08 Outubro 2019
Iniciou no domingo, no Vaticano, o importante Sínodo dos Bispos sobre a Amazônia. Um Sínodo, de certa forma, de contornos "explosivos". Um sínodo estratégico para o Pontificado do Papa Francisco. Conversamos sobre isso com o teólogo Andrea Grillo. Grillo é professor titular de Teologia na Universidade Pontifícia "Sant'Anselmo" de Roma.
A entrevista é de Paolo Mele, publicada por Confini, 05-10-2019. A tradução é de Luisa Rabolini.
Professor, domingo, no Vaticano, se abre o importante Sínodo dos Bispos sobre a Amazônia. Um Sínodo, definido como "especial", estratégico para o Pontificado de Jorge Mario Bergoglio. Por que é tão importante para Francisco?
Eu diria que a relevância do Sínodo dedicado à Amazônia deriva de dois fatores: o primeiro é a relação com uma "periferia integral", diferentemente dos Sínodos da Família e dos jovens, que abordaram um tema universal, do qual depois sondaram elementos periféricos. Agora no centro está a "periferia amazônica", como plenitude de expressão eclesial com um "rosto" peculiar. Por esse motivo, e este é o segundo elemento, esse Sínodo exige respostas imediatamente implementáveis: como não é dirigido a uma Igreja universal, exige decisões concretas sobre liturgia, ministério, anunciação, sujeitos de autoridade e formas eclesiais verdadeiramente credíveis.
Sabemos que é um Sínodo, como já mencionado "especial", que tem um duplo nível, um geopolítico, a defesa do bioma pan-amazônico, e outro, a busca de um caminho para uma Igreja com rosto amazônico. O contorno é explosivo: apenas uma igreja não colonial pode preservar o bioma Amazônia. Bioma visto como "lugar teológico" fundamental para o testemunho evangélico. É assim professor?
Eu diria que precisamente esse entrelaçamento, que você indicou perfeitamente, requer do Sínodo uma visão profunda e de longo alcance. Defender uma "forma de vida", sem qualquer concessão ao tradicionalismo, e "jogar o jogo linguístico eclesial" com regras mais simples e ao mesmo tempo mais articuladas torna-se um desafio para o pensamento e a prática eclesial. Basicamente, é uma questão de repetir o que Dante dizia quando distinguia entre "o que não morre e o que pode morrer". E isso deve ser feito, de maneira entrelaçada, entre formas de vida local e jogo linguístico eclesial. Será uma experiência de crescimento e amadurecimento, para a Amazônia e para toda a Igreja.
Vamos deixar de lado o lado "político" do Sínodo, que, no entanto, deve ser lembrado, inevitavelmente terá. Vamos analisar o lado eclesial. O Sínodo foi objeto de fortes ataques da facção conservadora. Estes últimos estão preocupados com algumas afirmações do Istrumentum laboris, incluindo a proposta de ordenar "viri probati" ao sacerdócio e sobre o papel das mulheres. Em suma, para eles o Sínodo é uma espécie de "Cavalo de Tróia" para minar a Igreja Católica. Parece-me um exagero ... e para você?
Este Sínodo, como todos os anteriores conduzidos por Francisco, não tendo conclusões "predeterminadas" - como costumava acontecer nos Sínodos anteriores - preocupa os burocratas e os preguiçosos. Francisco sempre disse que um confronto sincero e sereno pode fazer a Igreja caminhar, mudar a disciplina, aprofundar a doutrina. Este Sínodo, em particular, é uma ocasião preciosa para uma reflexão precisa e exigente sobre o ministério e a liturgia. Esses são dois temas nos quais toda transformação evoca facilmente desastres, traições, perdas, apostasias, heresias ... Na realidade, está em jogo a capacidade da Igreja de responder com autoridade aos sinais dos tempos. A Igreja pode fazê-lo e, portanto, deve fazê-lo. Tem autoridade para tanto e não pode escapar. Caso contrário, seria infiel à sua própria função. Os tradicionalistas querem uma Igreja infiel por covardia. Mudar não é ceder, mas crescer.
Pode-se dizer, na sua opinião, que o Sínodo e a "Laudato si" são filhos de uma lógica diferente da relação entre tradição e atualização (ou modernidade)?
Definitivamente. Este Sínodo, ainda mais que os anteriores, coloca-se como "mediação da tradição", que exige uma nova tradução, nesse caso para anunciar a Palavra e celebrar o Sacramento no contexto de um complexo de culturas particulares, para as quais a aplicação das "lógicas romanas"- assim como são - resulta ineficaz há séculos. Com suas "necessidades emergentes", a Amazônia pode indicar a Roma novos e mais amplos horizontes, céus mais azuis. A Amazônia não é uma floresta sombria, na qual a Igreja pode se perder. Pelo contrário, é uma história particular, ou melhor, um conjunto de histórias muito particulares, nas quais pode-se reencontrar o sabor de uma fidelidade criativa e dinâmica ao Evangelho.
Como é delineado o "rosto amazônico" da Igreja e o que leva à Igreja universal?
Eu gostaria de dizer isso essencialmente em dois níveis. O primeiro é o dos "sujeitos de autoridade". A Igreja, para ser fiel ao seu Senhor, sempre emprestou os modelos de "autoridade" das culturas em que vivia. Imaginários gregos, romanos, francos, saxões ou moçárabes deram forma e carne à história do ministério cristão. Também a Amazônia, com suas peculiaridades históricas e geográficas, tem o direito de encarnar a única tradição que vem de Cristo com as formas masculinas e femininas de exercício da autoridade, conforme se desenvolveram in loco. Esse é um canteiro de obras promissor, no qual podemos trabalhar frutuosamente. E não haverá necessidade de criar nada "ex-nihilo". Antes, deveremos reconhecer e dar força ao que já existe, na realidade vital e institucional daquelas culturas nas quais se faz o ato de fé e se vive em Cristo. O segundo ponto é, precisamente, permitir que a correlação entre ato de fé e vida cristã seja dita e ouvida ritualmente de acordo com as linguagens que aquelas culturas elaboraram na sabedoria secular de suas tradições. Uma liturgia que leva em consideração essas riquezas não é de modo algum um empobrecimento do "rito romano". Pelo contrário, é o rito romano que sabe emigrar e se enraizar alhures. Descobrir a qualidade "migrante" do rito romano poderia ser um dos pontos-chave do Sínodo.
O papa Francisco fez uma declaração há alguns dias: "Sinto-me sitiado". Ou seja, as críticas de seus adversários são muito pesadas. Sabemos que alguns altos prelados também esperam sua demissão. A ameaça de um cisma condicionará o Sínodo?
Se um papa fala com as palavras do Concílio Vaticano II, vive de acordo com o imaginário conciliar e não renuncia à profecia, é inevitável que seja, em muitos casos, "sitiado" por um aparato eclesial que frequentemente usa padrões de expressão e experiência muito diferentes. Por outro lado, é preciso reconhecer que Francisco mostra tal superioridade, não apenas de caráter, mas eu diria de cultura e de experiência, em comparação com seus críticos, que pode encontrar facilmente os recursos pessoais e institucionais para resistir ao cerco. Basta ler os textos dos críticos, para entender que a linguagem antiga, as representações obsoletas e os imaginários distorcidos não lhes dão nenhuma esperança. Se der certo, eles defendem ideais de 200 anos atrás. Se der errado, defendem sua pequena horta de influência. Francisco quer uma igreja a caminho e em saída, que não olhe para si mesma. Aqueles outros passam o dia inteiro na frente do espelho. Até a Amazônia pode ser para eles simplesmente uma "desagradável perturbação" para uma agenda composta de cerimoniais renascentistas com fim em si mesmos.
Última pergunta: você está otimista com o Sínodo?
Sim. Sou otimista. Não nego que haverá obstáculos, dificuldades, tentativas de esvaziamento ou de diversão. Acima de tudo, não tenho motivos para ceticismo. Creio que este é, para Francisco, o maior obstáculo, mesmo neste Sínodo. Ele pode contar com um grande consenso do povo de Deus, e certamente conta com alguns que lhe dizem aberta e até honestamente que ele está errado. Mas ele deve especialmente se precaver contra aqueles que sorriem e depois dizem que são céticos. Eu prefiro muito mais os críticos que os céticos. Na cúria romana, e também nas cúrias não romanas, o verdadeiro problema de Francisco são os céticos. De minha parte, sou otimista porque a realidade é superior à ideia, inclusive das ideias dos céticos. A Amazônia é um micro-macrocosmo no qual a hipocrisia dos céticos pode apenas justificar o status quo e impedir qualquer mudança. A esperança da fé possibilita um grande avanço com o qual Roma reconhece a Amazônia em sua especificidade, e a Amazônia restitui a Roma o seu "ritmo de corrida" e sua "autoridade em traduzir a tradição". Se queremos correr em direção ao sepulcro vazio, não podemos ficar em casa, mudar a fechadura, obcecados apenas pelo medo de perder alguma coisa. É por isso que tenho motivos de esperança e confiança.
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“O Magistério da Amazônia pode vencer o ceticismo”. Entrevista com Andrea Grillo - Instituto Humanitas Unisinos - IHU