10 Abril 2009
Se a Páscoa tem um significado profundo de vencer o mal e nascer para uma vida nova, a Igreja pode aproveitar esse momento para revisar alguns aspectos centrais de sua administração. Essa é a opinião do padre jesuíta Thomas J. Reese, ex-editor-chefe da famosa revista America, a única revista semanal católica dos Estados Unidos.
Nesta entrevista concedida por e-mail à IHU On-Line, Reese analisa as recentes polêmicas envolvendo Bento XVI e a Igreja à luz da Páscoa. "Bento pensa como um professor alemão. Não há dúvida de seu brilho acadêmico, mas acadêmicos não necessariamente se tornam bons administradores ou bons líderes", afirma Reese, que também é doutor em ciências políticas pela Universidade da Califórnia.
Reese aborda ainda a relação entre o discurso da fé e a modernidade. Segundo ele, continuar tratando tudo o que seja novo com suspeita irá significar fracasso.
Thomas J. Reese entrou para a Companhia de Jesus em 1962, tendo sido ordenado em 1974. É mestre em ciências políticas pela Universidade de St. Louis e em teologia pela Escola Jesuíta de Teologia de Berkeley. Possui doutorado em ciências políticas pela Universidade da Califórnia. Entre 1998 e 2005 foi o editor-chefe da revista America, a reconhecida revista católica dos EUA, fundada em 1909. Porém, por pressões do Vaticano, que discordava de suas decisões editoriais, principalmente com relação a temáticas como o celibato sacerdotal e a ordenação de mulheres, Reese pediu para deixar o cargo. É autor de diversos livros que examinam a política e a organização eclesial. Em português, publicou "O Vaticano por dentro" (Edusc, 1998).
Confira a entrevista.
IHU On-Line – Qual o significado da Paixão, da Morte e da Ressurreição de Cristo?
Thomas J. Reese – A Páscoa é a afirmação de Deus de que o bem irá triunfar, de que o amor pode vencer a morte. A Páscoa deve nos deixar esperançosos e felizes.
"A Igreja precisa descobrir como pregar o Evangelho de forma que seja compreensível pelas pessoas do século XXI. Ela não pode repetir fórmulas do século XIII" |
IHU On-Line – Como a Paixão de Cristo se expressa na "paixão" do mundo e da Igreja hoje?
Thomas J. Reese – Uma das coisas que deveríamos aprender durante a Semana Santa é que mesmo as melhores pessoas falham. Acima de tudo, como o Evangelho de Marcos enfatiza, Jesus falhou. No Evangelho de Marcos, ninguém entende Jesus, nem mesmo os discípulos. Na Paixão, Jesus está sozinho. Os discípulos pegam no sono. Ele é traído por Judas, e Pedro o nega. Mesmo as mulheres não se aproximam da cruz, mas permanecem à distância. O Evangelho proclama que Jesus teve que sofrer e morrer e nos desafia a tomar a nossa cruz e a seguir Jesus. Isso significa assumir a missão de Jesus mesmo quando os desafios são tão grandes que parece que iremos falhar.
IHU On-Line – Como o senhor analisa o pontificado de Bento XVI e as inúmeras polêmicas surgidas em tão pouco tempo?
Thomas J. Reese – Eu acho que o coração do problema está em que Bento pensa como um professor alemão. Não há dúvida de seu brilho acadêmico, mas acadêmicos não necessariamente se tornam bons administradores ou bons líderes. Como papa, ele é o líder de uma organização com 1,1 bilhão de membros.
Uma vez, São Bento foi consultado sobre a eleição de um abade em que um candidato era muito santo, outro era um grande teólogo, e o terceiro era prudente. Sua resposta foi: "Faça que o santo homem reze pelos monges. Faça o teólogo ensinar aos monges. E faça o homem prudente liderar os monges".
O problema dos professores alemães é que eles estão acostumados a falar a uma sala de aula cheia de estudantes que tomam nota, que memorizam o que escutaram e que devolvem isso nos exames. Os professores usam palavras que têm um sentido tecnicamente diferente do sentido que têm no uso cotidiano. Os estudantes conhecem o pensamento do professor e entendem cada aula no contexto de todas as outras coisas que foram ensinadas em aula. Em outras palavras, eles sabem o que significa "revogar uma excomunhão". Eles estão dispostos a deixar que o professor defina os seus termos, como "igreja", "razão" etc.
Esse não é o mundo em que Bento está agindo agora. Ele não pode esperar a mesma docilidade da sua audiência como ele esperaria dos estudantes em uma sala de aula. O mundo, especialmente quando suas palavras são comunicadas por meio da imprensa, muitas vezes irá mal interpretar, questionar e desafiar qualquer coisa que ele disser ou fizer.
"A menos que o Papa mude a forma como toma decisões, ele continuará tendo esses desastres midiáticos periódicos" |
Essa é a razão pela qual ele precisa de bons conselheiros. Todo bom líder se cerca não de "homens do sim", mas de pessoas que o protegerão de todas as suas fraquezas, colocando sobre a mesa informações adicionais e outras perspectivas. Um dos problemas de Bento é que ele está cercado de pessoas que pensam que ele é o homem mais esperto do mundo e, por isso, não levantam questões nem o desafiam.
Bento precisa de pessoas ao seu redor que entendam especialmente de comunicação, que avisem sobre como uma mensagem ou uma decisão será recebida pela imprensa e pelo público. O fato de como as pessoas irão reagir não deve determinar a política, mas também não deve ser ignorada. Pessoas que entendem de comunicação também devem ajudar a dar forma a como a decisão será apresentada ao mundo.
A menos que o papa mude a forma como ele recebe informações e como ele toma decisões, ele continuará tendo esses desastres midiáticos periódicos. Eles irão obscurecer todas as outras grandes coisas que ele faz e diz.
IHU On-Line – Às vezes, a Igreja é vista apenas como uma autoridade moral: se pronuncia abertamente sobre questões de bioética (aborto, preservativos, eutanásia), colocando de lado questões como os problemas sociais e os demais desafios da modernidade. Como a Igreja pode lidar com a sua missão apostólica e social em um mundo tão complexo?
Thomas J. Reese – Eu acredito que o papa e muitos bispos estão preocupados com a justiça social, mas quando eles falam sobre refugiados, desemprego, injustiça e guerra, suas afirmações são essencialmente ignoradas pela imprensa.
IHU On-Line – Inspirada pela ressurreição de Cristo, como a Igreja pode recuperar o espírito da "primavera conciliar", com mais abertura e diálogo com a sociedade? A Igreja é capaz de evoluir junto com o mundo?
Thomas J. Reese – A Igreja precisa descobrir como pregar o Evangelho de uma forma que seja compreensível pelas pessoas do século XXI. Ela não pode mais simplesmente repetir fórmulas do século XIII. Nós não levamos a sério a importância da inculturação do Evangelho em inúmeras culturas do nosso mundo. Ao mesmo tempo, também temos que ser proféticos ao desafiar a cultura contemporânea. Essa é uma ação equilibrada que exige experimentação e às vezes irá falhar. Mas continuar tratando tudo o que seja novo com suspeita significará fracasso.
"Bento pensa como um professor alemão. Não há dúvida de seu brilho acadêmico, mas acadêmicos não se tornam bons administradores ou bons líderes" |
IHU On-Line – A Igreja nos Estados Unidos está frente a uma nova realidade política e social com Barack Obama. Quais são as possibilidades e as limitações desse novo diálogo com uma figura histórica como Obama (incluindo suas ideias e decisões políticas) e a Igreja norte-americana?
Thomas J. Reese – A maioria dos católicos norte-americanos (especialmente os católicos hispânicos) votaram em Obama, mas alguns acreditam que os católicos não deveriam trabalhar com Obama, porque ele é "pro-choice". Muitos – e eu me incluo nisso – acreditam que os católicos devem trabalhar com ele em áreas em que há consenso (reforma imigratória, ajuda aos pobres) e expressar suas discordâncias com relação ao aborto, à pesquisa com células-tronco e outras questões.
(Reportagem de Moisés Sbardelotto)
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"Bento XVI está cercado de pessoas não levantam questões nem o desafiam." Entrevista especial com Thomas J. Reese - Instituto Humanitas Unisinos - IHU