18 Fevereiro 2020
Diante de leis cada vez mais duras contra a Amazônia e seus habitantes, Querida Amazônia, do Papa Francisco, permite aos fiéis sonharem.
A reportagem é de Marie Naudascher, publicada por La Croix International, 17-02-2020. A tradução é de Isaque Gomes Correa.
“Não é um decreto, mas um convite a sonhar”, disse o arcebispo de Belo Horizonte, Dom Walmor Oliveira de Azevedo.
O arcebispo de 65 anos, que também é presidente da CNBB, enfatizou que este documento papal “nos chama a trilhar o caminho missionário com ânimo renovado”.
O tão aguardado texto de 22 páginas responde às propostas feitas pelos bispos na Assembleia Especial do Sínodo dos Bispos para a Pan-amazônia, realizado em outubro passado em Roma.
Os católicos da região amazônica ficaram encantados com o fato de a exortação ter sido lançada em 12 de fevereiro, dia que também marcava o 15º aniversário de assassinato da Irmã Dorothy Stang.
A missionária da Congregação de Notre Dame de Namur, nascida nos EUA, era figura importante na luta pela justiça social na Amazônia.
O Papa Francisco apresentou quatro sonhos para a região amazônica: social, cultural, ecológico e eclesial.
O Cardeal Cláudio Hummes, que trabalhou de relator-geral da assembleia sinodal, acolheu o fato de a preocupação com os “pobres, os esquecidos, os excluídos e os abandonados” figurar primeiro entre eles.
“Sonho com comunidades cristãs capazes de se devotar e encarnar de tal modo na Amazônia, que deem à Igreja rostos novos com traços amazônicos”, diz Francisco ao descrever o seu quarto sonho para a região.
No entanto, o papa não menciona a ordenação de homens casados para compensar a escassez de padres na região. Esta foi uma das principais recomendações que a maioria dos bispos latino-americanos presentes sínodo de 2019 fez ao papa, em um esforço para integrar homens de comunidades indígenas ao sacerdócio.
“O papa nada disse sobre isso, então a porta não está fechada para estudarmos e debater esse tema. É um assunto importante que não se resolverá da noite para o dia”, disse o bispo da Diocese de Alto Solimões, Dom Adolfo Zon Pereira, missionário xaveriano cuja jurisdição eclesiástica fica a cerca de 1.100 quilômetros da capital amazônica de Manaus.
Mas o Papa Francisco afirma que “‘o modo de configurar a vida e o exercício do ministério dos sacerdotes não é monolítico, adquirindo matizes diferentes nos vários lugares da terra’, diz o prelado espanhol de 64 anos, que atua na região, nas fronteiras com a Colômbia e o Peru, há quase 30 anos.
Francisco convida os leigos a comprometerem-se com uma “nova vida nas comunidades” para “responder aos novos desafios”, contando com as comunidades eclesiásticas de base e grupos de missionários itinerantes.
“No entanto, eu esperava um sinal do papa no sentido daquelas que coordenam 70% das comunidades eclesiais na Amazônia”, disse Dom Evaristo Pascoal Spengler, da Prelazia de Marajó, referindo-se ao papel essencial das mulheres na região.
O franciscano de 60 anos defendeu a ordenação de mulheres ao diaconato durante a assembleia sinodal.
“Estávamos no meio de um processo, e desse texto vamos publicar uma cartilha que iremos ler durante o ano com os fiéis”, disse Spengler visivelmente otimista.
Sem citar o chefe de Estado brasileiro, o papa diz que a exploração dos recursos de mineração em territórios indígenas – que o presidente Bolsonaro quer perseguir – é um “crime” e uma “injustiça” que perpetuam “interesses colonizadores”.
Até agora, a CNBB não comentou o projeto de lei apresentado ao Congresso semana passada que autoriza a exploração de recursos hídricos e de mineração em territórios indígenas.
“Somos contra tudo o que prejudica o meio ambiente e os povos nativos (...) e isso em resposta a interesses de desenvolvimento econômico que não se preocupam com os mais pobres. Pelo contrário, os exclui”, disse Dom Oliveira de Azevedo à imprensa.
Além disso, a CNBB criticou a falta de representação da sociedade civil no Conselho Nacional da Amazônia, criado em 11 de fevereiro para responder às críticas internacionais após os incêndios de agosto passado.
Esse novo órgão é liderado pelo vice-presidente do Brasil, Gen. Antônio Hamilton Martins Mourão, que não tem em seu histórico a defesa dos direitos indígenas.
Bolsonaro não comentou o que diz o papa em Querida Amazônia.
Mas antes do Sínodo de outubro passado, o governo Bolsonaro acusou os bispos católicos de procurarem desestabilizar o seu poder de governo e minar a soberania brasileira na região.
O Cardeal Hummes lembrou que a Igreja Católica está aberta ao debate com a sociedade civil e a presidência, se houver “uma disposição para dialogar”.
Entretanto, o cardeal de 85 anos disse que a tomada de poder progressiva do governo Bolsonaro sobre a Amazônia apresenta um “risco para a democracia”.
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Católicos da Amazônia dão boas-vindas à exortação apostólica pós-sinodal - Instituto Humanitas Unisinos - IHU