06 Outubro 2019
O Sínodo da Amazônia será oficialmente aberto neste domingo (6) com uma missa no Vaticano. A maioria dos participantes dos nove países da região amazônica já chegou, dentre eles uma centena de brasileiros – e não são somente religiosos católicos. Na lista de presenças confirmadas do Brasil estão lideranças indígenas, um cientista, um procurador da República, representantes das confissões luterana e anglicana e até mesmo um pastor da Assembleia de Deus.
A reportagem é de Rafael Belincanta, publicada por Radio France Iternationale - RFI, 04-10-2019.
O Sínodo foi convocado pelo papa em 2017 e é considerado “filho” da sua carta encíclica “Louvado Seja”, publicada em 2015. O documento mostrou ao mundo o cunho e qual seria a direção que o papado de Francisco seguiria: a de um grande apelo ao social a partir das periferias do mundo no contexto da emergência climática.
A fundação da Rede Eclesial Pan-Amazônica (REPAM) em 2014, com sede em Quito, no Equador, é outro elemento fundamental para entender os caminhos que Francisco ainda pretende trilhar na região amazônica. O presidente da REPAM é o ex-arcebispo de São Paulo, dom Cláudio Hummes, cardeal capuchinho, fiel conselheiro do papa jesuíta. Era ele quem estava ao lado de Bergoglio quando este se apresentou ao mundo como pontífice, em 2013. Foi dom Cláudio quem lhe disse logo após a eleição para que “não se esquecesse dos pobres”. A resposta de Bergoglio veio em seu nome pontifício.
Não por acaso, dom Hummes é o relator geral do Sínodo. Caberá a ele apresentar os resultados das consultas para que o papa assine embaixo. "O que se faz de mal à terra, acaba fazendo mal aos seres humanos e vice-versa. Há necessidade de uma conversão ecológica", disse o cardeal Hummes ao apresentar o Sínodo aos jornalistas na quinta-feira (3).
Passaram-se quase 7 anos desde a eleição e Francisco já visitou a maior parte dos países da América do Sul – Argentina exclusa. Passou pelas regiões amazônicas mais pobres, conversou com índios e políticos, missionários e ateus. Conheceu a imensidão da Amazônia e reconheceu, ainda que com atraso histórico, os índios como parte indissociável e intocável da floresta.
Em uma recente entrevista a La Stampa, o papa declarou que o maior obstáculo para a preservação da Amazônia é a “ameaça à vida das pessoas e do ecossistema provocada por interesses políticos e econômicos de setores dominantes da sociedade”.
Diante do aumento das queimadas na Amazônia e da frágil relação entre o Palácio do Planalto de extrema-direita e o Vaticano, o Sínodo inevitavelmente terá uma repercussão política no Brasil. O presidente brasileiro considera o papa comunista e ainda não houve sinal do Itamaraty sobre uma possível visita de Bolsonaro ao Vaticano. Visita que Trump realizou em seu primeiro ano de mandato, apesar de todas as divergências.
“Acredito que as relações entre Brasil e Santa Sé estão no pior nível possível”, afirma Loris Zanatta, professor de História latino-americana na Universidade de Bolonha. “O papa não tem uma hostilidade evidente contra o governo brasileiro, mas é um papa que pela sua história e tradição via em Lula uma garantia dos valores que defende. Ou seja, na ótica do papa o Partido dos Trabalhadores (PT) representa o povo, um partido que nasceu nas comunidades eclesiais de base para salvaguardar a identidade católica latino-americana. Em Bolsonaro ele vê um ser estranho à essa tradição e não duvido que o possa considerar ilegítimo, apesar de ter sido eleito democraticamente”, pondera Zanatta.
A dupla tarefa do papa em encarnar os papéis de chefe de Estado e de pastor universal da Igreja Católica lhe torna uma figura contrastante no contexto político argentino. Sem ter voltado a Buenos Aires desde 2013, Zanatta acredita que o papa “está de malas prontas”. “Assim que os peronistas vencerem, o papa voltará como triunfador. Mas ele sabe que dentro da forte tradição peronista a batina branca poderá ser um fator de profunda divisão e não de unidade”, destaca.
Longe da Casa Rosada, o porquê da ofensiva do Vaticano sobre a Amazônia vai além do conceito de ecologia integral, diz respeito sobretudo a perda de território no campo da fé. A herança religiosa geracional já não é mais garantia de perpetuação da tradição católica, cada vez mais comprometida pela invasão neopentecostal – o grande pesadelo da Santa Sé.
O documento de trabalho do Sínodo é longo e aborda este e outros temas, desde a proteção territorial até a presença eclesial nas cidades amazônicas. A questão da ordenação de homens casados e um dogmático fim do celibato na confissão católica, assim como a ordenação de sacerdotisas estão entre os temas a serem discutidos, mas já foram “vetados” pelo papa. “O foco serão os ministros da evangelização e novas formas de evangelizar”, também disse Francisco a La Stampa, afastando a possibilidade de uma igreja ad hoc para a Amazônia numa distópica descentralização do Vaticano.
Outra questão a ser debatida no Sínodo será a inculturação, ou seja, neste caso a incorporação de práticas e rituais indígenas em ritos católicos e vice-versa. O bom e velho sincretismo religioso brasileiro será oficialmente tolerado pelo Vaticano para contrastar a perda de fiéis?
Francesca Cocchini, professora de História do cristianismo na Universidade Sapienza de Roma, diz que a inculturação está no “DNA da fé cristã” e que “não se trata somente de dar, mas também de receber”. Em relação à liturgia, Cocchini afirma que a Igreja Católica de rito latino está fossilizada. “Para que o catolicismo perdure na Amazônia é preciso, antes de tudo, purificar a memória, dar um nome e reconhecer aquilo que aconteceu no passado. Só assim será possível encontrar uma nova liturgia que responda ao ‘sinal dos tempos’, sobretudo por meio do diálogo. Se existe uma religiosidade nos rituais indígenas essa é, sem dúvida, uma expressão do Deus único”, explica.
Vandria Borari, liderança das terras indígenas de Alter do Chão, no Pará, participa neste sábado (5) de um evento promovido pelo Partido Verde italiano em Roma intitulado Amazônia, defendamos o nosso futuro. Ela está na Europa para conscientizar sobre a perda de territórios indígenas, principalmente para a monocultura da soja, e para denunciar o retrocesso nas políticas públicas de proteção aos índios atualmente em curso no Brasil.
Graduada em Direito pela Universidade Federal do Oeste do Pará, Vandria não participará dos encontros no Vaticano, todavia acredita que o Sínodo contribua ao debate internacional sobre a questão das violações dos direitos humanos e dos crimes ambientais na Amazônia. “Não é possível proteger a floresta sem proteger as comunidades que ali vivem. Nesse ponto o Sínodo será muito importante para nós”, declara. Entretanto, ela lamenta a persistência de se impor religiões externas às comunidades indígenas. “Nós lutamos para reforçar a nossa autodeterminação enquanto povos originários. Nossa organização social e econômica é milenar, assim como a nossa cultura e tradição. Tudo isso deve ser respeitado”, salienta.
Ao tentar levar adiante a premente cultura evangelizadora que distingue os jesuítas, o papa eleva o Sínodo para além de uma dimensão puramente terrena. “Não se trata de um encontro de cientistas ou políticos. Não é um parlamento: é outra coisa. Foi convocado pela Igreja e terá uma dimensão e missão de evangelização. Será um trabalho de comunhão guiado pelo Espírito Santo”, disse o papa. Mas talvez no caso da Amazônia, a guiar sejam os Espíritos da Floresta.
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Sínodo da Amazônia começa no pior momento das relações entre Brasil e Vaticano - Instituto Humanitas Unisinos - IHU