Por: Patricia Fachin | 19 Dezembro 2017
As especulações acerca das possibilidades eleitorais para 2018 giram em torno de dois pontos centrais: a candidatura do ex-presidente Lula e a fragmentação dos partidos de esquerda e de direita, diz o sociólogo Rudá Ricci à IHU On-Line. “O primeiro ponto central das eleições é o Lula, ou seja, a permanência da candidatura dele ou não e, mesmo que ela permaneça, até que ponto ela pode ir. (...) A segunda questão está vinculada ao processo eleitoral de 2018, que parece muito similar com o de 1989, quando grande parte do eleitorado brasileiro se dividiu, pulverizando a sua intenção de voto, porque os blocos políticos ou ideológicos não conseguiram unificar candidaturas”, resume.
Na entrevista a seguir, concedida por telefone, Ricci afirma que a possibilidade de fragmentação será maior na direita, porque os eleitores provavelmente irão se dividir entre Alckmin e Bolsonaro. Já à esquerda, pontua, só haverá divisões se o ex-presidente for impedido juridicamente de concorrer às eleições. “Conversei com os candidatos desse bloco de esquerda e eles não vão atacar o Lula, porque enquanto o Lula for candidato, existe um alinhamento com a campanha dele, com apenas algumas distinções programáticas. Se a candidatura do Lula acabar não se efetivando, aí sim o bloco se racha e até no PT haverá racha”.
Na avaliação do sociólogo, embora a candidatura de Lula possa representar um “risco” para o futuro da esquerda brasileira, “também não há alternativa pela esquerda, ou seja, isso significa um risco também neste momento”, pondera.
A principal dificuldade da eleição do próximo ano, afirma, é a mesma que levou a esquerda à crise, ou seja, suas alianças. “O bloco lulista, do qual o PCdoB faz parte, não consegue romper com o PMDB”, que “é um partido importantíssimo para o equilíbrio político e democrático do país”. Apesar disso, lembra, a esquerda mais alinhada ao PSOL está dizendo que “não dá mais para se aliar ao PMDB, porque ele faz chantagem depois que o nome de esquerda se elege e empurra o governo para a direita, sempre”.
Entretanto, adverte, Lula não será empurrado para a direita, porque “ele já está dizendo que foi para a direita. Lula já disse em várias falas dele, inclusive em comícios e entrevistas, que ele é o candidato do centro. Eu como cientista político vou te dizer: ele é, realmente, o candidato do centro; ele é a favor do mercado. (...) Lula é realmente o candidato de centro hoje e ele está muito mais à direita do que a maioria dos militantes do seu partido acha que ele está”.
Ricci | Foto: Carolina Lima / Acervo IHU
Rudá Ricci é graduado em Ciências Sociais pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUCSP, mestre em Ciência Política pela Universidade Estadual de Campinas – Unicamp e doutor em Ciências Sociais pela mesma instituição. É diretor geral do Instituto Cultiva, professor do curso de mestrado em Direito e Desenvolvimento Sustentável da Escola Superior Dom Helder Câmara e colunista Político da Band News. É autor de Terra de Ninguém (Ed. Unicamp, 1999), Dicionário da Gestão Democrática (Ed. Autêntica, 2007), Lulismo (Fundação Astrojildo Pereira/Contraponto, 2010), coautor de A Participação em São Paulo (Ed. Unesp, 2004), entre outros.
IHU On-Line – A partir do que se vê nas declarações e comportamentos dos possíveis candidatos e partidos hoje, quais provavelmente serão os cenários possíveis para as eleições presidenciais de 2018?
Rudá Ricci – O primeiro ponto central das eleições é o Lula, ou seja, a permanência da candidatura dele ou não e, mesmo que ela permaneça, até que ponto ela pode ir. Vou explicar. Há todo um debate jurídico acerca do que vai acontecer caso o Lula entre na ficha suja. Mesmo se isso acontecer, ele poderá entrar com recurso junto ao Tribunal Eleitoral e depois no STF, e isso faria com que a candidatura dele pudesse ser registrada sub judice. A segunda questão é relacionada à troca de candidatos no partido, que ocorre em início de setembro. Então, teoricamente a candidatura dele pode ir até setembro caso ela esteja sob julgamento.
Qual é a estratégia do Lula? É ir até o limite, porque indo ao limite da candidatura e sendo cassado ao final, ele poderia trabalhar uma comoção nacional e com isso conseguir continuar na TV não mais como candidato, mas como se fosse, e poderia transferir os seus votos para outro nome. Neste momento o nome preferido dele é o Jaques Wagner, ex-ministro e ex-governador da Bahia. Mesmo que o Lula não consiga manter a candidatura até o pleito, o nome dele vai decidir em muito as eleições porque, segundo o Datafolha, 30% das pessoas que dizem que votariam no Lula também dizem que votariam no candidato indicado por ele. Isso dá 10% do eleitorado, e com esse percentual Lula já coloca outra pessoa no páreo. Sem o Lula, os outros candidatos têm só 15% da preferência do eleitorado até o momento.
A segunda questão está vinculada ao processo eleitoral de 2018, que parece muito similar com o de 1989, quando grande parte do eleitorado brasileiro se dividiu, pulverizando a sua intenção de voto, porque os blocos políticos ou ideológicos não conseguiram unificar candidaturas. Estou querendo dizer o seguinte: no campo da direita, além da candidatura do Alckmin, temos a candidatura do Bolsonaro. Alguns podem dizer que Alckmin não é um candidato de extrema-direita como o Bolsonaro, porém, do ponto de vista da estratégia eleitoral, Alckmin definiu Bolsonaro como seu principal adversário neste momento, de tal maneira que ele identifica que parte do eleitorado do Bolsonaro – e as pesquisas revelam isso – era do PSDB. Ou seja, parte do eleitorado do PSDB das últimas eleições, não tendo outra alternativa mais à direita, votava no anti-Lula, que era o PSDB.
Agora, como tem um candidato da extrema-direita, esses eleitores migraram para o Bolsonaro. Então, o Alckmin já está dirigindo suas baterias para atacar o Bolsonaro. Já vimos nas últimas semanas como, nas redes sociais, pipocaram matérias contra o Bolsonaro, divulgando uma entrevista que ele teria dado em 1999 para o Estadão, em que dizia que gostava do Chávez. É óbvio que essa é uma matéria para colocar em dúvida o alinhamento do eleitorado do Bolsonaro com ele. A direita está se dividindo muito e já se cogita a candidatura do Meirelles, e o César Maia acaba de dizer que o DEM tem que ter um candidato. Então, a direita vai se fragmentar em pelo menos quatro candidatos.
Do lado da esquerda, do centro-esquerda, que é o lulismo, até uma esquerda mais nítida, que é o PSOL, devemos ter de três a quatro candidatos também: o bloco lulista, Boulos pelo PSOL e Manuela D’Ávila pelo PCdoB.
IHU On-Line – Essas três candidaturas também representam uma fragmentação da esquerda?
Rudá Ricci – Representam até a candidatura do Lula. Até então conversei com os candidatos desse bloco de esquerda e eles não vão atacar o Lula, porque enquanto o Lula for candidato, existe um alinhamento com a campanha dele, com apenas algumas distinções programáticas. Se a candidatura do Lula acabar não se efetivando, aí sim o bloco se racha e até no PT haverá racha.
IHU On-Line – Então a manutenção e a união das diferentes frentes de esquerda está dependendo da candidatura do Lula?
Rudá Ricci – Não só da esquerda, como da direita também. Se o Lula sair da candidatura, o Bolsonaro despenca e aí há uma chance real para a Marina e o Alckmin. Então, a candidatura do Lula define todo o processo eleitoral do ano que vem e mostra que é a candidatura mais forte do processo eleitoral.
IHU On-Line – Que rachas provavelmente acontecerão no PT caso Lula não possa concorrer?
Rudá Ricci – Talvez uma articulação mais à esquerda do PT. Eu já ouvi vários dirigentes dizendo que a solidariedade é com o Lula, e sem o Lula no páreo eles não aceitam mais candidaturas impostas pela corrente majoritária, que é a “Construindo um Novo Brasil”, que tem essa visão da conciliação. Eles apenas apoiam o Lula. Mas grande parte deles deve apoiar, pelo que estou sabendo, a candidatura do Guilherme Boulos pelo PSOL, por incrível que possa parecer.
IHU On-Line – Alguns intelectuais que procuram repensar a atuação da esquerda na política têm feito críticas à aposta da esquerda brasileira no retorno de Lula como alternativa à crise que a esquerda enfrenta hoje. Como o senhor vê, de um lado, essa crítica e, de outro, a insistência do PT no nome do Lula? Por que é importante recorrer ao nome do ex-presidente mesmo depois do envolvimento dele nas denúncias da Lava Jato?
Rudá Ricci – Primeiro porque não existe nenhum programa da esquerda nacional que tenha sido executado sem ser o do Lula. Não existe nenhum partido de esquerda que tenha chegado quatro vezes consecutivas à eleição. Então, não estamos falando de qualquer partido, nem de qualquer candidatura, mas do partido mais importante da América Latina inteira. Nunca nenhum partido de esquerda chegou próximo do que o PT fez no Brasil.
Em segundo lugar, o lulismo forjou uma política de Estado que só tem parâmetro com o getulismo, com uma estrutura de desenvolvimento social e econômico a partir do Estado, que raramente vimos na história do Brasil. Então, estamos falando de uma potência e de uma capacidade que raramente se viu no país – e, no caso da esquerda, nunca se viu.
Entretanto, qual é o problema do programa do Lula? É que o lulismo se apoiou na conciliação de interesses, ou seja, na ideia de compor uma espécie de parlamentarismo a partir da figura carismática do presidente. O problema é que parte significativa dessa conciliação de interesses não quer mais esse acordo, que é o empresariado. Portanto, todo o lulismo terminou, se esgotou não por si só, mas porque uma das partes da aliança não deseja mais manter essa aliança. Aliás, é possível que eles procurem o Lula se ele for eleito, mas sem mais aquele alinhamento tão nítido como se fez nos primeiros oito governos do Lula. Eles foram muito longe, porque a Fiesp gastou milhões para acolher a proposta de impeachment, e se escancarou uma divisão fortíssima entre o empresariado e o Lula.
O PT se recusa a construir uma nova alternativa pública. Se ele tem uma alternativa, nem a maioria das correntes do partido conhece qual é. Então há aqui uma situação paradoxal: de um lado, o maior partido do Brasil, com a figura pública mais importante da história política do país, a mais popular e, de outro, um programa que já caducou. Esse é o problema posto para o Brasil e para a esquerda. O problema do Brasil não é 2018, mas 2019.
IHU On-Line – Mas não é um risco para a esquerda a longo prazo apostar todas as fichas na candidatura do Lula, ainda mais quando se fala muito da necessidade de renovação na esquerda? Como permitir uma mudança se Lula for eleito?
Rudá Ricci – Há um risco da candidatura do Lula a longo prazo, mas também não há alternativa pela esquerda, ou seja, isso significa um risco também neste momento. Qual é o programa nacional do PSOL? Ele se alimentou de bandeiras específicas, e a política do PSOL hoje é mais uma proposta antropológica do que política, porque se fragmentou em demandas de movimentos identitários e às vezes de maneira até oportunista. O PSOL não tem um programa nacional. E nos outros partidos de esquerda, qual é o programa nacional? Não há programas. Então, há um risco, mas qual seria a alternativa? A alternativa é algo como a Frente Ampla no Chile, onde se criou uma frente ampla jovem em janeiro deste ano, que conseguiu eleger vários deputados na eleição que acabou de ocorrer.
Não temos tempo, neste momento, para pensar uma alternativa de longo prazo até o ano que vem, mas temos a oportunidade de começar a construir uma alternativa, e efetivamente estamos numa situação em que não é só a cúpula que tem dúvida – e é por isso que teremos tantos candidatos no próximo ano –, é a base social. A base social brasileira mudou: a classe média assalariada mudou no Brasil. A partir de agora teremos uma classe média que vai ser pessoa jurídica na sua maioria, inclusive nos empregos de Estado, que estão acabando e vão acabar.
As reformas do Temer – não ficou claro até agora se o Lula vai acabar com elas ou não – terminam com a classe média assalariada no Brasil, seja na empresa privada ou pública. Então, isso muda completamente a postura da classe média. Muito do que estamos vendo hoje no país, de uma classe média raivosa, tem a ver com essa mudança que a classe média não consegue entender, porque ela é muito mal informada e egocêntrica e não consegue ter uma visão de mundo clara, mas ela está sentindo na pele.
Então, isso muda também a postura do eleitorado, para não falar do eleitorado pobre. Hoje várias pesquisas mostram que ele está inclinado a pensar uma visão completamente liberal do mundo do ponto de vista econômico, ou seja, a partir da ideia de que o que importa é “a minha vontade de vigor para trabalhar, porque me faço sozinho”. Inclusive, nas favelas, as pessoas acham que as mudanças sociais e de consumo não têm a ver com política de governo, mas com a ajuda de Deus ou da família. Essas três respostas, Deus, esforço e ajuda da família, compreendem, segundo uma pesquisa recente do Data Popular, 80% da opinião das pessoas que moram em favelas em relação à melhoria da vida delas. Isso impacta violentamente os candidatos, sejam de direita ou de esquerda no país.
IHU On-Line – Como essa reestruturação da classe média e dos mais pobres implicará numa readequação dos partidos?
Rudá Ricci – A única pessoa que consegue falar essa linguagem é o Lula: ele consegue dizer que as pessoas devem consumir mais, e elas devem ter valor, e ao mesmo tempo consegue dizer que é preciso um Estado forte, que dê o mínimo de igualdade ao país. Essa é a vontade da grande maioria dos pobres, se não da totalidade. As pesquisas recentes revelam isto: os pobres têm valores liberais, mas querem um Estado forte, porque eles sabem que sem Estado forte não conseguem ter o mínimo de condição para mostrarem o seu valor. E aí os liberais no Brasil, como o PSDB e os ultraliberais, não sabem falar sobre isso. Veja que o Alckmin acabou se elegendo presidente do partido dele e será candidato à presidência, e propõe de novo que se vote a reforma da previdência. Mas a grande maioria do eleitorado rechaça isso.
As candidaturas liberais no Brasil não conseguem falar para o povão. O único que consegue falar para a maioria da população brasileira é o Lula, mas o programa dele é de conciliação e a outra parte não quer, porque é liberal. E aí estamos num impasse. Este é o problema do sistema partidário brasileiro: ele não consegue dialogar com a classe média, que hoje não elege presidente, e com a maioria da população, que é pobre.
IHU On-Line – O senhor já afirmou que se Lula não puder concorrer às eleições presidenciais de 2018, Jaques Wagner deve ser seu substituto. Por que Lula aposta no nome dele? Ele tem capital político para concorrer, mesmo se optasse por essa estratégia da comoção social que o senhor comentou no início?
Rudá Ricci – Ele aposta porque Jaques foi governador da Bahia, e os dois estados mais importantes do Nordeste são Bahia e Pernambuco. Ele coloca um problema de novo para o ACM Neto na Bahia, porque o Jaques Wagner é tão flexível, em termos de aliança e discursos, quanto o Lula. Portanto, ele não colocaria nenhuma situação desagradável durante a campanha, e o Lula poderia continuar aparecendo na TV, dizendo que se o eleitor quiser votar nele, pode votar no Jaques Wagner.
Se o candidato do PT for Haddad, que será o plano B caso Lula não puder se candidatar, terá um problema, porque Haddad é paulista, muito jovem, tem cara de USP, e os nordestinos não votam em perfis assim, como não votam no Ciro Gomes, que tem o mesmo perfil, porque esses candidatos têm um discurso de classe média. A candidatura do Jaques Wagner não criaria problema para Lula continuar fazendo campanha, mesmo que estivesse impedido.
IHU On-Line – Para o primeiro turno, o senhor apostaria em Lula e quem? Alckmin ou Bolsonaro?
Rudá Ricci – O Alckmin tem muito mais potencial de chegar ao segundo turno do que Bolsonaro. Não tenho clareza se Bolsonaro de fato será candidato, porque se ele pedir para concorrer, ele perderá o seu mandato. Mesmo tendo dois filhos na política, ele possivelmente perderia a liderança desse bloco de extrema-direita no país, porque há gente muito mais capaz do que ele, inclusive do ponto de vista da retórica, para manter esse discurso. Então, a candidatura dele à presidência implica no risco de ele perder a eleição, perder tudo e sair da política depois de tantas vezes eleito.
Como disse, acho que o PSDB vai jogar todo seu peso contra Bolsonaro, para desconstruí-lo até agosto. Então, possivelmente, o nome mais forte pela direita para competir com o Lula é Alckmin, sem dúvida nenhuma. Se vai haver um segundo turno entre os dois, ainda é muito cedo para dizer.
IHU On-Line – E o que o senhor diria sobre as outras possíveis candidaturas? O senhor comentou rapidamente que Boulos pode renovar o PSOL, mas e sobre a candidatura da Marina pela Rede, e Manuela D’Ávila pelo PCdoB?
Rudá Ricci – A Manuela é um bom nome, mas ela não tem inserção política nacional, e o PCdoB não vai criar problema nenhum para o PT. O PCdoB, infelizmente, se tornou um partido satélite do PT nas últimas eleições. Eu conversei com vários dirigentes nacionais do PCdoB nos últimos anos e eles estavam muito assustados, em função da crise aberta com a Lava Jato, de o PT perder musculatura porque os candidatos do PT passariam a disputar a base social e eleitoral do PCdoB. É por isso que eles vão lançar candidato, porque se eles não lançarem candidatos, o PT, sem o aparelho do Estado, colocará vários nomes na eleição e simplesmente desmanchará o PCdoB. E se desmancharem com as novas regras de acesso ao fundo partidário, o PCdoB se desintegra e passa a ser um partido completamente marginal. Então, ele precisa ter candidatura para ter o mínimo de musculatura eleitoral. Mas o partido não vai criar caso nenhum com o Lula, porque se o Lula for eleito, o PCdoB volta para o governo federal. Então, a candidatura da Manuela é experimental.
A mesma situação se aplica à candidatura do Boulos, mas aí é outra história, porque ele está tentando recompor o bloco de esquerda e está, inclusive, avançando sobre setores do PT e também sobre setores do PMDB, como é o caso de Roberto Requião. A candidatura do Boulos é uma candidatura de construção de uma frente de massas, ou seja, com todas as reticências que se possa e se deva ter, ele está tentando reconstruir o caminho do Lula, com uma proposta mais de esquerda, mas que seja popular e que tenha força. Acho que a figura do Boulos é isto: é uma pessoa intelectualizada, com uma história muito rica, e é um líder de um movimento de massa, que é o MTST. Então, ele junta justamente os dois atributos que quer começar a construir. Não vejo a candidatura dele se resumir a 2018; acho que é o início de uma trajetória que pode ser muito importante para o país.
IHU On-Line — Se o Lula não puder concorrer, ou se o PT não eleger o próximo presidente, o Boulos seria uma alternativa para o futuro?
Rudá Ricci — Acredito que sim, porque Jaques Wagner e Haddad não são populares; não tenho dúvida nenhuma de que nenhum dos dois têm apelo popular sem o Lula. Eles podem ter apelo regional, mas nem isso o Haddad tem, porque acaba de perder no primeiro turno das eleições municipais de maneira acachapante para o Doria, e ele tinha a máquina da prefeitura na mão. Portanto, ele não tem apelo eleitoral. Agora, o Boulos pode ter, principalmente se ele de fato conseguir atrair setores do PT e setores mais à esquerda, e o próprio PMDB para a candidatura dele. Se ele conseguir realmente fazer isso, ele vira um nome importante nos próximos anos na política nacional. Isso ainda é uma aposta.
IHU On-Line — Mas Guilherme Boulos seria uma aposta à esquerda mesmo considerando a reconfiguração da sociedade brasileira, que o senhor mencionou antes?
Rudá Ricci — Claro que sim. Lula já propôs para o Boulos se filiar ao PT, só que não aceitou algumas propostas do Boulos, entre elas, a revogação de todas as medidas do Temer e também a adoção de uma reforma tributária progressiva no Brasil. O Lula, infelizmente, em função da política de conciliação, não consegue renovar a agenda que ele construiu em 2002, e o Boulos está tentando propor uma nova agenda. Se ela será popular, se será uma nova agenda, eu não sei, mas o fato é que ele está tentando criar um bloco, como o que ocorreu no Chile e como ocorre hoje no Uruguai: é um bloco vasto envolvendo amplos espectros da esquerda com essa característica popular. Isso é uma aposta. Nós só poderemos ver se é uma aposta real a partir de agora.
IHU On-Line – Outra questão que se discute acerca das próximas eleições são as alianças, inclusive partidos como o PT e PCdoB já dão sinais de que farão alianças com o PMDB. Que alianças provavelmente serão feitas no próximo ano?
Rudá Ricci — Este é o problema. O bloco lulista, do qual o PCdoB faz parte, não consegue romper com o PMDB. Antes de eu explicar, vamos lembrar o que é o PMDB: o PMDB é uma válvula de escape dos setores econômicos periféricos do Brasil, e é uma válvula de escape pela política. É um partido importantíssimo para o equilíbrio político e democrático do país. Podemos ter diversas críticas ao estilo do PMDB de agir nas sombras e de sempre ter uma pendência ou um pendor à direita, mas o fato é que, do ponto de vista da engenharia política, se não tivéssemos o PMDB, não teríamos estados do Norte, como Pará e Maranhão, no centro da política nacional, porque eles são periféricos do ponto de vista econômico. E, no caso dos estados mais ricos, o PMDB atrai figuras de regiões menos pujantes economicamente para o centro da política do seu estado. Esse é o caso de São Paulo, por exemplo, que consegue atrair setores do Oeste do estado, que é uma região muito pobre, para o centro da política estadual. Então, Orestes Quércia, por exemplo, atuava muito no Oeste de São Paulo, assim como Paulo Maluf. Ou seja, esses setores mais retrógrados da política brasileira sempre se alimentaram desse canto da economia periférica, por exemplo, do estado de São Paulo, que é o estado mais pujante, e o campeão desse tipo de política era o PMDB e até hoje é o PMDB.
Portanto, o PMDB tem uma importância muito grande na política nacional, que é atrair as regiões economicamente periféricas, não muito importantes da economia brasileira, para o centro da política. É por isso que vemos que nomes como o de Romero Jucá são tão importantes na política nacional através do PMDB. É isso que precisamos entender e por isso mesmo que outros partidos sempre ficam “meio de mãos atadas” com o PMDB. Dos três principais partidos do Brasil — PMDB, PSDB e PT —, o único que tem uma base popular dentro da estrutura partidária — estou falando de prefeitos e vereadores, que estão nos rincões do país — é o PMDB; os outros dois têm de maneira muito marginal ou, no caso do PT, vinculados ao processo eleitoral, e não ao processo político entre eleições. E, nesse caso, para se ter uma base popular de sustentação, inclusive parlamentar, porque deputado federal se elege nessas bases populares, os partidos precisam do PMDB.
Esse é um problema gravíssimo para a política nacional, porque dos três partidos mais importantes do Brasil, dois não conseguem ter uma inserção histórica nesses rincões e no sertão brasileiro, só nos momentos de eleição. Mas entre eleições só o PMDB consegue. Nós temos aí um jogo de xadrez dificílimo para se criar uma governabilidade. O que a esquerda vem dizendo no Brasil — estou falando do PSOL para o restante da esquerda — é que não dá mais para se aliar ao PMDB, porque ele faz chantagem depois que o nome de esquerda se elege e empurra o governo para a direita, sempre. Esse é o problema, um dilema não solucionado até agora.
IHU On-Line — Então o PMDB continuará mantendo este peso forte nas eleições presidenciais de 2018?
Rudá Ricci — Sim, pelo seguinte motivo: o Brasil rejeita o parlamento brasileiro, com exceção da câmara municipal. Vou explicar rapidamente: o vereador está próximo do pobre e, portanto, ele consegue ter algum tipo de influência, porque algum parente ou vizinho sempre chega no gabinete do vereador; deputados estaduais e federais não têm nenhuma importância para o pobre no Brasil. É por esse motivo que as pesquisas no Brasil, como a da ESEB, que é a maior pesquisa sobre como o eleitor pensa e vota no Brasil, vem mostrando consistentemente que o eleitor brasileiro, quando vai votar em uma eleição como a do ano que vem, lembra em quem ele votou para governador e presidente, mas não lembra em que ele votou para deputado federal e estadual. Além disso, ele escolhe em quem vai votar para o parlamento brasileiro faltando 10 dias para a eleição.
O que isso significa? Que ele escolhe na hora em quem vai votar, porque é obrigado, ouvindo parentes, amigos ou catando santinho no chão. É por isso que os políticos mais conservadores sempre jogam muitos santinhos nos colégios eleitorais no dia da eleição, porque eles sabem que sua eleição será definida, talvez, ali, no santinho que o pobre olha e diz “já que tenho que votar, deixa eu ver quem tem mais poder, não vou jogar meu voto fora”, e aí vota naquele santinho que aparece mais. Isso significa o quê? Que quem joga mais dinheiro em campanha, tem mais dinheiro, mais máquina, elege deputado federal no Brasil, e com isso acontece o que está acontecendo agora: os mais ricos são os candidatos, inclusive empresários e ruralistas. É essa distorção que temos no Brasil e que faz o PMDB ser tão forte e acabar se impondo logo depois que elege um presidente, seja ele aliado ou não na campanha anterior; o PMDB sempre entra no governo por causa disso.
IHU On-Line — Caso o Lula seja eleito, o PT vai conseguir não ser empurrado para a direita, como diz ter sido nos últimos governos?
Rudá Ricci — Ele não será empurrado. Se prestarmos atenção no que o Lula está falando, ele já está dizendo que foi para a direita. O Lula já disse em várias falas dele, inclusive em comícios e entrevistas, que ele é o candidato do centro — ele não diz nem que é do centro-esquerda; ele diz que é o candidato do centro. Eu como cientista político vou te dizer: ele é, realmente, o candidato do centro; ele é a favor do mercado. Eu acho muito interessante como o empresariado brasileiro não percebeu que o caminho para o mercado se desenvolver sem conflito no Brasil, no ambiente de investimentos, é o Lula. Essas opções do empresariado brasileiro são uma aventura de quem não tem muita elaboração teórica e visão política, como é caso do Paulo Skaf, que tem uma visão mais política pessoal do que uma estratégia de classe. O Lula é hoje realmente o candidato de centro e ele está muito mais à direita do que a maioria dos militantes do seu partido acha que ele está. O Lula não precisará de pressão, o Lula já foi mais à direita.
IHU On-Line — Isso não lhe parece um paradoxo, porque a militância espera e acredita que ele assuma uma postura de esquerda, e ele se posiciona à direita?
Rudá Ricci — O Lula é muito maior do que o partido e há muito tempo ele não ouve a militância partidária. Ele não tem nenhum mecanismo de consulta e impôs o nome da Dilma e do Haddad e destruiu a candidatura de João da Costa, em Recife, que tinha sido aprovado como candidato por uma convenção municipal do partido, porque o Lula queria aliança com o PSB em Pernambuco e em Recife.
Vamos ser francos e claros: o Lula, há muito tempo não ouve e nem consulta a militância. A militância fala o que ela quer, mas o Lula faz o que ele quer e quase sempre não há coincidência na opinião desses dois personagens da política petista. É bom que a gente comece a entender o que é o lulismo: o lulismo é um programa rooseveltiano, que faz conciliação de interesses e não gosta de participação popular e nem de mobilização das massas; ele trabalha com as cúpulas partidárias e com as elites — elites religiosas, sindicais, partidárias e econômicas. O lulismo não é um governo de ampla participação dos cidadãos, de jeito nenhum, acho bom que comecemos a entender claramente o que é a proposta lulista.
IHU On-Line — Esse é o melhor modelo para o Brasil hoje?
Rudá Ricci — Não sei dizer, porque seria um julgamento. Ele deu certo, sem dúvida nenhuma. Nos dois primeiros governos petistas federais, deu certo e muito certo. Alguns dizem que deu certo porque nós tínhamos os valores das commodities em alta. O fato é que já tivemos outros momentos de opulência nas exportações, mas não tivemos as políticas que o Lula adotou. O fato é que, talvez, como já disse, esse programa tenha chegado ao fim porque parte dos aliados do lulismo não querem mais aliança. Mas o Lula vem dizendo que quer voltar a fazer o que ele fez. Na verdade, o principal programa do Lula hoje é restabelecer o que ele já fez, ele não está propondo nada novo, não tem uma nova versão do Fome Zero, como foi em 2002, não tem uma nova versão da política do BNDES, como ele fez em 2007, ele não tem proposta nova; a proposta do Lula é restabelecer o que ele fez em 2005, 2006 e 2007.
IHU On-Line - Recentemente foi divulgada uma pesquisa mostrando que 60% dos eleitores do Bolsonaro seriam jovens. O que explica essa adesão de parte dos jovens ao candidato e o que isso revela sobre a política brasileira?
Rudá Ricci — Se nós estamos falando de 15% do eleitorado, estamos falando algo em torno de 7% — e os jovens são muito mais que 7% dos eleitores brasileiros. A maioria dos jovens vota no Lula, a questão é que hoje 60% do eleitorado do Bolsonaro é jovem. O que são esses jovens? Há uma série de teses a respeito, mas uma das que acho mais interessante é a de que houve um avanço muito grande de um discurso agressivo no movimento estudantil, principalmente universitário, que é hegemonizado pelo PCdoB, e que tem todo um jargão e uma estrutura de política muito consolidada, com palavras que têm todo um significado de quem já é iniciado na política estudantil, como é o caso das palavras de ordem e assim por diante. Ou seja, aqueles que não são iniciados e organizados no movimento estudantil se sentem completamente humilhados ou de escanteio. E, além disso, no movimento estudantil há quem diga que os movimentos identitários neofeministas e de defesa de cotas também estão sendo muito agressivos, criticando pessoas de perfil mais de “nerd” ou aqueles que são muito tímidos, que é o perfil da maioria dos estudantes — quem já deu aula em universidade sabe muito bem o que estou dizendo.
Esses setores se sentiriam muito sem expressão e muito ofendidos por esse discurso agressivo que diz que todo homem é um estuprador em potencial e que as pessoas são alienadas, de tal maneira que esse segmento dos jovens, principalmente universitários, estaria dentro desses movimentos de oposição aos identitários e ao movimento estudantil ligado às forças de esquerda hegemônicas. E é por isso que haveria uma reação tão agressiva contra a esquerda, essa esquerda do movimento estudantil, e a esses movimentos identitários na universidade. Não é só uma reação política, é uma reação violenta como se fosse uma defesa da sua existência. Essa é a hipótese que vejo muitos autores apontando recentemente, às vezes sem pesquisas, mas como se fosse uma espécie de relato impressionista, subjetivo, mas que vejo com bons olhos, porque é uma hipótese de pesquisa bem interessante. Além disso, não tenho nenhum dado que revele com tanta nitidez o porquê temos tantos jovens apoiando a extrema-direita.
Tem outra hipótese muito importante, que venho defendendo há algum tempo: grande parte dos jovens que estão na faixa dos 20 a 30 anos só viram os governos lulistas e o Temer. O jovem sempre forma um segmento contra o status quo. Por que o jovem é contra o status quo? Porque está tentando achar seu lugar no mundo dos adultos e ele tem que se impor, porque os adultos se impõem com regras e instituições, e eles precisam mostrar que têm o seu lugar e que precisam ter oportunidades. O jovem sempre tenta se impor no mercado de trabalho, no mundo dos adultos, com muita energia para poder existir e ser valorizado.
Como grande parte dos jovens tinha em torno de 10 anos quando o Lula venceu as eleições em 2002, esses jovens veem todas as mazelas do Brasil, e também aquelas que eles enfrentam, como culpa dos governos lulistas. Com isso, fica muito mais fácil de armar um discurso de que tudo aquilo que tem de ruim no país é culpa daqueles que estão no poder, de cabelos brancos — o caso do Lula — e velhos que querem se manter no poder, e que roubaram nosso dinheiro.
É um discurso fácil para esses jovens que acham que o poder do Brasil foi feito à imagem e à semelhança do PT e do Lula. Essas são algumas explicações, mas todas são hipóteses. Vamos aguardar para que tenhamos mais dados concretos sobre isso.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
"O problema do Brasil não é 2018, mas 2019". Entrevista especial com Rudá Ricci - Instituto Humanitas Unisinos - IHU