se não o fizer, acabará absolutizando juízos contingentes, tornando contingentes e frágeis as soluções atuais.
c) À luz dessas considerações, nós devemos reconhecer que, hoje, a instituição de uma comissão para o estudo histórico do diaconato feminino, que é uma passagem muito importante, não deve iludir ninguém sobre a possibilidade de que é a história que deve resolver o nosso embaraço. A história nunca poderá nos dizer o que deveremos fazer amanhã do ministério eclesial. No máximo, ela pode nos dizer o que foi ontem e anteontem. Por isso, creio que o magistério eclesial, se não quiser ignorar a questão, deve assumir de forma responsável a tarefa de se reconhecer autorizado a decisões importantes. Não pode se esconder atrás de uma "falta de autoridade". Mas uma coisa deveria ficar clara: hoje, não está em jogo a demonstração da "ordenabilidade" das mulheres ao diaconato. O ônus da prova, no mundo tardo-moderno, está virado de cabeça para baixo: no contexto de um mundo que superou todas as discriminações em relação à autoridade feminina, deveremos esperar motivos justificados que impeçam a ordenação. Se ouvirmos repetirem os motivos de impedimento elaborados há 700, 500 ou 300 anos – pensados em um mundo radicalmente pré-moderno – ficaremos aquém da tarefa que nos é pedida. Na ausência de convincentes razões de impedimento, acredito que a Igreja, depois de ter estudado toda a história possível, poderá serenamente reconhecer que as mulheres podem exercer a autoridade na Igreja, mesmo na forma ordinária: ou seja, como ministros ordenados.
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Debate sobre o diaconato feminino: o método de São Tomás de Aquino. Artigo de Andrea Grillo - Instituto Humanitas Unisinos - IHU