20 Dezembro 2011
Quais as implicações da evolução científica para as semânticas da fé cristã? É possível conciliar ciência e fé, a partir das descobertas científicas?
Para o jesuíta norte-americano George Coyne, ex-diretor do Observatório do Vaticano por 28 anos e atual presidente da Fundação do Observatório do Vaticano, seu chamado à vida religiosa e o seu interesse pela ciência nunca foram conflitantes, mas sim pontos de apoio recíprocos.
Em entrevista ao sítio PBS.com, Coyne afirma, entretanto, que "a minha ciência nunca me levou a crer, a ter fé. Eu não passei a crer por ter me convencido de que essa era a coisa certa a ser feita ao fazer ciência. Longe disso, a fé para mim é um dom, que de bom grado eu recebi quando criança e que depois questionei enquanto crescia".
Assim, tendo recebido a fé como "graça" – e salientando, contudo, que Deus não é "a conclusão de um processo de investigação científica pessoal minha" –, Coyne defende que a ciência "apoia a minha fé, a enriquece, lhe dá uma dimensão totalmente nova, me ajuda a rezar melhor".
É um pouco dessa experiência do jesuíta astrônomo que será abordada em sua conferência Implicações da evolução científica para as semânticas da fé cristã, no XIII Simpósio Internacional IHU - Igreja, cultura e sociedade A semântica do Mistério da Igreja no contexto das novas gramáticas da civilização tecnocientífica, em outubro de 2012, na Unisinos.
No mesmo dia de sua conferência, para aprofundar as suas reflexões e somá-las, criticamente, às contribuições do Prof. Dr. Marcelo Gleiser – que abre o Simpósio no dia anterior –, será realizado o debate público Fé e ciência: um diálogo possível? entre os dois estudiosos.
George Coyne, SJ nasceu em 1933, em Baltimore, Maryland, nos EUA, e entrou para os jesuítas em 1951. Formou-se em matemática e em filosofia pela Fordham University, em Nova York, em 1958. Obteve seu doutorado em astronomia em 1962 pela Georgetown University e completou sua licenciatura em teologia pelo Woodstock College, em Maryland, em 1965, quando foi ordenado padre.
Depois do doutorado, continuou suas pesquisas astronômicas na Universidade de Harvard e no Laboratório Planetário Lunar (LPL), da Universidade do Arizona. Lecionou na Universidade de Scranton e no Departamento de Astronomia da Universidade do Arizona.
Além do racional
Para Coyne, "não podemos chegar à natureza de Deus a menos que também tenhamos algum conhecimento da natureza do universo como algo vindo de Deus". Embasado no legado dos grandes estudiosos das origens da ciência moderna – como Isaac Newton, Descartes, Galileu, "todos muito religiosos" –, o jesuíta afirma que "fazer ciência não é inerentemente incompatível com a fé religiosa". Mas, ao mesmo tempo, "toda a dimensão da crença religiosa exige transcendência, exige ir além do que se pode estabelecer racionalmente".
"O papel de Deus em um universo evolutivo é um conceito extremamente rico. Acho que o Deus de um universo evolutivo – um universo que tem espontaneidade, que tem dinamismo, que tem desenvolvimento e incerteza – é um Deus muito mais rico para mim do que um Deus de um universo determinista, um universo que é pré-determinado. Porque uma característica essencial de Deus – continua Coyne – é a liberdade e a espontaneidade".
Segundo Coyne, os dados científicos não servem como base para acreditar ou não acreditar em Deus. "Eu os uso como um enriquecimento ao meu conhecimento de Deus. Nenhum de nós pode chegar ao conhecimento de Deus ou à negação de Deus por meio da pesquisa científica. O conhecimento e a crença em Deus são o que eu chamo de um 'processo arracional'. Ele não é racional – não procede da investigação científica –, mas também não é irracional porque não contradiz o meu processo de raciocínio. Ele vai além disso", afirma.
Por isso, defende, nem a ciência nem a religião podem levar alguém a "conhecer Deus". "Se eu afirmo que conheço Deus, eu conheço algo que não é Deus, porque Deus não é cognoscível, ele é incognoscível. Nesse sentido, o meu conhecimento de Deus é sempre limitado".
Por ser limitado, porém, "tudo o que eu posso contribuir para que o conhecimento pequeno e limitado de Deus é muito valioso para mim", continua Coyne. Por isso, afirma, "quanto mais eu sei como o universo é, mais rico fica o meu conhecimento limitado de Deus".
A saída do Observatório
Em 1978, Coyne foi escolhido como diretor do Observatório do Vaticano, cargo que deteve durante 28 anos, até 2006. Nesse período, ele fundou a Escola de Verão do Observatório do Vaticano e o Grupo de Pesquisas do Observatório do Vaticano.
Em 2006, foi substituído pelo jesuíta argentino José Funes como diretor do Observatório. Sua saída, no entanto, a pedido de Bento XVI, foi considerada por muitos como uma "remoção". Segundo notícias que circularam à época, isso se deveu à discordância de Coyne com a teoria do "design inteligente", então endossada pela Santa Sé. Coyne chegou a travar um debate público com o cardeal Christoph Schönborn por meio de artigos publicados, respectivamente, no jornal The New York Times e na revista católica britânica The Tablet, defendendo seus próprios pontos de vista acerca da Criação e da evolução do universo.
Em seu artigo na The Tablet, Coyne escreve que "as águas turvas da relação entre a Igreja e a ciência nunca parecem limpar. (…) Agora, as águas foram novamente escurecidas pela publicação, no New York Times do dia 7 de julho de 2005, de um artigo do cardeal Christoph Schöborn de Viena".
Segundo Coyne, Schöborn defende que "a evolução neodarwinista não é compatível com a crença da Igreja no propósito e no design de Deus na criação. Ao fazer isso, o cardeal rejeita como 'bastante vaga e sem importância' a declaração, que marcou época, de João Paulo II em 1996 à Pontifícia Academia das Ciências, em que ele declarava que a evolução não é mais apenas uma mera hipótese, e depois continuava, longe de qualquer ideia de incompatibilidade, extraindo as razoáveis implicações para a crença religiosa a partir dessa conclusão", escreveu o jesuíta.
Além disso, Coyne afirmou que o "processo de evolução contínua, chamado pelos cientistas de complexificação química, tem uma certa direcionalidade natural intrínseca em que, quanto mais complexo um organismo se torna, mais determinado é o seu futuro. Isso não significa necessariamente, porém, que precise haver uma pessoa dirigindo o processo, nem que o processo seja necessariamente um 'processo não guiado e não planejado de variações aleatórias e de seleção natural', como descreve o cardeal Schönborn. É precisamente a fertilidade do universo e a interação entre acaso e necessidade nesse universo que são responsáveis pela direcionalidade", explicou.
Coyne recebeu inúmeros doutorados honoris causa de diversas universidades, dentre os quais destacamos os da Loyola University, em Chicago; da Universidade de Pádua, na Itália; da Universidade de Jagiellonian, em Cracóvia, Polônia; do Boston College; da Universidade de Santa Clara, na Califórnia. Outra de suas honrarias é que Carolyn Shoemaker e David Levy, ao descobrirem o asteroide 14429 em 1991, deram o nome de Coyne ao novo pequeno planeta. Além disso, é membro da União Astronômica Internacional e da Pontifícia Academia das Ciências.
O XIII Simpósio Internacional IHU, que visa a debater em perspectiva transdisciplinar a semântica do Mistério da Igreja no contexto das novas gramáticas da tecnociência, desenhando possibilidades e perspectivas de interlocução com a nova cultura, irá ocorrer entre os dias 2 e 5 de outubro de 2012 e contará com a presença de diversos outros conferencistas internacionais e nacionais.
O programa já está disponível. Para mais informações, escreva para Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo..
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Evolução e fé cristã: semânticas em diálogo - Instituto Humanitas Unisinos - IHU