14 Fevereiro 2020
"Se não renovar a teologia, a liturgia, o sistema de nomeação de bispos, o Direito Canônico e os inconfessáveis vínculos do clero com o capitalismo, os demais problemas – dos quais com razão nos queixamos – desta velha instituição não se resolverão com uma decisão ou um documento do Papa", escreve José María Castillo, teólogo espanhol, em comentário sobre a Exortação Apostólica "Querida Amazônia", publicado por Religión Digital, 13-02-2020. A tradução é de Wagner Fernandes de Azevedo.
O papa Francisco tomou a decisão que era possível tomar. A decisão que menos dano poderia causar à Igreja neste momento, dado como estão as coisas. E essa decisão, agora mesmo, é por manter a Igreja unida, evitando o possível (e talvez provável) cisma que se ameaça. Uma Igreja dividida é uma ameaça mais perigosa que uma Igreja que siga tendo demasiada força o clericalismo integrista.
Melhor é esperar. Ainda que isso possa parecer covardia. Para mim, parece que, neste momento, é o mal menor. Seguramente todos necessitamos de ver a transformação dessa realidade, que estamos vivendo na sociedade e na Igreja, que é – sem dúvida alguma – uma mudança mais profunda e mais imparável do que imaginamos.
Em qualquer caso, a todos nós, cairia bem ter presente, nesta situação, a definição dogmática, que fez o Concílio Vaticano I, em 1870, na Constituição Dogmática “Dei Filius”: os cristãos “devem crer com fé divina e católica em todas aquelas coisas que se contêm na palavra de Deus escrita ou tradicional, e são propostas pela Igreja para serem acreditadas como divinamente reveladas, seja por solene juízo, ou por seu magistério ordinário e universal” (Denzinger – Hunnermann, n. 3011). Tudo o que não contenha nessa definição dogmática, com absoluta segurança, pode ser modificado pela autoridade eclesiástica competente. Como sabemos, tal autoridade reside no Papa.
Agora, os problemas eclesiásticos mais sérios e pressionadores, que foram abordados no Sínodo da Amazônia, são questões que não reúnem as condições que exige essa definição dogmática.
Nem a lei do celibato, nem a desigualdade de direitos de mulheres e homens na Igreja, são problemas de fé e, portanto, imobilizados na Igreja. O Papa pode decidir, nesses assuntos, o que vê como mais conveniente e quando vê possível para o bem da sociedade e da Igreja.
Uma semana antes da renúncia de Joseph Ratzinger ao pontificado, alguém de altíssimo cargo no governo da Igreja falou-me em uma conversa privada: “A Igreja não pode cair mais do que já caiu”. Uma instituição tão grande e tão afundada não se levanta em poucos anos. Sobretudo, quando tal instituição carrega problemas muito graves, que não se podem resolver mediante um decreto. Se não renovar a teologia, a liturgia, o sistema de nomeação de bispos, o Direito Canônico e os inconfessáveis vínculos do clero com o capitalismo, os demais problemas – dos quais com razão nos queixamos – desta velha instituição não se resolverão com uma decisão ou um documento do Papa.
Dado isso, minha proposta é que, em vez de criticarmos o Papa, unamo-nos todos a ele. Somente assim daremos os passos adiante que necessitamos dar.
A renovação da Igreja não é uma questão de decreto. É uma questão de forma de viver. Sim, de viver como Jesus nos ensinou no Evangelho.
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“O Papa tomou a decisão que era possível tomar, a que menos dano poderia fazer à Igreja”, escreve José María Castillo - Instituto Humanitas Unisinos - IHU