18 Agosto 2016
"Bergoglio-Laclau: convergência de lutas? Entre o "pós-marxismo" e o "populismo de esquerda", por um lado, e a teologia do povo, de outro, entrelaçaram-se relações, antecipando as aproximações atuais".
A opinião é do cientista político francês Gaël Brustier, membro do Observatório de Radicalidades Políticas da Fundação Jean-Jaurès. O artigo foi publicado no sítio Slate.fr, 16-08-2016. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
A recente evacuação da Igreja Sainte-Rita, uma "ZAD" ("zona a defender") animada há pouco tempo pelo abbé Guilherme de Tanouarn, padre tradicionalista, maurassiano declarado e alinhado com a Igreja de Roma, pode levar a pensar que o mundo católico só é movido por um fenômeno de contínuo deslocamento para a direita.
Na França, enquanto os pilares tradicionais do "catolicismo de esquerda" ruíram, os padres provenientes da Fraternidade São Pio X aderiram à Igreja de Roma, que reconheceu a prática extensa do "rito extraordinário" (definido impropriamente de "missa em latim"). A partir desse ponto de vista, alguns poderiam pensar em uma vitória póstuma de Dom Lefebvre.
Ainda recentemente, autointitulados "católicos" franceses (mas realmente o são?) lançaram uma hashtag #pasmonpape para atacar o Papa Francisco e a sua suposta indulgência em relação ao islamismo. Para os verdadeiros católicos, porém, não seria possível pôr o papa em discussão, cuja eleição é inspirada pelo Espírito Santo, assim como se coloca em discussão um presidente de conselho provincial...
Outro caso: o movimento dos "Veilleurs" [movimento nascido da oposição ao casamento homossexual] foi recebido particularmente mal na Praça da República em Paris por parte dos simpatizantes do "Nuit Debout" [movimento nascido em oposição à lei sobre o trabalho].
São todos sinais que poderiam levar a pensar que, realmente, o mundo católico está perdido para aqueles que gostariam de mudar o mundo em sentido "progressista". Na Itália, um acontecimento corrobora a exata hipótese inversa... Espetacular, na verdade, é uma manifestação de um processo em curso mais amplo.
O histórico líder da Refundação Comunista, Fausto Bertinotti, em uma entrevista em meados de abril ao Corriere della Sera, constatando a "morte da esquerda política" e o fim do movimento operário, estendia explicitamente a mão ao mundo católico.
Sintomática de um país em que as clivagens evoluíram de forma rápida e espetacular mais do que em outros lugares, essa entrevista confirma que a crise que afeta os nossos países é um momento de interferências ideológicas que traz consigo a sua dose de surpresa. Bertinotti afirma, de fato, que "no Comunhão e Libertação, eu reencontrei um povo"...
O Comunhão e Libertação, um movimento de reconquista cultural estava comprometido, na origem, com a luta contra a influência do Partido Comunista (PCI) na Itália do pós-guerra, então o mais importante, o mais influente e mais brilhante da Europa ocidental.
Na verdade, todos os grandes líderes comunistas italianos se interessaram muito pelo catolicismo, mantendo relações mais sutis do que as imagens de discussões de Peppone e Don Camillo. Antonio Gramsci se interessou, nos seus escritos, pelo papel da Igreja Católica na Itália.
Um de seus sucessores como secretário-geral do PCI, Palmiro Togliatti, tinha lançado um apelo aos católicos no seu discurso de Bergamo, em 1983.
Depois, Enrico Berlinguer, com a sua vontade de forjar o "compromisso histórico", adotou uma linha de diálogo com o mundo católico na Itália.
Desta vez, a situação é diferente. Fausto Bertinotti afirma que o movimento operário está morto. Um líder histórico do Partido Comunista Italiano, da sua ala esquerda, sindical, além disso, que tinha rejeitado a transformação do PCI em Partido Democrático da Esquerda (PDS), que afirma, em 2016, que a Igreja é um polo de resistência ao neoliberalismo e à desumanização da economia, constitui um evento de relevo, significativo do caráter dramático da crise vivida pelas nossas sociedades.
Levando-se em conta a aura da Refundação Comunista na esquerda radical internacional, em que a sua bandeira estava à vista nos Fóruns Sociais Mundiais da grande época altermundista, essas reflexões são um sinal importante que não devem ser subestimadas.
Na França, é um pouco como se Bernard Thibault, Marie-George Buffet ou Olivier Besancenot participassem de um encontro da Communauté de l'Emmanuel e afirmassem "ter encontrado um povo" ali. Pode-se imaginar a surpresa que isso causaria.
Com a atenção voltada para a direita radical, não observamos suficientemente o que acontece em outros lugares, em outras famílias políticas. Lembremos que Alexis Tsipras (embora à frente de um país de maioria ortodoxa) havia declarado que "o mais à esquerda" era o Papa Francisco. Parece que Pablo Iglesias tinha tentado ser fotografado com o papa argentino, o que é facilmente compreensível no contexto espanhol, onde o catolicismo desempenha um papel mais importante do que na França.
Philippe Marlière, um dos intelectuais que se situam entre a esquerda radical e a social-democracia, também já manifestou mais do que um simples interesse pelo pontificado de Francisco, constatando que o discurso do novo pontífice sobre a influência dos mercados sobre a vida humana e sobre o tema dos recursos naturais reveste-se de uma dimensão progressista que modifica as linhas. Philippe Marlière, com efeito, não demorou muito para descobrir em Francisco um "papa gramsciano" e as oportunidades reveladas por esse pontificado.
É verdade que esses caminhos, o de Bertinotti em particular (que não afirma ter descoberto a fé atrás da coluna de uma igreja), foram facilitados pelos atos e pelos textos do pontificado de Jorge Bergoglio, especialmente pela encíclica Laudato si', dedicada ao ambiente.
O encontro dos movimentos populares em Roma, em outubro de 2014, tinha sido a ocasião de uma conexão entre o Papa Francisco e movimentos muito diferentes, como os dos agricultores sem-terra, dos biffins, dos povos indígenas e de muitos outros.
O papa afirmara querer ajudá-los nas suas "lutas". Estavam presentes o presidente da Bolívia, Evo Morales, figura emblemática da América Latina das últimas duas décadas, mas também Ignacio Ramonet, ex-diretor do Le Monde Diplomatique e inspirador dos Fóruns Sociais Mundiais, centrais do altermundismo, cuja edição deste ano recentemente concluiu-se em Montreal. Francisco declarava naquela ocasião: "Quando eu defendo os pobres, alguns me acusam de ser comunista!".
É preciso dizer que há algo de tipicamente latino-americano no discurso de Francisco: o fato de levar em consideração as desigualdades sociais, os desafios ambientais, o ritmo diferente de cada sociedade e a sua diversidade... e, principalmente, o fato de colocar em primeiro plano os pobres, os povos como protagonistas importantes das mudanças do mundo.
Esse pontificado tem fontes teóricas, intelectuais, teológicas, que contribuem para acelerar as aproximações em curso. De fato, não se pode abstrair o que significa a "teologia do povo" em relação a essas aproximações.
A filosofia católica de Juan Carlos Scannone, também ele jesuíta e teólogo, grande amigo Bergoglio, explicou o que significa a teologia do povo e a sua influência sobre o pontificado de Francisco.
Para ele, a teologia do povo, acima de tudo, é "um ramo da teologia da libertação", a corrente que faz dos pobres os protagonistas do seu próprio destino. O próprio Scannone é um dos seus principais pensadores e um dos mais dinâmicos.
Há algo de muito argentino, na sua opinião, na teologia do povo, que dá amplo espaço para o "povo", entendido como "nação", como nação fortemente integradora (típica da construção da nação argentina), ao mesmo tempo, respeitosa das diferenças e terra de imigração. A implicação do povo na própria "libertação" tem um lado espiritual evidente, mas também tem implicações temporais.
O ano de 1989, com a queda do Muro, teve como consequência as mudanças da esquerda radical. Syriza, Podemos são o resultado disso... à espera do que vier, se vier. Quanto ao mundo católico, a sua geopolítica mudou por causa da forte diminuição da prática religiosa na Europa e do desenvolvimento dos outros continentes, o que levou a evoluções significativas.
A eleição de um papa não europeu, pela primeira vez na história da Igreja, é a tradução de poderosas mudanças que ocorrem no seu interior, que já tinham feito a Igreja mudar ainda antes da eleição de Francisco. Impuseram-se preocupações novas, específicas das populações do Sul do mundo, e os grandes textos do pontificado de Francisco – Evangelii gaudium, a exortação apostólica que lembra, por exemplo, "o lugar privilegiado dos pobres no Povo de Deus", e a Laudato si' – concretizaram essa reviravolta.
Uma relação concreta entre o Podemos e o Papa Francisco consistiu no encontro, em Buenos Aires, entre Ernesto Laclau – o "pai" do Podemos – e Juan Carlos Scannone. Um encontro que dá ainda mais sentido à aproximação entre a nova esquerda radical e o mundo católico. Ernesto Laclau se interessou muito pela teologia do povo, e Juan Carlos Scannone manifestou um grande interesse pela obra de Ernesto Laclau e Chantal Mouffe.
Entre o "pós-marxismo" e o "populismo de esquerda", por um lado, e a teologia do povo, de outro, entrelaçaram-se relações, antecipando as aproximações atuais. Bergoglio-Laclau: convergência de lutas?
Não nos iludamos: não se trata de uma ressurreição dos "católicos de esquerda", como as nossas sociedades os conheceram. No meio das turbulências do mundo e da crise atual do sistema capitalista, trata-se, ao contrário, de uma convergência relativa à rejeição da influência do mercado, à preservação dos recursos naturais, à justa partilha dos recursos... Tal convergência de lutas, no entanto, pode parecer embaraçosa tanto para a "velha esquerda", quanto para os católicos mais conservadores. Ela desafia a persistência de visão deles e que os faz ler o mundo com as lentes de 40 anos atrás... O velho morre, o novo tenta nascer.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
Católicos e esquerda radical, uma convergência de lutas? Artigo de Gaël Brustier - Instituto Humanitas Unisinos - IHU