29 Agosto 2016
"Além da escravidão animal e do holocausto biológico, parece que o ser humano está em guerra contra as demais espécies. Quando isto acontece, a violência tende a ser internalizada e a própria humanidade terá dificuldade de encontrar a paz", escreve José Eustáquio Diniz Alves, doutor em demografia e professor titular do mestrado e doutorado em População, Território e Estatísticas Públicas da Escola Nacional de Ciências Estatísticas – ENCE/IBGE, publicado por Ecodebate, 26-08-2016.
Eis o artigo.
“Caso houvesse um Tribunal Penal dos seres vivos da Terra, a humanidade seria
condenada pelos crimes do ecocídio, do especismo e do holocausto biológico”
Alves, 07/06/2016
“Eu não tenho dúvidas de que é parte do destino da raça humana, na sua evolução gradual,
parar de comer animais, tal como as tribos selvagens deixaram de se comer umas às outras”
Henry Thoreau
Em 27 de agosto acontece o Dia Mundial pelo Fim do Especismo (DMFE). É um dia para dar visibilidade ao genocídio das espécies, ao holocausto biológico, ao ecocídio e à escravidão animal. É um dia para dar vez e voz aos seres sencientes que sofrem silenciosamente e dão a vida e o sangue para o engrandecimento das civilizações humanas.
Do ponto de vista dos ecossistemas e das milhões de espécies vivas da Terra, a humanidade não tem problema, pois ela é considerada o problema. A humanidade, do ponto de vista ambiental, se converteu (no Antropoceno) em uma força maligna que destrói a biodiversidade do Planeta e está ameaçando provocar a 6ª extinção em massa da história.
Anthony Giddens, no livro “As Consequências da Modernidade” (Ed. Unesp, 1991), criticou a sociologia clássica que não deu o devido valor às questões ambientais: “Para dar um exemplo, todos os três autores [Marx, Durkheim e Weber] viram que o trabalho industrial moderno tinha consequências degradantes, submetendo muito seres humanos à disciplina de um labor maçante, repetitivo. Mas não se chegou a prever que o desenvolvimento das ‘forças de produção’ teria um potencial destrutivo de larga escala em relação ao meio ambiente material. Preocupações ecológicas nunca tiveram muito espaço nas tradições de pensamento incorporadas na sociologia, e não é surpreendente que os sociólogos hoje encontrem dificuldade em desenvolver uma avaliação sistemática delas” (p. 13).
Ou seja, as forças produtivas, em vez de libertar a humanidade dos condicionantes de suas necessidades naturais, passou a ser uma força destruidora da natureza e da biodiversidade. Em vez de haver uma convivência respeitosa e pacífica entre todas as espécies da Terra, a humanidade se transformou em uma espécie invasora que ocupou todos os espaços do Planeta; destruiu florestas e as vegetações nativas; ampliou os desertos; poluiu os rios, lagos e pântanos; reduziu a disponibilidade de água potável; transformou os oceanos em uma grande lixeira junto a uma “fossa negra” que acumula esgoto e mata a vida marinha; acidificou o solo, as águas e o ar; emitiu gases de efeito estufa gerando a maior concentração de CO2 na atmosfera dos últimos milhões de anos; provoca o aquecimento global, as mudanças climáticas extremas e a elevação do nível do mar; está transformando o Planeta em um lugar inóspito para a vida selvagem afetando o direito à existência de espécies que habitam a Terra dezenas de milhões de anos antes do Homo Sapiens.
Assim, em nome de combater os “predadores ariscos e o caos natural”, a humanidade está destruindo a vida selvagem e a própria natureza. Por conta disto, o filósofo britânico John Gray, em entrevista à revista Época (29/05/2006), apresenta um prognóstico pessimista sobre a humanidade. Ele diz: “A espécie humana expandiu-se a tal ponto que ameaça a existência dos outros seres. Tornou-se uma praga que destrói e ameaça o equilíbrio do planeta. E a Terra reagiu. O processo de eliminação da humanidade já está em curso e, a meu ver, é inevitável. Vai se dar pela combinação do agravamento do efeito estufa com desastres climáticos e a escassez de recursos. A boa notícia é que, livre do homem, o planeta poderá se recuperar e seguir seu curso”. Nessa mesma linha, o ambientalista David Attenborough disse que os seres humanos são “Uma praga na Terra” (Humans are plague on Earth) que aniquila as áreas anecúmenas.
O homo sapiens utilizou o cérebro para construir uma avançada civilização planetária, mas tem utilizado a sua inteligência de maneira instrumental e egoísta. O impacto humano já ultrapassou a capacidade de regeneração de todos os continentes. Não há mais fronteiras para novas migrações e para a ampliação das atividades antrópicas. O mundo está em uma situação de déficit ambiental. E o desequilíbrio entre a Pegada Ecológica e a Biocapacidade cresce a cada dia. O tempo passa e o dia da Sobrecarga acontece mais cedo. Em 2000 foi no dia 5 de outubro, ano passado foi dia 13/08 e este ano foi dia 08 de agosto.
Estudo publicado na revista Science, em julho 2016, mostra que a dimensão da perda de biodiversidade no mundo todo ameaça o funcionamento dos ecossistemas da Terra e inclusive a sobrevivência dos seres humanos. Em 58% da superfície terrestre, onde vive 71% da população mundial, “o nível de perda de biodiversidade é substancial o suficiente para questionar a capacidade dos ecossistemas de suportar as sociedades humanas”.
Como disse Ulrich Beck, no livro “Sociedade de Risco”, na modernidade desenvolvida (ou modernidade tardia) prevalece a lógica do perigo: “Não é a falha que produz a catástrofe, mas os sistemas que transformam a humanidade do erro em inconcebíveis forças destrutivas” (p. 8). Tais forças destrutivas podem se voltar contra a própria humanidade, mas já são uma realidade para as espécies não-humanas.
A civilização está rompendo com as fronteiras planetárias e sitiando a biodiversidade da Terra. Neste momento em que o Brasil e a sociedade mundial do espetáculo promovem os atletas bombados e a corrupção das olimpíadas do Rio 2016, não podemos esquecer o que aconteceu com a Onça Juma, em Manaus. A bela onça foi usada para promover a passagem da tocha olímpica, que deveria ser a tocha da paz, mas acorrentada e submetida ao estresse da exibição antropocêntrica, ficou agitada e foi assassinada covardemente por um soldado do exército.
O Fórum Nacional de Proteção e Defesa Animal lançou uma campanha pedindo que o Exército acabe definitivamente com a prática de exibir esses animais em eventos públicos. Como disse Elizabeth Mac Gregor, diretora do Fórum Animal: “Exibi-los, ainda mais um acorrentado, é um ato atrasado e comprovadamente perigoso para o próprio animal e as pessoas presentes. Depois da lastimável tragédia com a onça Juma, nós esperamos que o Exército reconheça esse fato e declare imediatamente que exibições públicas com animais silvestres nunca mais vão ser realizadas”.
A crise de alimentos que atinge a Venezuela, chegou aos zoológicos e já foi responsável pela morte de cerca de 50 animais nos últimos seis meses em um dos maiores parques do país. Porcos vietnamitas, antas, coelhos e aves — alguns dos quais não comiam por duas semanas — não resistiram à escassez crônica de comida no Zoo Caricuao, em Caracas. Outros animais também correm o risco de morrer de fome.
Além da escravidão animal e do holocausto biológico, parece que o ser humano está em guerra contra as demais espécies. Quando isto acontece, a violência tende a ser internalizada e a própria humanidade terá dificuldade de encontrar a paz.
O manifesto do Dia Mundial pelo Fim do Especismo (DMFE) diz: “A fronteira da espécie não é, e não pode ser, uma fronteira moral. Nossa sociedade deve evoluir para incluir os animais no nosso círculo de consideração moral. Veja aqui as proposições que tendem à realização deste objetivo.
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A humanidade é especista - Instituto Humanitas Unisinos - IHU