22 Outubro 2019
Enquanto o Sínodo sobre a região amazônica entra na sua última semana, os bispos que se reúnem aqui para discutir os desafios da região e fazer recomendações ao Papa Francisco começam a preparar o seu relatório final.
O comentário é de Thomas J. Reese, jesuíta estadunidense, ex-editor-chefe da revista America, dos jesuítas dos Estados Unidos, de 1998 a 2005, e autor de “O Vaticano por dentro” (Ed. Edusc, 1998), em artigo publicado por Religion News Service, 21-10-2019. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Suas palavras podem ter um impacto profundo não apenas na Amazônia, mas em toda a Igreja, pois as ideias que eles apresentarem sobre a proteção do ambiente, os direitos dos povos indígenas e a adaptação das práticas da Igreja às culturas locais são teoricamente aplicáveis em qualquer lugar.
O relatório final do Sínodo, que se reúne desde o dia 6 de outubro, será elaborado por uma comissão de redação composta por bispos eleitos pelo Sínodo e nomeados pelo papa. Após a discussão e as revisões, o relatório será votado parágrafo por parágrafo. A aprovação de qualquer parágrafo requer os votos favoráveis de no mínimo dois terços. Somente os 185 delegados oficiais do Sínodo (quase todos bispos) podem votar.
A comissão de redação trabalhará com contribuições de 12 grupos sinodais que se reuniram para discutir as questões. Os grupos foram organizados por idioma (dois italianos, quatro portugueses, cinco espanhóis e um para falantes de inglês e francês). Cada grupo tinha cerca de 20 bispos, observadores e peritos leigos que participavam igualmente das discussões.
Os relatórios individuais desses grupos linguísticos, com um total de 35 páginas, são a representação mais precisa de onde o Sínodo se encontra ao entrar em sua semana final.
Os relatórios mostram que os bispos são unânimes em sua preocupação com a destruição ecológica infligida à Amazônia pelas indústrias extrativas (de petróleo, minérios e madeira), pelos pecuaristas, pela monocultura e pelas hidrelétricas. A biodiversidade natural da Amazônia tem sido destruída para beneficiar um desenvolvimento que é insustentável, mas proporciona enormes lucros de curto prazo a interesses especiais.
Grandes hidrelétricas tiram terras indígenas, rios e fontes de alimento, assim como as fazendas de gado e a monocultura. As minas fazem o mesmo e poluem a terra e a água com produtos químicos causadores de câncer.
Essas questões preocupam muito além da Amazônia e, especialmente, no Norte global, que se beneficia dos produtos e dos lucros provenientes da Amazônia.
Os grupos linguísticos pediram uma conversão ecológica para um estilo de vida mais simples, sustentável e que respeite a Mãe Terra, como fazem os povos indígenas da Amazônia.
“É indispensável uma conversão ecológica para uma vida sóbria”, explicou o Grupo B em português. Isso “implica mudanças de mentalidade, de estilo de vida, nos modos de produção, práticas de acumulação, consumo e desperdício”.
Essa conversão não é simplesmente pessoal. “A conversão ecológica leva a Igreja a assumir o seu papel profético”, disse o Grupo A em espanhol, “denunciando a violação dos direitos humanos das comunidades indígenas e a destruição do território amazônico.”
Mas essa conversão e compromisso ecológicos devem ser fundamentados na espiritualidade, já que a Igreja não é apenas uma organização não governamental. Essa conversão levaria a “um novo estilo de vida simples, despojado, sóbrio, que cuida, atencioso, sem desperdício, que evita o descarte de coisas e de pessoas, que é generoso e se inspira em Francisco de Assis, do irmão sol, irmã lua, irmã água”, explicou o Grupo C em português
O grupo inglês/francês sugeriu os quatro princípios articulados pelo patriarca ortodoxo oriental Bartolomeu I para fundamentar essa espiritualidade:
- uma visão sacramental da criação como reflexo de Deus,
- um espírito eucarístico que agradece a Deus pelo que Ele nos oferece,
- uma ética ascética que adota um estilo de vida simples e
- uma vida em solidariedade e fraternidade com todos.
Outros grupos consideraram os valores indígenas como o fundamento da espiritualidade ecológica, “como a comunidade, a família, a espiritualidade, a comunhão de bens, o respeito pela Casa comum”, explicou o Grupo A em espanhol.
Não é apenas o ambiente, mas também as pessoas que são vítimas na Amazônia. Os invasores europeus escravizaram e exploraram os habitantes nativos da região. Mais tarde, a indústria automobilística os explorou nas plantações de borracha. Hoje, são as indústrias da criação de gado, da mineração e da monocultura que invadem os seus territórios.
Mesmo agora, “diversos megaprojetos estão em curso”, relata o Grupo D em espanhol. “Exerce-se violência sobre os povos, os Estados implementam políticas de concessão dos territórios (indígenas)” a esses interesses.
A violência contra as terras e os povos da Amazônia foi um tema repetido nos relatórios dos grupos. “A violência na Amazônia é praticada contra pessoas, povos, culturas e natureza”, disse o Grupo D em português. Vários grupos denunciaram a violência contra mulheres e crianças, principalmente por meio do tráfico de pessoas. A violência também força os povos indígenas a adentrarem ainda mais na floresta ou a migrarem para as cidades.
“Como consequência dessas migrações”, explicou o Grupo D em espanhol, “temos a desintegração familiar, a perda da identidade cultural, a marginalização social, a rejeição por parte das pessoas das cidades, aonde eles chegam como estranhos, são explorados, caem em estruturas violentas e criminosas, na prostituição etc.”
Resumindo suas conclusões, o Grupo C em português disse: “Dizemos não ao desmatamento, não aos grandes projetos agressivos que destroem a floresta, não às monoculturas e aos agrotóxicos. Dizemos sim ao desenvolvimento sustentável, sim à conversão ecológica, sim à ecologia integral”.
Os relatórios também propuseram reformas para a Igreja.
Uma Igreja menos clerical e mais sinodal é necessária, de acordo com quase todos os relatórios do grupo.
“O caminho sinodal para a Amazônia nos mostrou que o processo abriu a perspectiva de uma eclesiologia diferente, mais batismal e colegial, diferente da Igreja clerical”, relatou o Grupo A em português. “A Igreja com rosto amazônico acentua a corresponsabilidade e a participação de todo o Povo de Deus na vida e na missão da Igreja.”
Muitos grupos falaram da necessidade de formação sacerdotal que produza homens que escutem e encorajem a participação de leigos, especialmente das mulheres.
A necessidade de a Igreja se inculturar no contexto amazônico foi enfatizada repetidamente.
O Grupo B em italiano declarou: “É necessário que a Igreja reconheça este peculiar momento histórico e, na sua incansável obra de evangelização, se esforce para que o processo de inculturação da fé possa se expressar com as formas mais coerentes”.
Depois de observar que atualmente existem 23 ritos diferentes na Igreja Católica, o grupo pediu um rito indígena para a Amazônia, assim como outros grupos.
“Temos também o desafio de promover e viver uma liturgia inculturada”, insistiu o Grupo D em espanhol, “como experiência viva da fé com sinais e símbolos próprios, garantindo o direito de cada batizado de celebrar de forma plena, consciente e ativa.”
Os grupos que não mencionaram especificamente um rito amazônico escreveram sobre a adaptação da liturgia às culturas locais, o uso de símbolos, de linguagens e de ações que expressem os valores positivos dos povos indígenas.
“O etnocídio seja combatido porque mata a cultura e o espírito”, pediu o Grupo D em português. “Por isso, o missionário se despoje de toda mentalidade colonialista e respeitar os costumes, ritos, crenças, hábitos das pessoas daquela cultura.”
“As manifestações com a qual o povo expressa sua fé, mediante imagens, símbolos, tradições, ritos e outros sacramentais sejam apreciadas, acompanhadas e promovidas”, afirmou o grupo.
O único grupo que se pronunciou explicitamente contra um rito indígena foi o Grupo A em italiano, que queria conservar “a unidade substancial do rito romano”.
Os bispos reconheceram em seus relatórios que a Eucaristia não está disponível para a maioria do seu povo por causa da falta de padres.
O grupo inglês/francês não considerou isso como um problema, apontando para soluções usadas em outras regiões onde os padres são escassos. “Em outros lugares, como na África, o número de padres nunca foi suficiente para oferecer missas todos os domingos.” A Igreja africana usa muitos catequistas, professores do Evangelho oficialmente designados, e o grupo lembrou ao Sínodo que “a Palavra é alimento, além da Eucaristia”.
Não se explicou por que esses catequistas, capazes de ministrar a Palavra, não poderiam ser ordenados como ministros da Eucaristia.
Cerca de metade dos 12 grupos apoiaram explicitamente a ordenação de homens casados. O Grupo A em italiano pareceu estar dividido sobre a questão, enquanto o Grupo D em português pediu uma reflexão mais aprofundada sobre o assunto.
Alguns dos grupos que foram favoráveis à ordenação de homens casados também defenderam o diaconato para as mulheres. Quase todos falaram da importância das mulheres na Igreja e pediram que elas sejam respeitadas e empoderadas. Alguns sugeriram que se reavivem os ministérios do acolitado e do leitorado e que se permita a participação das mulheres.
A última semana do Sínodo será a “hora da verdade” para os bispos. Parece haver muito consenso entre os bispos, mas resta saber exatamente o que eles farão em relação à ordenação de homens casados, às diáconas e a um rito indígena. A questão é se esses pontos alcançarão os dois terços na votação.
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Começa a hora da decisão para os bispos da Amazônia na semana final do Sínodo. Artigo de Thomas Reese - Instituto Humanitas Unisinos - IHU